Joaquim Vespasiano Ramos: Caxias (MA), 13/8/1884 – Porto Velho (RO), 26/12/1916
Deus escolhe um tempo para nos presentear com alguma coisa. E justo naquele 1984, fui por determinação de meus quefazeres profissionais, convocado para o honroso e temporário mister de trabalhar na institucionalização do Tribunal Regional Eleitoral, do recém-criado Estado de Rondônia. Cheguei a Porto Velho na madrugada do Natal de 1983 sob um céu festivo e estrelado, a iluminar aqueles longínquos ermos e para pisar, pela primeira vez, o chão em que o poeta Vespasiano Ramos deu o último suspiro de vida aos 32 anos de idade.
Agradeço ao nexo causal do Universo por me ter propiciado essa dádiva, de encontrá-lo no ‘Cemitério dos Inocentes’, naquelas silenciosas paragens do antigo Território do Guaporé, [antes pertencentes às terras do hoje município de Humaitá, no Estado do Amazonas], atualmente Rondônia, a repousar em louça e lousa, os louros de sua lira, o que me permitiu escrever alguma coisa ao poeta de “Coisa Alguma”, tempo em que assistia, emocionado, às comemorações de seu centenário, na companhia de mais três maranhenses ilustres que lá se encontravam: o juiz de Direito [da judicatura local], João Batista dos Santos, depois desembargador; e os caxienses, professor Raymundo Nonato Castro, vice-reitor da Universidade de Rondônia, já falecido; o jornalista e advogado Edison de Carvalho Vidigal, recém-indicado ministro do STJ, que lá se encontrava para uma audiência jurídica; e outro meu colega, o advogado Francisco Djalma da Silva, hoje, desembargador e presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Acre.
Joaquim Vespasiano Ramos nasceu na cidade maranhense de Caxias, a 13 de agosto de 1884, e faleceu em Porto Velho, a 26 de dezembro de 1916, aonde tinha chegado no início do mês, a bordo do vapor “Andersen”, não como muita gente pensa, impelido pela “borracha”, como meio de um melhor aconchego físico-social, mas, para recolher-se no seringal de Aureliano do Carmo, e dar início à escrita de um seu poema amazônico, cantando as belezas do Grande Vale, como fizeram no passado, o paraense José Verissimo, autor de “A História da Literatura Brasileira” e o português Ferreira de Castro, autor de “A Selva”, dentre outros textos de contenção universal.
A malária foi tirana e arrancou do poeta, a castigá-lo com febres ácidas, associada a uma doença pulmonar, o sonho de escrever o “Canto Amazônico”, que, talvez, tivesse sido a nossa maior epopeia lírica.
Pertencente à segunda geração estoica de românticos, quanto ao seu, “modus vivendi”, o poeta, apesar de ter alcançado a efervescência dos movimentos parnasiano e simbolista, a nenhum pertencera, observando-se, no entanto, estilos dos dois em suas produções, mas sem qualquer filiação estilística ou formal em ambos, porque Vespasiano fora um poeta desgarrado de movimentos, apesar de visceralmente romântico.
Espírito irrequieto e boêmio por natureza e convicção, Vespasiano Ramos já aos dezesseis anos publicava seus versos nos jornais de sua província e logo passou a integrar o grupo de sua geração que, em Caxias, despontava com muita força, oportunidade em que fundaram o jornal “A Mocidade”. [Vide foto dos componentes do grupo].
Com dezoito anos completos, o poeta transfere-se para São Luís, com o intuito de ampliar seus conhecimentos de humanidades e na esperança de melhores dias. O seu brilhante talento abriu-lhe os caminhos da imprensa, onde escreveu poemas e crônicas. São Luís, palco de tantas e iluminadas histórias, como as de Aluízio Azevedo e Humberto de Campos, este último, seu contemporâneo. Assim, transfere-se em seguida para Manaus onde demorou muito pouco, sendo arrastado pelo fascínio que lhe devotava o irmão Heráclito Ramos, que o fez viajar para o Rio de Janeiro sob a promessa de publicar-lhe “Coisa Alguma”, seu livro de versos. Esse sonho não aconteceu, a princípio, por graças do irmão, em virtude de o poeta continuar mergulhado em festas e saraus, a levar uma vida boêmia e desregrada. Entretanto, impelido pela grande admiração, Heráclito entrega os originais de Vespasiano ao editor Jacinto Ribeiro dos Santos, de cujas mãos saiu uma edição de dois mil exemplares em maio de 1916, sete meses antes do poeta falecer.
