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LITERATURA MARANHENSE: O jurista e poeta Ives Gandra da Silva Martins*

O BLOG DO PAUTAR abre espaço para a literatura – textos de escritores maranhenses. Aproveite este momento... Boa leitura!

“Poesia Completa”, de Ives Gandra da Silva Martins, com a apresentação do maestro João Carlos Martins, irmão de Ives Gandra, e prefácio de Paulo Bomfim, é uma edição belíssima da Editora Resistência Cultural, de São Luís, e, a bem da verdade, com padrão europeu, “fruto do trabalho do editor e amigo José Lorêdo Filho, lutador na nossa terra [lê-se Maranhão], segundo palavras do meu querido amigo, Dyêgo Martins, professor de Literatura Maranhense, o qual, com sua costumeira gentileza, mandou-me esse exemplar de presente, uma riqueza de livro, tanto pelo seu conteúdo quanto pelo seu continente...

E quem são os apresentadores da antologia de Ives Gandra? – João Carlos Martins, que é simplesmente o grande maestro brasileiro e pianista de renome internacional... João Carlos Gandra da Silva Martins é um pianista e maestro brasileiro. Reconhecido por ser um dos maiores pianistas do mundo e é apontado como o maior intérprete de Bach... Em 1995, num assalto, na cidade de Sofia, na Bulgária, foi golpeado na cabeça com uma barra de ferro, provocando uma sequela neurológica que comprometeu o membro superior direito. Por cusa disso,teve que fazer trabalhos de reprogramação cerebral para conseguir movimentar a mão direita. Ele voltou a tocar com as duas mãos, entretanto voltou a apresentar problemas no braço direito e, agora, também na fala, teve que ser submetido a um novo procedimento cirúrgico. Com isso, ele grava seu último álbum com as duas mãos.

Entretanto, com o correr dos anos, desenvolveu, no membro superior saudável, o esquerdo, uma doença chamada contratura de Dupuytren, que foi provocada, além da própria contratura, o espessamento da “fáscia palmar”. Fora submetido, de novo, a um procedimento cirúrgico, que não impediu que perdesse os movimentos da mão esquerda, inviabilizando tocar piano. Novamente, teve que parar de tocar e, dessa vez, acreditou que seria para sempre.

Incapaz de segurar a batuta ou virar as páginas das partituras dos concertos, João Carlos faz um trabalho minucioso de memorizar nota por nota. Entretanto, começou a desenvolver distonia no membro superior esquerdo, que produz movimentos involuntários, e o impede de reger.

Esteve em Londres regendo a 'English Chamber Orchestra', uma das maiores orquestras de câmara do mundo, numa gravação dos seis ConcertosBranndenburguenses de Johann Sebastian Bach e, já, em dezembro, realizou a gravação das Quatro Suítes Orquestrais de Bach com a Bachiana Chamber Orchestra. Os dois primeiros CDs já foram lançados (lançamento internacional). Em fevereiro de 2004, o crítico inglês descreve, na “International Piano Magazine”, um episódio pitoresco que aconteceu na vida de João Carlos Martins, quando, após um recital no Carnegie Hall, no fim dos anos 60, recebeu uma recomendação de Salvador Dalí: "Diga a todos que você é o maior intérprete de Bach, algum dia vão acreditar. Faz muitos anos que digo ser o maior pintor do mundo e já há gente que acredita". O crítico termina dizendo que João Carlos Martins não teve que esperar tanto tempo.

Em 2012, ele se submeteu a uma cirurgia no cérebro para a implantação de dois eletrodos do cérebro, com um estimulador eletrônico no peito, para recuperar os movimentos da mão esquerda, atrofiada.

Com a ajuda de pesquisas à parte, tive de relatar essas considerações para mostrar a força de vontade do maestro e o seu poder de superação. E o maestro abre o livro com essa fraternal e carinhosa sentença: “Não é fácil escrever sobre o Ives, no entanto o orgulho que sinto em dizer não só em público, mas para pessoas que, talvez, não saibam que sou seu irmão, é indescritível. Muitas pessoas recebem por obra do destino um dom de Deus, mas algumas recebem vários dons e, sem dúvida, o Ives faz parte desse grupo”.

