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SOBRE POEMA E POESIA, VERSO E VIDA*

O Acadêmico Jáder Cavalcante, de São Luís, linguista, romancista, autor publicado em prosa e verso, conhecedor da Língua Portuguesa como poucos, escreveu–me e deixou sutil instigação, a partir do que, a seguir, trago algumas reproduções públicas de diversas reflexões particulares.

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A cordata questão trazida vem a propósito da redação de um convite de posse de nova diretoria de uma Academia da região Norte do Brasil.

Abaixo da denominação da solenidade (a cerimônia de posse), o documento anuncia: “O evento será acompanhado de momentos culturais: poemas, prosas, músicas e poesia”.

Comento.

É vezeiro o uso simultâneo das palavras “verso”, “poesia” e “poema” como sinônimas. Claro, há especificidades, sutilezas, extensões semânticas e outros significados e sentidos que não ou nem sempre se comunicam de um para outro substantivo. Que nem gente, cada palavra guarda para si um traço peculiar, um “ton sur ton” que lhe é próprio, que é – pode–se dizer – só seu.

No caso da redação do convite, tenho para mim que os termos  “poemas” e “poesia”, na mesma linha, só se justificam se o segundo (“poesia”) estiver com o sentido de “aquilo que desperta emoção”, ou “o que causa emoção, enlevo”, “o que desperta sentimento de beleza”. Tudo isto, é claro, referindo–se ao evento daquela Academia nortista ou a parte dele, que são os prometidos “momentos culturais” – como está no convite –, com seus “poemas”, “prosas” e “músicas”.

Talvez haja – e certamente há – redação mais feliz, sobretudo se feita por quem sabe das nuanças do escrever, do escrever não apenas literalmente mas literariamente. Pois, sem desdouro para uma ou outra, há a arte de escrever e há a arte de escrever com arte.

Vejamos. A redação original informa: “O evento será acompanhado de momentos culturais: poemas, prosas, músicas e poesia.”

Indo para as nuanças, talvez “acompanhado” não seja o termo mais preciso ou adequado. Os “momentos culturais” não propriamente “acompanharão”, não é como a banda musical que, aqui sim, acompanha um cantor. Acompanhar tem a ver com simultaneidade, constância, grudado que nem piolho de cobra em veado, como se dizia popularmente em priscas eras. Daí o verbo “acompanhar” ter em sua formação a antecedência do prefixo “a–“, que vem do latim “ad–“, que transmite a ideia de direção e proximidade: “acompanhar” é, assim, “estar em companhia”.

Talvez, como sugestão, a frase ficasse mais razoável assim: “A solenidade terá apresentações musicais e literárias em agradável noite de cultura”. Troca–se a palavra “evento” por “solenidade”, pois a primeira, embora não esteja incorreta, é mais indicada para acontecimentos de grande fluxo de pessoas, algo mais, digamos, feérico!... Já “solenidade” confere certa distinção para ocorrência realizada com liturgia, rito ou formalidade, mais estrita e restrita, de fluxo limitado etc.

Por outro lado, vale dizer que toda a solenidade / todo o evento é um “momento cultural”, e não apenas os instantes onde se ouçam cantos, declamações e/ou leituras de textos poéticos e prosaicos. Os esperados discursos de despedida e de assunção do cargo de presidente são o ponto alto, o mais distintivo   –– e, na solenidade ou evento, são, “et pour cause”, as peças e os momentos culturais por excelência.

A pluralização dos designativos das formas de expressão “prosa” e “poema”, com o substantivo singular “poesia” ao final, pode causar imediata “estranheza”, nos de percepção linguística mais aguçada, por esses termos estarem bem próximos, na mesma linha da frase. Isso porque, no geral, tem–se “verso”, “poesia” e “poema” como sinônimos, “a mesma coisa”, da mesma forma como, no geral, sem refinamento linguístico, semântico, igualam–se os termos “música” e “canção”.

Tanto em um quanto em outro caso, ou seja, tanto em relação à Literatura quanto em relação à Música, “verso”, “poesia” e “poema” e “música” e “canção” são e não são a mesma coisa. Depende do pretexto e do contexto. Daí a sutileza entre a arte de escrever e a arte de escrever com arte. Ou da arte de compor e da arte de compor com arte (Literatura e Música, tudo é composição...).

A valer a datação dos lexicógrafos e outros arqueólogos da Língua, a palavra “verso” é do século 13; “poesia”, século 15; e “poema”, do primeiro quinto do século 18, isto é, 1720.

“Verso”, a palavra mais antiga, é ao mesmo tempo parte e todo: tanto pode ser a linha de um poema quanto uma parte dele (uma quadra, por exemplo) ou todo ele (como na frase: “Sua vida está contada em verso e prosa”).

Já “poema” é palavra de semântica específica. Poema é forma. É a composição em verso. Quando muito, o sentido da palavra “poema” – extraído do enlevo que poesias e “a” poesia em geral provocam – amplia–se para absorver significados ligados à beleza, à sensibilidade, à perfeição, à magia (neste caso, fascínio, magnetismo), como nas frases: “Aquela mulher é um poema!...” / “Ao contemplar as matas e montanhas não viu matas e montanhas – viu um poema...”.

Por fim, “poesia” é praticamente tudo. “Poesia” é antes, durante e depois.

É a inspiração para escrever.

É a arte de escrever.

É a composição escrita.

Poesia é “antes” porque poesia tem a ver com sensibilidade, emoção, sentimento de beleza, inspiração... (“Estados” prévios, anteriores, ao ato de escrever).

Poesia é “durante” porque poesia é poder criativo, arte, talento, técnica de escrever, de compor (em) versos. Não foi sem razão que os gregos, sabiamente, deram o nome de “poiésis” (em latim, “poésis”) aos atos de fazer, fabricar, industriar, artificiar, engenhar, confeccionar, construir, compor... criar. Para os gregos antigos, tanto havia “poiésis” (poesia) na formulação de um perfume quanto na composição de uma música. Havia / há poesia tanto na estrutura de navios quanto na escritura de versos.

Poesia é “depois” porque poesia é o poema feito, o conjunto de linhas ou versos bem dispostos, na ordem que a métrica impõe ou, livremente, na ordem que a sensibilidade e vontade do autor põe.

Etimologicamente, poesia é criação.

Biologicamente, vida é poesia.

Assim, viva a Poesia!

* EDMILSON SANCHES

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