VITO MILESI
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Eu estava em Maricá (RJ), na casa-chácara da amiga escritora Leila Míccolis, que, além de advogada e mestra e doutora em Ciência da Literatura, faz quase tudo com as Letras – é contista, dramaturga, editora, ensaísta, poeta, romancista, roteirista de cinema e televisão (escreveu “Kananga do Japão” para a TV Manchete e, com Glória Pérez, escreveu “Barriga de Aluguel”, para a TV Globo).
Leila estava escrevendo um novo roteiro e utilizava textos do escritor maranhense Coelho Netto. Sabendo que eu havia nascido na mesma cidade que ele, pediu-me para localizar herdeiros do “Príncipe dos Prosadores Brasileiros”. De volta à capital fluminense, almoço com o notável escritor maranhense Tobias Pinheiro, que mora no Rio de Janeiro (RJ) há décadas. Em São Luís, converso com o igualmente notável Jomar Moraes. Converso em Caxias com membros da Academia. Ninguém sabia da existência e do paradeiro de descendentes de Coelho Netto. Então, telefono para Josué Montello, que residia no Rio. Dona Ivone, esposa, atende gentilmente e informa que o superlativo escritor são-luisense havia saído, mas que por certo atenderia no dia seguinte. Ligo de novo e, desta vez, converso com Montello. Depois das amenidades, entro no assunto “descendentes de Coelho Netto”. O comentário de Josué Montello me deixou pasmo: ele disse que, depois que um acadêmico da Academia Brasileira de Letras morre, cessa a normalidade ou regularidade de contatos com a família, praticamente a Academia rompe unilateralmente a ligação com a família. Resumo: também ele, Montello, autor dos famosos e gostosos “Diários” (“da Manhã”, “da Tarde”, “do Entardecer”, “da Noite Iluminada”, “da Madrugada”), onde tanto tratou de aspectos curiosos, engraçados, literários e históricos de um sem-número de obras e intelectuais brasileiros e estrangeiros, nem mesmo ele, o Montello de tantas referências e excelências, sabia da prole legatária do prolífico literato caxiense. (Depois, em 2014, terminei descobrindo os descendentes de Coelho Netto, nos 150 anos de nascimento dele).
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A lembrança desse episódio chega-me em razão de uma atestada falta de prática – para eufemisticamente dizer – de grande parte de nossas Academias em (re)lembrar seus mortos. Parece que, morreu, morreu.
A vida de cada um de nós também é resultante de umas e outras, poucas ou muitas, mais ou menos intensas interações com os outros, inclusive com aqueles que já se foram. Mas, claro, a vida continua – dizem – e cada um tem mais o que fazer para continuar vivo do que perder tempo “cuidando” da memória de mortos...
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Pois bem: foi ontem e foi amanhã. Foi exatamente no dia de ontem, há 15 anos, em 17 de julho de 2005, que faleceu, em São Luís (MA), o professor, filósofo, teólogo, escritor, tradutor e presidente da Academia Imperatrizense de Letras (AIL) Vito Milesi, um “italianense”, simbiose perfeita de italiano com imperatrizense. O óbito ocorreu às 5h30. Vito Milesi estava hospitalizado na capital maranhense e não resistiu à cirurgia que lhe extraiu um nódulo cancerígeno no fígado.
Foi ontem e foi amanhã. Foi no dia 19 de julho de 2005, também em uma manhã, que o corpo do devotado professor e acadêmico foi sepultado em Balsas (MA), em razão de Vito Milesi ter trabalhado ali, ainda como missionário da ordem comboniana, e, também, por ser a cidade para onde se iria transferir sua mulher, a professora Maria Helena, que tem familiares residentes no grande município balsense.
Quando morreu, Vito Milesi, italiano de nascimento e naturalizado brasileiro, estava já há 50 anos no Brasil e morava em Imperatriz desde 1979.
O corpo de Vito Milesi iniciou seu translado de São Luís às 13h de domingo, por via terrestre, e chegou a Imperatriz às 20h40, sendo recebido no salão da Academia Imperatrizense de Letras (AIL), onde o velório transcorreu até às 19h30 de segunda-feira, quando foi levado para Balsas, onde o corpo foi recebido na madrugada do dia 19, na entrada da cidade, por uma comitiva liderada pelo bispo da Diocese de Balsas, dom Franco Masserdotti.
À sede da AIL compareceram centenas de pessoas e ocorreram momentos de emoção, durante a sessão de despedida promovida pela Academia e a missa oficiada pelo bispo da Diocese de Imperatriz, dom Affonso Felipe Gregory, auxiliado pelo padre Felinto Elísio Correia Neto, da Paróquia de Nossa Senhora de Fátima, e o frei Rodrigo Araújo, da Paróquia de São Francisco.
A sessão da AIL, assistida por todos que acompanhavam o velório, teve como mestre de cerimônias o advogado Edmilson Franco e, nela, falaram o empresário Leonildo Alves, o editor Adalberto Franklin, os professores Edna Ventura e Arnaldo Monteiro, o jornalista Edmilson Sanches, todos membros da Academia, o pastor e presidente da AIL, Luís Carlos Porto, o professor Lourenço Pereira e o frei Rodrigo. Em Balsas, a missa de corpo presente foi oficiada por dom Franco Masserdotti.
