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FAZENDO CONTATO*

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No dia de hoje, 28 de julho, há 14 anos (2011), recebi a seguinte mensagem, creio que a primeira de uma talentosa pessoa que veio a se tornar um frequente interlocutor e grande amigo:

"Olá, Sr. Sanches.

Sou o Carvalho Junior (poeta caxiense) e um grande admirador do seu trabalho literário.

Já acompanhei palestras suas, já li alguns livros de sua autoria, e, recentemente, participei como revisor do livro "Caxienses Ilustres", sendo que o seu nome é um dos destaques da obra.

Identifico-me com sua maneira de brincar com as palavras. Ficaram gravadas na minha memória palavras que o Sr. usou em uma palestra no campus da UEMA em Caxias: "Quem não é ousado é usado".

Nota "dez pra você"!

Abração.

Carvalho Júnior, Caxias (MA)".

*

As aspas no trecho final “dez pra você” foi uma feliz apropriação do autor da mensagem, em alusão ao título de um livro meu que ele tinha – “Dez Pra Você”.

Pois é... Como se lê, a pessoa de quem aqui se cuida é o poeta, professor, gestor escolar, servidor público, ativista cultural Francisco de Assis Carvalho da Silva Junior, que completaria 40 anos neste 2025, daqui a 78 dias, em 4 de outubro. Mas, aos 35 anos, em 30 de março de 2021, Carvalho Junior foi colorir nuvens com azul de céu. Como escreveu Titus Maccius Plautus, da antiga Roma, "aquele a quem os Deuses estimam, morre jovem" (“Quem dii diligunt, adolescens moritur”).

Seria bom voltar a bater perna pela cidade o Carvalho Junior, o arquiteto e escritor Ezíquio Neto e eu. A partir do bar do Excelsior Hotel sairmos pernando pela Rua Afonso Cunha, Praça da Matriz, parada “estratégica” no minibar do Fiapu (Paulo Sérgio Assunção), continuar pela Rua Conselheiro Sinval, mirar a paisagem do lugar da antiga ponte do Porto Grande, tomar ali pertinho a Rua Bom Pastor e chegar à Praça dos Três Corações e tornar ao ponto de partida. Tanto o que se via fora quanto o que vinha de dentro de cada um dos três conterrâneos e amigos, era Caxias, sempre Caxias, prós e contras, expressos na fala tripartite, na conversa trifauce.

Acho que “desautorizei” o Carvalho Junior do emprego do “Sr.”, normal em primeiras abordagens de quem é educado (sobretudo, professor) e ainda não sabe – melhor, não tem – a exata noção de distanciamento ou proximidade, acato ou afetividade com deve ou pode se dirigir. Assim, melhor sobrar (em consideração) do que faltar (em respeito).

Neste 28 de julho pode-se dizer que a amizade com Carvalho Junior está pré-debutando. Como livros, a obra de um escritor é seu “alter ego”, avatar, clone, mimese, as conversas com o humano que morreu continuam com a obra do autor que ficou – ficou e, pelo visto, lido e comentado, vai permanecer.

Saúdo o amigo Carvalho Junior e, com palavras líquidas embora não as mais certas, brindo à sua memória.

Tim-tim!

Abaixo, transcrevo texto que (re)publiquei por aí, desde quando Carvalho Junior deixou de ser terno para tornar-se eterno.

* EDMILSON SANCHES

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À beira do túmulo de Carvalho Junior

PALAVRAS & PENSAMENTOS, AMIZADE & VIVÊNCIAS

(Quatro anos atrás, em 30 de maio de 2021, escrevi as palavras a seguir, indispensáveis naquele momento e sempre necessárias como sadia expressão de convivência entre seres humanos).

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Há exatamente cinco [sete] anos, em 28 de maio de 2016, era realizada a 10ª edição do sarau NA PELE DA PALAVRA, que teve início às 20h00, no Posto Leste, próximo à Praça do Pantheon, em Caxias (MA).

Para “ilustrar” aquele décimo evento, que já se incluíra no calendário informal de atividades culturais caxienses, seu criador, o poeta Carvalho Junior, convidou-me para, junto com ele, sermos os homenageados da edição. Na organização, a professora Joseneyde Lua, esposa de Carvalho Junior, e os poetas Quincas Vilaneto e Jorge Bastiani, os três amigos e conterrâneos nossos. O evento contava também com a participação do poeta Dudu Galisa e os músicos Marechal e Tim Rodrigues no emolduramento musical da noite.

