Skip to content

Caxias: talentos a serviço do Brasil*

Centro Cultural (prédio do século XIX)

Em mensagens escritas no Facebook, os escritores Humberto Barcelos e Tasso Assunção, cada um a seu tempo, manifestam vontade de saber por que tantos brasileiros talentosos e ilustres são filhos da maranhense Caxias.

Gonçalves Dias, autor da “Canção do Exílio”, que tem versos no Hino Nacional brasileiro; fundador do Indianismo na Literatura brasileira.

Teófilo Dias, fundador do Parnasianismo na Literatura brasileira.

Celso Antônio de Menezes, o Modernismo nas Artes Plásticas.

Teixeira Mendes, criador da Bandeira Brasileira, redator da Lei de liberdade de crença e culto no Brasil, inspirador da criação da Fundação Nacional dos Índios, antigamente Serviço de Proteção aos Índios, pioneiro na defesa da existência de leis de proteção à mulher trabalhadora, ao menor trabalhador, aos doentes mentais.

Coelho Netto, três vezes indicado ao Prêmio Nobel, introdutor do cinema seriado no Brasil, eleito Príncipe dos Prosadores Brasileiros, autor da ideia para o Hino Nacional brasileiro ter uma letra, criador da palavra “torcedor” com o sentido de “aquele que torce por uma agremiação esportiva”; responsável pela aceitação da capoeira como esporte digno.

João Christino Cruz, agrônomo, com estudos em diversos países, criador do Ministério da Agricultura e presidente de honra da Sociedade Nacional de Agricultura.

Adérson Ferro, considerado “Glória da Odontologia Brasileira”, pioneiro no uso de anestesia na Odontologia; primeiro brasileiro a escrever e lançar livro técnico sobre odontologia, no século XIX.

Armando Maranhão, considerado “A Pedra Angular do Teatro Paranaense”, que estudou na Europa com diretores de Cinema do porte de Federico Fellini, Michelangelo Antonioni, Roberto Rossellini, Luchino Visconti, Laurence Olivier.

João Mendes de Almeida, advogado, jornalista e escritor, redator da Lei do Ventre Livre, presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo, homenageado com busto e nome de praça central em São Paulo (SP).

Sinval Odorico de Moura, magistrado e político, um raro caso de alguém que foi governante de quatro Estados no Brasil.

Andresa Maria de Sousa Ramos, estudada por escritores, sociólogos e antropólogos brasileiros e estrangeiros, é a Mãe Andresa, sacerdotisa de culto afro-brasileiro de renome internacional, última princesa da linhagem direta “fon”, que comandou durante 40 anos a Casa de Mina em São Luís, até morrer em 1954, aos cem anos de idade.

Ubirajara Fidalgo da Silva, o primeiro dramaturgo negro brasileiro, ator, diretor, produtor, bailarino, apresentador de TV e criador do Teatro Profissional do Negro, reconhecido e homenageado nos grandes centros brasileiros como Rio de Janeiro e São Paulo.

Elpídio Pereira, maestro e músico de renome internacional, autor do hino de sua cidade natal, Caxias, estudou e apresentou-se na França e em diversos Estados brasileiros.

João Lopes de Carvalho, pintor e desenhista, que estudou sua arte em Portugal, onde, por seu grande talento, já aos 16 anos, em 1862, foi elogiado por muitos jornais de Lisboa.

Joaquim Antônio Cruz foi médico, militar e político e participou da demarcação de fronteira do Brasil com a Argentina e votou pela lei que terminou por abolir os castigos corporais nas Forças Armadas.

E diversos outros nomes, inclusive do presente.

**

Realmente, o que dizer dessa fenomenologia caxiense?

Fiz um pequeno esforço, e escrevi um pouco sobre o tema, depois de alguma pesquisa. Consta do conteúdo de meu livro “TEIXEIRA MENDES – ESSE NOME É UMA BANDEIRA”, de 2011. Veja-se:

**

Mirante da Balaiada, no histórico Morro do Alecrim

*É para algo incerto e insabido, é para a certeza e a dúvida, o encontro e a busca, para a ignorância e sabedoria, para desvelos e desvarios, para a superfície e para o subterrâneo, para ocultamentos e revelações, para resmungos e orações, para a ciência e, maravilha!, para a transcendência – é para isso e muito mais que humanos somos feitos.

Um desses seres de busca e iluminação, de aclaramento e revelação, Raimundo Teixeira Mendes, nasceu, sabemos, em Caxias mas para o Brasil. Teixeira Mendes nasceu com a especial impregnação do magnetismo, do telurismo que influenciou ou se agregou ao caráter, à personalidade dos muitos caxienses que nasceram naquele incomum século XIX. Caxienses que, carregados do poder telúrico, emigraram para centros maiores, de onde puderam irradiar suas benfazejas emanações de inteligência e de fibra, de talento e de luta, de questionamentos e soluções.