Vito Milesi nasceu na pequena localidade de Roncobello (492 habitantes, 25km2), uma das 244 comunas da Província de Bérgamo, na região da Lombardia, no norte da Itália. Era missionário da congregação comboniana, comunidade da Igreja Católica fundada há quase 150 anos, em 1871, por São Daniel Comboni.
Vito Milesi veio desempenhar sua missão religiosa no Brasil, onde chegou em 1955. De 1957 a 1960, foi vigário e pároco da Paróquia de São Marcos, em Nova Venécia, município do Estado do Espírito Santo. Em 1968, veio para o Maranhão, iniciando por Balsas, onde coordenou a pastoral da Diocese.
Em 1979, já tendo sido liberado dos votos de sacerdote, Vito Milesi veio para Imperatriz e, aqui, casou com a professora Maria Helena Oliveira. Foi professor em escolas e universidades, ofício em que se aposentou. Escreveu e traduziu diversos livros e inúmeros textos com temas de Religião, História e Cidadania, entre outros.
Portador de sadios inconformismos e indignações cívicas, Vito Milesi, cidadão, participou do Fórum da Sociedade Civil de Imperatriz, instituição que liderou a deposição de um prefeito imperatrizense em janeiro de 1995.
Vito Milesi foi uma das 14 pessoas com quem conversei e que aceitou minha ideia e ação de fundação da AIL. Foi inicialmente meu vice-presidente e, depois, administrou por oito anos a Academia Imperatrizense de Letras, à qual se dedicou e pela qual lutou com as forças de seu empenho e sabedoria. Não é sem razão que seja sua foto a encimar o principal cômodo do prédio-sede da AIL, o auditório, em cuja grande mesa se dão as reuniões e as decisões e animações acadêmicas. Foi fundador da Cadeira 9, patroneada pelo jornalista, historiador, político e servidor público Thucydedes Barbosa, nascido em Loreto (MA), e atualmente ocupada pelo cineasta, contista, cronista e poeta Joaquim Haickel.
A partir de 1983, quando publicou seu primeiro livro (“Da Cidade Grande ao Sertão”), Vito legou-nos, pelo menos, 10 obras autorais e três de sua tradução. Entre as demais obras suas: “Dom Rino Carlesi, Um Bispo Feliz”; “Pastor e Amigo”; “Descobrimento ou Invasão?”; “Leituras para Contar”; “Leituras para pensar”; “O Carvalho de Tasso”; “O Vaso Refeito”; “Toma e Lê”. As traduções, verdadeiras transcriações: “Colonizador Colonizado: No Holocausto dos Empobrecidos”, de Fausto Marinetti; “Amor e Martírio em Alto Alegre”, de Graziella Merlatti; e “Madre Francisca Rubatto: Uma Mulher Forte”, de Rodolfo Toso.
Em reconhecimento aos relevantes serviços prestados ao município, Vito Milesi foi agraciado em 1998, com a comenda Frei Manoel Procópio, maior honraria da Prefeitura de Imperatriz, e em 1999, com o título de Cidadão Imperatrizense, maior honraria da Câmara de Vereadores.
Nascido a 13 de maio de 1931, Vito Milesi morreu um dia após o 153º aniversário de Imperatriz. Viveu 74 anos e 65 dias – mas deverá permanecer eternamente na memória da cidade.
Afinal, morrer para a vida é a forma última de (re)nascer para a memória e para a História.
Morrer não é esquecer.
* EDMILSON SANCHES
Fotos:
1) Vito Milesi (ao centro), com Edmilson Sanches e a memorialista Zequinha Moreira, ganhadora do Prêmio AIL, em 1998.
2) A partir da esquerda, frei Rodrigo, Vito Milesi, Edmilson Sanches e o bispo dom Affonso Felippe Gregory, em solenidade na AIL.
3) A partir da esquerda, na Universidade Federal do Maranhão (UFMA) em Imperatriz, Ulisses Braga, Vito Milesi, Simone Omizzolo (diretora do "campus"), Raimundo Trajano Neto (vereador) e Valmir Izídio Costa (presidente da Câmara), e Edmilson Sanches.
4) Em 1962, em Ecoporanga (ES), Vito Milesi, o segundo a partir da esquerda, com veste sacerdotal branca, dirige-se a dom José Maria Dalvit, primeiro bispo da Diocese de São Mateus (ES). Dom José Dalvit, compatriota de Vito Milesi, nasceu em Pressano de Pávia (Itália), em 15 de setembro de 1919, e faleceu em São Mateus (ES), em 17 de janeiro de 1977, aos 57 anos. Ambos, Vito Milesi e dom José Dalvit, eram brasileiros naturalizados. (Foto em preto & branco do acervo do acadêmico Altair Damasceno; as três fotografias anteriores, coloridas, são do acervo de Edmilson Sanches).