Para atender meus amigos e conterrâneos – e, é claro, agradecer pessoalmente a honrosa distinção – viajei pelo menos (e mais uma vez) doze horas entre Imperatriz e Caxias. Em minha cidade, a noite foi rica de Poesia, História, Música e reencontros. Ambiente animado, bem frequentado.

Deixei livros, informações e mensagens em mãos e mentes de meus conterrâneos.

... Mas desde 30 de março deste 2021 que não há saraus periódicos para as noites caxienses (*). Um vírus, um bicho sem cérebro nem coração, levou Carvalho Junior aos 35 anos para a Eternidade. O tal agente infeccioso ousou encurtar uma vida grande, possível e provavelmente de alento e renovação poética, capacidade de criar, buscar apoios e realizar ações e inovações culturais, seja como professor ou como gestor na escola pública que dirigia, seja como ativista nos eventos que promovia.

No dia de sua morte, 30/3/2021, há exatamente dois meses, eu estava em uma pousada no bairro Meireles, em Fortaleza. Havia sido convidado para uma consultoria cultural acerca de um projeto imenso e inovador de um amigo. Era de tarde. Por forma de instrumento legal, fora decretado o tal “lockdown” e as ruas da alencarina capital mantinham-se em uma quietude quase sepulcral. Andei solitária e solidariamente por essas vias e vi crianças, mães e pais, que se abrigavam debaixo de marquises, correrem em regular vaivém para perto dos automóveis que paravam ao sinal fechado, momento em que cartazes feitos de tosco papelão de embalagens com a palavra “FOME” eram mostrados aos motoristas. E assim, ao longo das charmosas ruas, os sinais se iam abrindo, mas nem sempre as janelas dos carros e os corações e bolsos de seus ocupantes... Solidariedade também  é produto aqui e acolá faltante em tempos de pandemia...

Confirmei com meu amigo de Fortaleza – também sentido pela morte do Carvalho Junior – que retornaria naquele dia 30 para Caxias, e talvez pudesse, da forma possível, acompanhar o enterro do poeta conterrâneo. Ainda dentro do ônibus e mais de doze horas de viagem, fiquei sabendo que  corpo já fora tornado ao pó de onde biblicamente viera...

Do hotel, contatei o Ezíquio Barros Neto, arquiteto e urbanista, pesquisador e escritor da História local, amigo e confrade da Academia Caxiense de Letras, da Academia Sertaneja de Letras, Educação e Artes do Maranhão e do Instituto Histórico. Carvalho Junior, Ezíquio e eu formávamos um trio que costumava reunir-se por bares de Caxias, onde conversávamos sobre problemas, soluções e situações de nossa especial cidade comum, “Princesa do Sertão” e de nossos amores e louvores. Pouco antes da morte de Carvalho Junior, estávamos novamente os três no bar do Excelsior Hotel, em sua larga calçada – como se na parisiense avenida dos Champs Elysées. A tarde e a noite foram poucas para o tanto de conversa(s) e agrado que nós três tínhamos quando nos encontrávamos. A bendita ignorância dos homens nem de longe atinaria que dois meses depois aquele encontro – pelo menos na Terra – nunca mais se repetiria...

No dia seguinte ao enterro de Carvalho Júnior fomos até seu túmulo, no Cemitério Nossa Senhora dos Remédios, em uma elevação por trás da tradicional Escola Duque de Caxias (do Projeto Bandeirantes), onde estudei quatro anos e concluí o hoje Ensino Fundamental.

Ao lado da sepultura de Carvalho Junior, praticamente à entrada, à direita, fiz uma oração muda e, depois, como se falasse com ele, lembrei-me desde os primeiros instantes em que nos conhecemos, quando ele abordou-me na Academia Caxiense de Letras e “esticamos” até um bar com tira-gostos na esquina, próximo à praça da Igreja Catedral, no sopé do afamado, histórico e poético Morro do Alecrim. À beira do túmulo, com areia ainda fresca, arrodeado de pedras, disse ao jovem amigo que, com  o Ezíquio ali perto, estávamos os três reunidos de novo, uma última vez. O cemitério está em silêncio, despido de outras gentes – apenas nós, duas almas viventes, em um dia igualmente mortiço.