Josué Montello escreveu: “De Vespasiano Ramos se pode dizer que está para as letras maranhenses, na espontaneidade de seu lirismo, como Casemiro de Abreu está para as letras brasileiras; é o poeta do amor e da saudade”. O ilustre mestre Antônio Lopes, ensaísta iluminado e um dos fundadores do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão, sentenciou: “Vê-se bem qual seja a inspiração que fazia de Vespasiano Ramos, entre os poetas novos do Maranhão, o poeta preexcelente do amor. O amor para ele é o... eterno e grande sentimento. Havia para o poeta, nesse velho tema, um filão inesgotável para explorar. E, por isso, o amor era o assunto favorito dos seus versos”.
Já o jovem professor e também poeta Carvalho Júnior, conterrâneo de Vespasiano, da bela e aristocrata Caxias, homenageou o autor de “Coisa Alguma”, publicando nas redes sociais, em 14 de agosto de 2018, “4 Poemas de Vespasiano Ramos” para a sua série “Quatetê”. O escritor Jomar Moraes orientou a pesquisa, a fixação textual e a revisão do fantástico trabalho “Cousa Alguma... &+ Alguma Coisa de/sobre Vespasiano Ramos”, uma bela edição da Universidade Estadual do Maranhão (Uema), como instrumental de estudos e pesquisas sobre o vate caxiense.
Ouçamos o Vespa no soneto “Samaritana”, antológico, porque belo; bíblico, porque humano: “Piedosa gentil Samaritana: / venho, de longe, trêmulo, bater / à vossa humilde e plácida cabana, / pedindo alívio para o meu viver! / Sou perseguido pela sede insana / do amor que anima e que nos faz sofrer: / tenho sede demais, Samaritana / tenho sede demais: quero beber! / Fugis, então, ao mísero que implora / o saciar da sede que o consome, /o saciar da sede que o devora? / Pecais, assim, Samaritana! Vede: / — Filhos, dai de comer a quem tem fome, / Filhos, dai de beber a quem tem sede”.
Sintamos o estro do poeta, neste outro soneto “Cruel”, de fino manejo rítmico e de perfeita elaboração estilística: “Ah, se as dores que eu sinto, ela sentisse, / se as lágrimas que eu choro, ela chorasse; / talvez nunca um momento me negasse / tudo que eu desejasse e lhe pedisse! / Talvez a todo instante consentisse / minha boca beijar a sua face, / se o caminho que eu tomo, ela tomasse, / se o calvário que eu subo, ela subisse! / Se o desejo que eu tenho, ela tivesse, / se os meus sonhos de amor, ela sonhasse, / aos meus rogos talvez não se opusesse! / Talvez nunca negasse o que eu pedisse, / se as lágrimas que eu choro, ela chorasse / e se as dores que eu sinto, ela sentisse!”...
Contemporâneo de Augusto dos Anjos e de tantos outros nomes consagrados da literatura brasileira e fundador da cadeira nº 32 da Academia Maranhense de Letras, o poeta morreu aos trinta e dois anos de idade a irradiar uma semelhança de vida, conta um seu biógrafo, com o poeta americano Edgar Alan Poe, o poeta que cantou a maldição de “O Corvo”, naqueles versos geniais do “Nunca mais...!”, de quem Charles Baudelaire diz que “a influência rítmica é voluptuosa...e nada podia ser mais melodioso...”
Foto:
“Intelectuais caxienses, em foto sem data, porém sabidamente de início do século XX. Da esq. para à direita, em pé: Hegesippo Franklin da Costa [avô do poeta Roberto Franklin da Costa, da ALL], Francisco Nunes de Almeida, Vespasiano Ramos, Wladimir Franklin da Costa [pai do escritor Franklin de Oliveira], Joaquim Franklin da Costa. Sentados, na mesma ordem: Alfredo Guedes de Azeredo, Leôncio de Souza Machado [pai do escritor Walfredo Machado] e João Lemos”.
* Fernando Braga, in “Estante de Cultura – Caderno B” – “Jornal Alto Madeira”, Porto Velho, Rondônia, 18 de agosto de 1984. In “Conversas Vadias” [Toda prosa], antologia de textos do autor.