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LITERATURA MARANHENSE: “Águas que transportam sonhos”*

Chegou a quarta-feira... E, para incentivar e despertar interesse pela leitura de textos, o BLOG DO PAUTAR abre espaço para o projeto LITERATURA MARANHENSE... Aproveite... Boa leitura!

PREFÁCIO

(Ao livro “Águas que Transportam Sonhos”, do professor e ex-militar da Marinha Ilnamar Felizardo Mourão)

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Há biografias que mais escondem que revelam e há biografias que surpreendem e comovem. Aquelas podem até ser descartável diversão; estas, necessária reflexão.

A partir do título – “Águas que Transportam Sonhos” –, este livro de Ilnamar Felizardo Mourão é atestado e testemunho de superação.

Ilnamar Mourão tinha tudo para dar errado na vida: pobre, ribeirinho, sem pai, moradia precária, interior do Maranhão.

Ilnamar Mourão tinha tudo para dar certo na vida: irmãos unidos; mãe esforçada, trabalhadora, ciosa do amor e cuidados com os filhos; e um desejo dele – sabe-se lá vindo de onde – de ir além.

E ele foi além. Além de Imperatriz, além do Maranhão, viajou para os aléns do Brasil.

De menino a marinheiro, de nadador do Tocantins a navegador do Atlântico, de pixote com dificuldade de aprender as letras a professor com facilidade de ensinar números, Ilnamar Mourão escreveu sua história nas águas e a partir delas. Mais do que transportar sonhos, elas – líquidas e certas – lhe trouxeram concretude.

O Rio Tocantins desaguou um menino ansioso e frágil no Oceano Atlântico e este retornou um cidadão consciente e forte. E agradecido. Agradecido pela transformação lenta e segura que se processou no professor Ilnamar, a partir do menino malino, passando pelo marinheiro militar e solidificando-se no mestre militante.

Da nascente ao estuário, da cabeceira à embocadura, da fonte à foz, um bom exemplo do que podem fazer de bom a vida nas águas e as águas da vida. Pois, nas palavras de Shakespeare pela boca de Shylock no primeiro ato de “O Mercador de Veneza”, “os navios são apenas tábuas; os marinheiros, homens” (“ships are but boards, sailors but men (...)”).

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Ilnamar Mourão escreve com a autoridade de quem é o maior conhecedor de sua própria vida. Seu livro não é para “pagar embuste” (contar vantagem, na linguagem marinheira). Mesmo passagens duras e difíceis não foram escamoteadas. Ao contrário, sem afetação nem academismos, foram trazidas e traduzidas em palavras diretas – como os vícios do pai, a separação do casal, as posteriores dificuldades materiais.

Muito antes de conhecer navios, Ilnamar já sabia o que era um mar... de dificuldades. Novas ondas assim não o mareariam mais. Como advertia Pietro Metastasio, escritor e poeta italiano do século XVIII, “não se faça ao mar quem teme o vento”. Desse mister o autor paraense entende, já que se fez homem embalado por águas e ventos oceânicos.

Menos pelo como está escrito e muito mais pelo que está escrito, este livro, repita-se, é um registro de superação, uma certidão de (re)nascimento humano. Seu autor sabe o que é tornar dificuldade em possibilidade, necessidade em oportunidade. Em certas pessoas, pessoas do bem, os problemas são transformados em equações e, estas, em soluções. E não é porque o autor seja professor de Matemática e Física..

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Muito da infância do autor é característico de infâncias muitas do hinterlão maranhense: a casa humilde, de piso de barro batido (que, para evitar ou diminuir a poeira, eu na meninice tinha de “aguar” para varrer – ou barrer, como acertadamente também se dizia); a bilheira e seu pote; a lamparina (para subir a claridade, à noite) e a boia de câmara de ar (para descer o rio, de dia)...

Na escolinha também humildezinha, a cartilha de ABC e a tabuada, a palmatória e a palmatoada (os “bolos”, que se davam e se recebiam, dependendo do acerto das contas, dos exercícios de silabação).

“Águas que transportam sonhos” pode transportar muitos leitores para autorreencontros. Encontros com o passado infante e lutas adultas, com as certezas enfáticas e as dúvidas esperançosas.

Ilnamar Mourão soube, na Marinha, aproveitar o melhor, e sabe, no Magistério, dar o melhor. Seu livro é sua vida até agora.

De menino do rio a homem do mar.

Do militar que manobra o fuzil ao mestre que manuseia o giz.

Da continência ao conteúdo.

Da bala à fala.

Da arma (com sua munição) à armadura (da Educação).

A arma dispara. A Educação, protege.

Parabéns, Ilnamar. Professor. Protetor.

* EDMILSON SANCHES