Como quem pergunta, lembrei àquelas pedras e areia e quem sabe à alma circundante do Carvalho Junior das longuíssimas conversas por telefone..., das diversas mensagens acerca de dúvidas ou fatos linguísticos e/ou literários e históricos... dos projetos deles, mais ou menos recentes, acerca da “ressuscitação” literária do grande poeta Deo Silva e, mais recente ainda, seus estudos sobre a poetisa e contista Lucy Teixeira, dois enormes escritores, dos quais repassei ao Carvalho Junior, a seu pedido, alguns livros e coleções antigas do jornal caxiense “O Pioneiro”, de onde foram tiradas cópias de textos, sobretudo do Deo, ali publicados.

Ele igualmente se preocupava com aspectos biográficos do escultor e escritor caxiense Celso Antônio Silveira de Menezes, de quem o Carvalho ainda não havia visto comprovação para o sobrenome “Silveira”.   Também me questionava se estava “adequada” a expressão “emancipação política”, grafada em documento da Câmara Municipal de Caxias e relacionada a uma das datas históricas do município.

Carvalho Junior também queria publicar um livro infantil, “A Volta do Sapatinho de Ploc”, que escrevera há anos e me pedira (e recebera) o prefácio, que fiz em versos e que ele disse ter “amado”. Esse livro, dissera-me o autor, tinha de ser publicado logo, segundo ele, “antes que as meninas cresçam muito” (Carvalho Junior referia-se às duas filhas dele e de Joseneyde; mas ele sabia que, para pais, filhos parece nunca ficarem grandes...).

Ali ao lado do túmulo, relembrei a indignação cívica e sadia do Carvalho Junior e do Ezíquio Neto ante uma tentativa de movimentação religiosa de usurpação de espaço do histórico Morro do Alecrim (antigo Morro das Tabocas).

Era setembro de 2017 e eu me encontrava mais uma vez em Caxias. Carvalho foi até o hotel falar comigo, explanou toda a situação e cuidou de arregimentar alguns poetas caxienses para lavrarem poemas sobre a situação de risco iminente do eminente Morro.

Além dele mesmo e de mim, Carvalho trouxe para a “luta” (“lutar com palavras”, drummondianamente) os poetas  Isaac Sousa, Jorge Bastiani e Quincas Vilaneto. Reuniu os cinco poemas (“Balaio de soluços”, Carvalho Junior; [“Morro de saudades do Alecrim”, de Isaac Sousa], “Em guarda” (Jorge Bastiani), “São ruínas nossas” (Quincas Vilaneto) e “A terceira guerra do Alecrim”, de Edmilson Sanches.

Carvalho Junior, criativamente inquieto, deu o título de “Tabocas & versos: 5 poemas em resistência à ameaça de descaracterização do Morro do Alecrim” e falou-me que queria mandar imprimir um pequeno livro (talvez com o beneplácito do nosso amigo comum Amaro, apoiador de coisas e causas caxienses, dono de gráfica no centro da cidade). O projeto não se concretizou em livro, mas foi feita divulgação intensiva por fotocópias e especialmente em espaços digitais (“blogs” “sites”, redes e grupos sociais, como se pode ver no “link” http://www.xn--abeletristapornatrciagarrido-rrc.com/2017/09/).

Desta feita, o que não foi adiante foi a movimentação para uma indevida apropriação de um já exíguo território da História de Caxias, cidade nossa onde até as pedras têm morrido, ante a descaracterização e/ou destruição de nosso patrimônio material, com a contribuição da insensibilidade e despaixão de pessoas e autoridades  --  essa gente que é tão pobre que só tem dinheiro...

Carvalho Junior era um apaixonado pelas palavras... Perguntava-me a origem da palavra “arigatô" e sua alegada origem no português “obrigado”. Um dia, em 2020, me perguntou se eu conhecia palavra para “aquele cheiro de livro novo”. Disse-lhe que não conhecia, mas que pesquisaria e, se não localizasse, eu criaria.