Deixo um pouco de lado o filho e torno à mãe, a mãe-terra, a terra-mãe – Caxias. Volto a tratar da força telúrica, da energia do solo natal sobre os filhos que nele – ou dele – nascem.

Quem pesquisar haverá de concluir que o século XIX foi prolífico em dar grandes nomes caxienses ao país e ao mundo. Haveria algo de, digamos, especial no solo caxiense daquele tempo, ainda não plastificado pela pavimentação asfáltica que impermeabiliza o chão e vulnera, pelos desvios da corrupção, o caráter de tantos administradores e a prática da Administração Pública neste país?

Haveria, sobretudo naquele excepcional século XIX, haveria no solo caxiense, no seu ar, na água, no ambiente, alguma etérea substância, uma intangível matéria, um invisível elemento ou uma especial propriedade que, por motivoss que a razão desconhece, se introduzisse, se infiltrasse em um ser e nele se impregnasse, hibernasse e homeopaticamente liberasse um poder, uma energia ou uma força que estimulasse a pessoa a esculpir caráter, a ter comportamentos e fazer brotar talentos e trabalhos diferenciados em relação ao comum da população? Enfim, pode a terra em que se nasce ter ou conter algo que influencie positivamente a inteligência e o desempenho de um filho dela?

A resposta parece ser sim. Com certeza, eram outros os tempos e o ambiente (meteorológico e sociocultural) da Caxias em que Teixeira Mendes nasceu e onde viveu seus primeiros anos.

Há quem defenda a influência direta dos fatores geográficos e climáticos na formação de pessoas e sociedades.

Como de entrada aborda o professor maranhense, doutor e autor, Ricardo Leão, em sua monumental obra “Os Atenienses: A Invenção do Cânone Nacional”, “a hipótese de que os costumes, os hábitos, os temperamentos, a cultura e a civilização como um todo eram resultado da influência direta dos climas sobre o psiquismo das pessoas cruzou séculos, através da obra de literatos, filósofos, cientistas (...)”. O estudioso e premiado professor maranhense relaciona autores, transcreve trechos (inclusive nas línguas originais) de respeitados autores, a partir do influente – há 2.400 anos – filósofo grego Aristóteles e seu livro “A Política”.

Segundo Ricardo Leão, outro autor, o francês Jean-Baptiste Dubos, em obra de 1719, “sustenta a tese de que determinados povos [...] dão provas de possuir um melhor gosto, produzem um grande número de artistas, cujas criações são de qualidade superior”. Dubos chega a escrever que “o clima de cada povo é sempre, conforme creio, a principal causa das inclinações e dos costumes dos homens [...]”.

Outro francês que o estudioso Ricardo Leão acolheu, François-Ignace Espiard de la Borde, afirma: “[...] do Gênio de uma Nação, a Causa fundamental é o Clima, com várias outras, subordinadas e consecutivas [...]. O Clima é a mais universal, mais íntima Causa física”. Ricardo Leão analisa também o escritor e filósofo alemão Johann Gottfried von Herder, de cuja obra “Ideias Para Uma Filosofia da História da Humanidade”, dos finais do século XVIII, extrai que: “Cada homem é, portanto, em último resultado, um mundo, que em seus fenômenos externos apresenta semelhanças com aqueles de seu meio [...]”. Herder foi aluno de Kant e nele deve ter observado e dele deve ter absorvido as ideias sobre o telurismo e a influência climática e geográfica no desenvolvimento humano.

Por sua vez, o também professor doutor maranhense Rossini Corrêa, advogado e sociólogo e autor de extensa e variada obra, em seu livro “Atenas Brasileira: A Cultura Maranhense na Civilização Nacional”, refere-se às “clivagens sobreviventes”, espécie de separações ou diferenciações sociais a partir da espacialidade territorial, “que contrapõe o litoral ao sertão”: neste “persistiria o arcaico, o primitivo”; naquele, “o moderno, civilizado”.

Além da força telúrica e da teoria dos climas, há a Teoria dos Grandes Homens, para a qual “o progresso humano ocorre devido aos esforços de indivíduos excepcionais”. A Teoria dos Grandes Homens tem origem na obra do professor, historiador e escritor escocês Thomas Carlyle, que observava e, ao final, afirmava: “Entre as massas indistintas e semelhantes a formigueiros existem homens iluminados e chefes, mortais superiores em poder, coragem e inteligência. A história da humanidade é a biografia desses indivíduos, a vida de seus grandes homens”.

