
Existiu uma mulher assim – e por isso foi perseguida... e morta...
UMA MULHER ESPECIAL: INTELIGENTE... CULTA... JOVEM... SOLTEIRA... BONITA... INDEPENDENTE... TRABALHADORA... MATEMÁTICA, ASTRÔNOMA, FÍSICA, FILÓSOFA, INVENTORA, ADMINISTRADORA, PROFESSORA, CIENTISTA, FORMADA AINDA EM ARTES, ORATÓRIA E RETÓRICA...
– Acreditavam que ela poderia ser uma má influência para outros, em razão da vastidão do seu conhecimento. Imagine o que fizeram a ela...
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O nome dela era Hipácia.
Hipácia era uma inteligente e linda professora de Alexandria, a segunda maior cidade do Egito, fundada por Alexandre o Grande em 332 a. C., portanto, há 2.357 anos.
Filha do filósofo Theon, desde criança cuidava do corpo e da mente. Tornou-se matemática, astrônoma, física e filósofa, além de formação nas áreas de Artes, Oratória e Retórica. Inventou instrumentos de astronomia. Tal era seu conhecimento que foi comparada a Euclides e Ptolomeu e outros matemáticos, sábios e cientistas.
Hipácia foi responsável pela biblioteca de Alexandria, o maior templo do saber da humanidade na metade do primeiro milênio da nossa atual história.
Por ser mulher, por ser cientista e sábia e, sobretudo, por cativar uma multidão de alunos, fãs e seguidores, Hipácia despertou a ira de Cirilo, bispo e patriarca de Alexandria (a segunda principal cidade do Egito). Cirilo acreditava que Hipácia poderia ser uma má influência para outros, em razão da vastidão do seu conhecimento, que poderia enfraquecer, como ciência, as bases da religião.
Essa insegurança do bispo Cirilo foi maior que seu zelo pelas coisas e causas da Igreja e chegou ao que hoje se classificaria de insanidade: a seu mando, seguidores do bispo aguardaram Hipácia sair da biblioteca de Alexandria, puxaram-na violentamente da carruagem que a transportava e a arrastaram até uma igreja. Naquela tarde do ano 415, há 1610 anos, o mundo começava a escurecer.
Dentro da igreja, os paroquianos de Cirilo tiraram as roupas da bela Hipácia. A seguir, nua e imobilizada pelas mãos fortes e embrutecidas dos fanáticos, Hipácia teve seu corpo rasgado e esfolado até os ossos por meio de afiadas conchas e pedaços de cerâmica. Os órgãos internos de seu corpo, ainda pulsantes e palpitantes, foram jogados no fogo.
Os pertences de Hipácia também foram queimados. Os textos que ela escreveu foram proibidos. Seu nome foi levado ao esquecimento.
A jovem, bela, sábia, solteira e trabalhadora Hipácia foi morta selvagemente e seu nome foi degradado. O bispo Cirilo, por seu obscurantismo e violência, foi canonizado. Virou doutor da Igreja e santo, São Cirilo de Alexandria (ou São Cirilo Alexandrino), comemorado a 27 de junho.
Em 416, ano seguinte à morte de Hipácia, o obscurantismo religioso fez mais: queimou a biblioteca de Alexandria, o maior templo do saber do mundo. E o mundo, que já se escurecera com a morte brutal de Hipácia, entrou de vez na looooooooonga noite da ignorância.
E durante 1.000 anos a Humanidade ficou no vazio, no período chamado “Idade das Trevas”.
Será que o ser humano evoluiu ou apenas mudou o modo de ser desumano?
* EDMILSON SANCHES
IMAGENS:
Hipácia e uma versão de sua história em filme com a atriz Rachel Weisz no papel principal. Vale a pena assistir.