Dito e feito. Engendrei novos termos relacionados aos livros. Consultei o Google e o “Dicionário Houaiss” e não há menção aos termos nem a seus significados, com essa formação léxica / lexical. As palavras são formadas a partir dos elementos de composição gregos para “novo” (NÉOS-), “livro” (BIBLION), “cheiro” / “odor” (OSMÓS) e “amigo” ou aquele que deseja, quer ou gosta (-PHILOS). Os neologismos são:

BIBLIOSMIOFILIA - Amor ao ou satisfação com o cheiro de livros;

BIBLIOSMIÓFILO - Aquele que gosta do cheiro de livros;

NEOBIBLIOSMIOFILIA - Amor ao ou satisfação com o cheiro de livros novos;

NEOBIBLIOSMIÓFILO - Aquele que gosta do cheiro de livros novos.

Eu havia perdido essas “criações”, justo quando o Carvalho queria saber delas, por também haver perdido a mensagem que as continha. Terminei por localizá-las e, em 26/06/2020, ele agradeceu a nova remessa das palavras: “Eu não conseguiria lembrar. A cachola às vezes falha”  -- escreveu ele.

Carvalho fazia uma ‘festa’ com as possibilidades sem fim do mundo vocabular. Além de craque em novos usos e sentidos de palavras em seus escritos poéticos, Carvalho Junior adorava os termos mais regionais, sobretudo locais, que diziam respeito ao falar próprio do caboclismo, como a saborosa pronúncia “áruvaio” para “orvalho” e a adequação ou não do uso dos modos verbais neológicos “cangular” e “cangulando”. Acerca destes trocamos ideias, incentivei-o ao uso e Carvalho terminou por enviar-me a definição: “Cangular - ato de movimentar, com destreza, o quibano na separação dos grãos”. A forma verbal “cangula” foi utilizada pelo Carvalho em seu poema “Luna”, de junho de 2020, que termina com um neologismo por fusão  -- “cangulua” --, forma de composição bem frequente na criativa obra poética carvalhiana. Nesse poema e na definição de “cangular”, como se lê, o autor usa também a forma “quibano”, mais falada em Caxias do que a clássica “quibando”).

Doutra feita, Carvalho indagou-me sobre  aspectos linguísticos, etimológicos, da palavra “toá”, que ele queria empregar em um texto mas não vira no dicionário. Ambos tivemos na infância a presença do “toá”, um tipo de argila / barro que, meninote acostumado a nadar no rio Itapecuru, até cheguei, sem “viçar”, a dar umas mordidelas, pois contém ferro, daí sua cor amarelenta. Quanto à grafia, a “original” é “tauá” ou “taguá” (do tupi “tag’wa”) – mas, é claro, a forma “toá” é melhor, mais curta, forte e sonorosa.

Sobre palavras e coisas da infância, Carvalho certa vez me enviou alguns poemas deles. No comentário, fiz o dístico:

“Batendo asas ligeiro -- e, fora do ninho,

(re)pousando em novos galhos pelo caminho...”

Carvalho respondeu-me:

“Gracias, menino do carr(ê)go igual a mim. Nossas infâncias e cambos poéticos dialogam. Fomos meninos de meninice aproveitada ao sabor máximo. Hoje é traduzir essa poesia que vivemos.”

Na “tréplica”, versejei:

“Quem infanciou que nem nós não pede arrego,

não é fraco, molenga, e acerta até no bambo.

Trazemos energia em nosso interno carrego

– e se o vento é forte enganchamo-nos num cambo...”

Carvalho encerrou por aquele dia, escrevendo:

“Bonito. Gostei da ginga de palavras. Como diz o Cacaso: ‘Minha pátria é minha infância, por isso vivo no exílio’."

Em uma outra oportunidade, Carvalho Junior escreveu-me:

“Tá na área? Boa noite. Me ajuda a lembrar o nome da brincadeira que tem o negócio do ‘remã remã’, please...”

Era setembro de 2020. Respondi ao meu conterrâneo e confrade sobre a brincadeira de infância com o tal “remã remã”:

“Brinquei muuuuuuuito na Rua da Galiana brincadeiras como "Bombaquim", "Pegador", "Corrida do saco" (brinquei muito  -- era campeão – na Rua Bom Pastor), "Passar o anel" (em um círculo de meninos – sobretudo meninas... [rs] – colocar uma pedrinha entre as mãos da pessoa escolhida, geralmente uma meninazinha que a gente tava de olho...).... Enfim, muitas brincadeiras que nos tornavam, a nós crianças, mais lúdicos e, ao mesmo tempo, mais lúcidos.