Do outro lado, voltada para as características do tempo e não para a excepcionalidade de um ou mais indivíduos, está a teoria Zeitgeist, para a qual “as realizações humanas refletem ou se desenvolvem a partir do caráter essencial de uma época”. “Zeitgeist” é termo alemão que significa “espírito do tempo” e é tradução para a expressão latina “genius seculi”, o “espírito guardião do século”, diferente do “genius loci”, o espírito que tutela ou toma de conta de um lugar. “Genius Seculi” é o título da obra do filólogo prussiano-alemão Christian Adolph Klotz, do século XVIII, mas o conceito de Zeitgeist tornou-se mais conhecido por meio da obra do filósofo alemão Hegel.

Em apresentação ao livro “A Intelectualidade Maranhense: Fase Contemporânea”, de Clóvis Ramos, o escritor Romildo Teixeira de Azevedo, membro da Academia de Letras de Brasília e presidente do Centro Norte-rio-grandense em Brasília, cita dois caxienses e reconhece: “O Maranhão ostentou, por muito tempo, a fama realmente merecida de ser a ‘Atenas Brasileira’, o que muito honrava seu povo, reconhecido em todo o território nacional, até hoje, como um dos mais sensíveis às belezas do espírito, especialmente no campo da literatura. // De fato, aquela terra intelectualmente fértil proveu o humo necessário ao surgimento do maior poeta brasileiro de todos os tempos, Antônio Gonçalves Dias, assim como do príncipe dos nossos prosadores, o escritor Henrique Maximiano Coelho Netto, ambos originários da pequena Caxias”.

Existem algumas analogias acerca do poder indutor e redentor da terra. Pois, comparam, assim como a planta que nasce traz a partir de suas raízes os elementos essenciais de e para sua vida, assim o ser humano – que é pó – também vem impregnado das essencialidades da (sua) terra. É como a água mineral e a lama medicinal do nosso balneário Veneza, de onde, na infância, eu trazia latinhas cheias para serem usadas contra, sobretudo, problemas de pele, a pedido de vizinhos lá da Rua Bom Pastor, no Porto Grande. Quando brota na Veneza caxiense, a água já traz em si o que lhe é principal, suas características benfazejas à sede e à saúde.

E não poderíamos deixar de mencionar a Bíblia e esse caráter de intimidade, senão unidade, do ser humano e a terra. Afinal, está ali, no Gênesis. Somos terra e somos água. A terra, retirada do Jardim; a água, da umidade do sopro vivificador de Deus. E não nos esqueçamos de que o nome do primeiro homem, Adão, em hebraico significa “barro”. Somos, portanto, água e terra; somos LAMA, somos ALMA. Com Deus, no Éden, éramos lama com alma. Após o pecado original, tornamo-nos alma com lama. E as expressões “Lembra-te, ó homem, que és pó” e “Seja-te a terra leve” relembram-nos, a primeira, de onde divinamente viemos, e, a outra, para onde humanamente retornaremos. A própria palavra “humano” teria origem na palavra latina “humus”, que significa “solo”, “chão”, “terra”, o que, assim, antecipa nossa ancestral e edênica procedência.

Mesmo saindo de Caxias, os caxienses dos Oitocentos não deixaram Caxias sair deles. Um substrato permaneceu. “A emigração vai atingindo as gerações sucessivas, cujos expoentes, entretanto, já saem culturalmente ou emocionalmente formados no Maranhão” – registra no verbete “Maranhão” a “Enciclopédia Mirador Internacional”, de 1995. Da parte de Teixeira Mendes, pelo menos, sua ligação com Caxias era bem visível, bem legível: de modo quase invariável ou muito frequentemente, Teixeira Mendes, após assinar ao final um novo texto ou livro, acrescentava, abaixo de seu nome uma linha de texto contendo as seguintes palavras: “Nascido em Caxias (Maranhão), em 5 de janeiro de 1855”. Que beleza de atitude e demonstração de apreço pela terra natal! Se isso era usual para Teixeira Mendes, não era comum como prática nem nos dois séculos pelos quais passou nem, muito menos neste 3º milênio.

Essas citações e etimologias, as referências religiosas, as teses ou teorias acerca da gênese das personalidades fora do comum é apenas fina moldura para o incompleto retrato que ora tento pintar. Teixeira Mendes é conhecido mais por sua única obra feita em tecido do que por suas centenas de trabalhos postos em papel. É citado mais pela bandeira que ele idealizou do que pelas ideias dele que se transformaram em bandeiras.

A grandeza – dir-se-ia: enormidade – do caxiense Raimundo Teixeira Mendes ainda não foi adequadamente medida, sopesada, avaliada, estudada, em especial por nós mesmos seus conterrâneos. Não fosse a bandeira nacional e as esparsas referências ao seu apostolado positivista e Teixeira Mendes permaneceria na “região glacial do esquecimento”, na expressão do crítico português Camilo Castelo Branco usada para profetizar (ainda bem que não se confirmou...) sobre onde iria parar a obra de outro caxiense, Gonçalves Dias, caso este não tivesse morrido jovem, ou, no dizer camiliano, “se vivesse mais alguns anos”.”

* EDMILSON SANCHES