O prefácio é do poeta Paulo Bomfim, da Academia Paulista de Letras. Atualmente, é o sexto Príncipe dos Poetas Brasileiros; os cinco anteriores foram Olavo Bilac, Olegário Mariano, Martins Fontes, Menotti Del Picchia e Guilherme de Almeida. Ouçamos o que Bomfim falou a respeito de Ives Gandra: “Acompanho, há muitas décadas, a trajetória lírica de Ives Gandra da Silva Martins. Nosso primeiro encontro foi abençoado pelas arcadas do Largo de São Francisco [lê-se Faculdade de Direito da USP]. Nascia aí um ritual de fraternidade que uniria nossas vidas. Não cabe aqui falar do jurisconsulto, do mestre amado pelas gerações que se sucedem, nem do jornalista, e sua espada de lidador. Falaria noutros momentos do pianista, do orador, do faixa-preta de caratê e do erudito presidente da Academia Paulista de Letras. O advogado padrão e tributarista emérito mereciam outros tantos prefácios.

Quero assinalar, agora, o caminho de Compostela desse peregrino do verso. Trata-se de um grande sonetista contemporâneo. Maneja o soneto shakespeariano com a mesma verdade de Campos de Figueiredo. Se toda a extensa obra de Ives Gandra da Silva Martins fixo-me principalmente nessa forma que considero o traje a rigor do pensamento. A obra completa de meu irmão em poesia acontece em boa hora, momento de perplexidade e desalento em que o Brasil clama por um pouco de Amor”. E se Paulo Bomfim disse, está dito, e eu não pude sintetizar seu prefácio, simplesmente porque o que ele disse é um tudo de um todo.

Nessa antologia, Ives reúne doze livros de poesias, em 750 páginas, cuja estreia foi “Pelos caminhos do silêncio”, em 1956, até chegar,, ainda, ao inédito em livro, mas aqui contido “Cicatrizes do tempo”. É ele, Ives Gandra quem diz, em sua “brevíssima introdução”, que “os leitores que tiverem paciência de ler alguns dos versos deste livro perceberão o porquê de considerar-me ainda um velho poeta da Geração de 45.

O soneto que abre aquele primeiro livro de Ives, “Pelos caminhos do silêncio”, de 1956, oferecido aos seus pais, [o velho pai era português de Braga] é o “Soneto de abertura”, cujos versos foram escolhidos por Manuel Bandeira para abrirem o livro inaugural do grande tributarista. Ouçamo-lo: “Eu faço versos. Eu não sei por quê. / Meu verso inculto é veio d’água suja, / em vez de rio cristalino, cuja / nascente o gênio apenas é quem vê. / Se eu faço versos, são para você? / talvez o canto de seus olhos ruja, / querendo o mar, num veio d’água suja, / e eu faço versos, eu bem sei por quê”.

Em “Testamento”, Ives assim canta: “Na voz do verso que resta, / na velhice já sem festa, / meu grito soa distante / sem ser triste ou ser tristonho – / continuo o mesmo sonho / que vivi desd’eu infante. / [...] Meu verso pobre e diário, / escrito em meu calendário, / fez do combate certeza, / qual astronauta no espaço – / tracei sempre cada passo, / sem medo da correnteza. / [...] Companheira de virtude / desde minha juventude, / nestes anos sem tormento, / a ti Ruth, tão querida – / hoje perto da partida, / entrego meu testamento”. [São Paulo, 22 de abril de 2012]

Ruth é a esposa de Ives, e, para o poeta, é como se fora Beatriz para Dante ou Laura para Petrarca.

Este é o doutor e professor Ives Gandra da Silva Martins, o maior tributarista brasileiro e um dos grandes publicistas e pensadores do nosso tempo. Mestre em Direito, jurisconsulto, pianista, orador e lutador de caratê, jornalista e poeta e presidente da Academia Paulista de Letras. Se eu já era seu aprendiz constante no campo jurídico-social, mais o serei agora, porque temos os dois, a poesia como rumo.

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* Fernando Braga. Este artigo foi, originalmente, publicado no Jornal “O Estado do Maranhão”, “Caderno Alternativo”, em 24/5/2015; in “Revista Encontro”, do Gabinete Português de Leitura, de Pernambuco, Anos 30/31, nos 25/26, 2014/2015.

P.S.: Sobre esses apontamentos, o professor Ives Gandra me proporcionou a honra e a alegria de assim se manifestar: “Prezado Dr. Fernando Braga, sensibilizou-me sua crítica aos meus versos. Passei seus elogios ao meu irmão João Carlos. Gostei muito de seu poema na mesma Revista. Afetuoso abraço, Ives Gandra da Silva Martins, São Paulo, 15 de abril de 2016.