Mas a brincadeira a que você se refere é a ‘Boca de forno’:

– Boca de forno? – Forno!

– Jacarandá – Dá!

– Se eu mandar? – Vou!

– E se não for? – Apanha!

– Farão tudo que seu mestre mandar? – Faremos todos!

– E se não fizerem? – Ganharemos bolo!

– Remã, remã….

Com esse ‘remã, remã’ era escolhido quem levaria o bolo – que, como sabemos, não era uma comida, mas uma pancada com régua, palmatória, ou com a mão na mão de outrem.

Valeu?”

Logo em seguida, eu complementava:

“Esqueci de dizer que, após o ‘mestre’ dizer ‘remã, remã’, ele completava com a tarefa, por exemplo:

– ‘Remã, remã, quero que me tragam uma pedra de cor preta’; ou ‘um caroço de manga’; ou a embalagem de uma determinada carteira de cigarros (que, em outra brincadeira, a ela era atribuído um valor de uma das cédulas de dinheiro da época; etc. etc.

Quem não trouxesse, ou quem trouxesse por último (ou outro critério) etc., levaria o ‘bolo’.

*

Inúmeras eram as ocorrências e recorrências do Carvalho Junior... Todas, até por sua formação acadêmica e prática docente, com propriedade e visível gosto pelo cuidado com e preservação do idioma Português – e, mormente, o “infanciês”, isto é, a linguagem particular da infância de vivências comuns que, mesmo separados por espaço e tempos, tivemos em nossa Caxias e que se constituiu em um “dialeto” da meninice tão presente no linguajar e no poemar de meus queridos literatos conterrâneos de agora e de outrora.

Tal era a sadia paixão de Carvalho Junior pelas palavras do vocabulário próprio dos caxienses “que tiveram infância”, e tal era o volume de sua curiosidade e consultas a mim e a algumas poucas pessoas que ele começou a escrever um dicionário com essas novas ou pouco comuns palavras. Chegou a dar nome ao dicionário: “Dicionário Sannecicanto”, um siglônimo formado por sílabas iniciais de sobrenomes das pessoas a quem mais recorria para tirar ou compartilhar dúvidas sobre palavras. Em texto e em mensagem por áudio, em junho de 2020, ele detalhou a formação do nome: “Dicionário Sannecicanto: San = Sanches; ne = Neres; ci = Cileia; can = Cantanhêde; to = Toinha”. Ele ainda explicou que “Neres” é o José Neres e “Cantanhede”, Luzia Cantanhede, ambos poetas de suas relações. “Cileia” era uma colega de trabalho e “Toinha” é Dona Antônia, sua mãe.

Tivemos debate em público, em uma página de Facebook que ele criara, onde defendemos – em alto nível... – nossos pontos de vista sobre o excessivo uso de reduções como “vc”, “rs”, “blz”, “vdd” etcétera.

Quando eu escrevia um texto sobre Caxias e/ou caxienses, eram certeiras e quase imediatas suas palavras:

“Texto maravilhoso sobre Caxias. Nós que somos afeitos aos detalhes, percebemos o que outros leitores muitas vezes não percebem. [...]. // Parabéns pelo belíssimo texto. É um presente para a cidade, para os filhos que tanto desconhecem a própria história e riqueza cultural. O teu contributo é muito grande. [...] // Um abraço, meu caro. O texto é um primor. Você é um mestre. Gostei muito.” (5/7/2020)

*

A última mensagem de Carvalho Junior para mim foi em 13 de fevereiro deste 2021,umas duas semanas depois de nosso bate-papo a três (mais o confrade de Academia Ezíquio Neto), lá na calçada do Excelsior Hotel. Naquela data eu já retornara para Imperatriz e, sobre os novos livros de autores caxienses que editei e prefaciei, Carvalho escreveu:

“Livros à mão cheia. Isso é ótimo. Produção. ’Bonjour’!!!”

Foram, para mim, suas últimas palavras. Eu não sabia que Carvalho Junior estava internado, em função da covid-19. Fiquei sabendo somente na primeira semana de março. Acreditando que o vírus estaria “só de passagem” por aquele jovem de 35 anos, forte, cheio de vida, filhas para criar, livros por fazer, projetos (muitos) para tocar, escrevi-lhe em 7/3/2021:

“Carvalho Junior, // Soube que enfrentas o vírus coroado. // Que a luta te seja leve e possas estar logo logo restabelecido, para o convívio dos teus (familiares, amigos, colegas, confrades, conterrâneos...). // Saúde e Paz, Conterrâneo! // SANCHES”.

Não tive resposta e, pouco mais de três semanas depois, morria meu Conterrâneo (de Caxias), Colega (de escritas), Confrade (de Academias), Amigo (de sempre) e Companheiro (de ideias e ideais  --  torcia pelo meu retorno para Caxias e ingresso na vida política local).

Ali, no Cemitério dos Remédios, ao lado do túmulo do grande e jovem poeta caxiense, falei palavras, repassei pensamentos, lembrei lembranças... É muito solitária a solidão de um cemitério vazio... Ezíquio Neto, professor de arquitetura e urbanismo, cuidadoso pesquisador da História, hábil desenhista e fotógrafo, discretamente fez a imagem de um amigo sozinho, à beira do sepulcro de Carvalho Junior, eu com o peso da ignorância de quem não sabe dos mistérios do pós-morte, da outra vida, um “estado” para nós intuído, porém ainda um completo desconhecido “modus vivendi”, que Carvalho Junior, pioneira mas involuntariamente, desde março está vivendo.

Francisco de Assis Carvalho da Silva Junior era mesmo para ser poeta  --  até no nome: completo, ele forma um “verso heroico”, assim chamados na escansão ou metrificação os famosos versos de 12 sílabas poéticas.

Lembrando o quinto ano do décimo sarau “Na Pele da Palavra”, de 28 de maio de 2016, em que Carvalho Junior me escolheu e convidou para, ao lado de seu nome, sermos homenageados naquela festa de Poesia, Arte (exposição fotográfica do Ezíquio Neto), Música e Cultura caxienses, fico me lembrando das palavras do cantor e compositor Belchior, em música de 1977, em que, com “um olhar lacrimoso”, o músico cearense falava de “engenho”, “milho verde”, “rio”, “bicho”, “pardais”, em um tempo “quando havia galos, noites e quintais”.

Agora também já não há saraus... e faltam carvalhos na floresta literária...

Talvez só reste um olhar de lágrima...

Descanse, Amigo.

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REPERCUSSÃO

“Excelente texto. Com certeza ele estará sorrindo, dando cambalhotas de felicidades.” (JOAQUIM VILANOVA ASSUNCAO NETO, escritor, administrador / UEMA – São Luís, MA)

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“Texto memória póstumo a Carvalho, tocante e magnífico. Carvalho Vive em nosso mundo, mais ainda agora, no mundo altívolo eterno, dos seus ancestrais e do Criador Primaz das palavras. Carvalho Junior Vive!” (FRANCISCO CARLOS A MACHADO, mestre em Ciências Ambientais – São Luís, MA)

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“FUI OLHAR MAIS UMA VEZ PARA O TEXTO BEM ELABORADO E ATÉ UMA PALAVRA DOS JAPONESES:ARIGATÔ. NO FINAL, LAMENTEI PROFUNDAMENTE A PARTIDA PRA ETERNIDADE DE UM JOVEM SENHOR, COM APENAS 35 ANOS!!! QUANTO SOFRE A FAMÍLIA QUE FICOU (Lindalva Bastos Lopes/Imperatriz, MA)

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“Tenho tanta saudade de meu amigo: Homem Tijubina. E que belas palavras e lembranças Edmilson.” (GARDENIA LEBRE HELAL – Universidade Estadual do Maranhão – Caxias, MA)

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“Nesse tempo pandêmico estamos acumulando partidas antecipadas, deixam suas marcas e a maior é a que dilacera a alma... Saudade que abraça, que se faz!” (GRAÇA ASSUNÇÃO, psicóloga, assistente social, escritora – São Luís, MA)

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“Ai como dói essas perdas prematuras e repentinas! Ainda bem que tem as tuas palavras tão bem ditas, eternizando essas personalidades que partem deixando um legado e muita saudade!” (Walmiria Salazar Farias, artista plástica, servidora pública – Brasília, DF)

* EDMILSON SANCHES

Foto:

O poeta Carvalho Junior – grande janela da grande poesia: com a esposa, Joseneyde, e as filhas do casal; com Ezíquio Neto 9de barba) e Edmilson Sanches; e um de seus principais livros, “O homem-tijubina”.

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