DE BOLSO E BUCHO
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Certa vez, liderei uma movimentação para fundar uma Academia de Letras em um próspero município, terra onde, diziam, “corria dinheiro”.
Antecipo que a Casa de Letras foi fundada, é um “case” de sucesso, está há mais de trinta anos prestando excelentes serviços ao município-sede e à região por ele influenciada etc. etc.
Na minha segunda gestão como presidente, criamos um Salão do Livro que já vai para sua décima nona realização anual, com dezenas de milhares de visitantes, entre escritores, leitores, estudantes, Imprensa, expositores, livrarias e livreiros de diversos pontos do país – estes chegam em enormes caminhões que ficam estacionados em imenso pátio destinado aos grandes veículos que transportam letras e imaginação. Esse Salão do Livro, de tão importante que ficou, já está devidamente registrado no catálogo de eventos do gênero do governo federal. Tem recebido patrocínio de grandes empresas e poderes públicos. Mas, antes, teve muita ralação. Não há vitória sem sacrifício.
Assim, a Academia deixou de ser só de Letras para ser, também, de números. Números e cifrões... Dinheiro. Porque, ao trazer para os dez dias do Salão dezenas de milhares de pessoas, trazer gente de outros Estados e até de outros países, como expositores ou palestrantes, ao dar oportunidade para atividades paralelas – alimentação, artesanato, “shows” musicais, artistas plásticos etc. –, ao interagir e estimular atividades tradicionais (transporte, hotelaria...), esse evento, que parecia ser, somente, “literário”, “cultural”, passou a assumir também dimensão econômica, auxiliando na formação, fixação e ampliação de um segmento – a Economia da Cultura – que, há muito, é destaque em lugares mais desenvolvidos ou melhor preparados.
Um exemplo, dos bons e dos grandes: São Paulo, ou seja, o município de São Paulo, capital do Estado de mesmo nome, é, entre as 5.570, a maior cidade do Brasil, em termos de Demografia (população) e Economia (desenvolvimento). Pois bem: sozinho, o populacionalmente grande e territorialmente pequeno município paulista e paulistano de 11,4 milhões de habitantes e 1.521 quilômetros quadrados produz para si e para o Brasil uma riqueza de cerca de R$ 750 BILHÕES de reais! É o chamado PIB, Produto Interno Bruto, que é a soma de todos os bens e serviços gerados no município.
Agora, você sabe quem ou o que mais colabora para formar esse enorme volume de recursos? Erra quem responder que são as grandes siderúrgicas. Bate fofo quem disser que são as portentosas montadoras de automóveis. Viaja na maionese quem chutar que são as refinarias.
É a Cultura, gente! A Cultura. A Economia da Cultura é aquela que nasce na sensibilidade de um criador (escritor, músico, pintor, “designer” de “software”, criador de “games”, dançarino ou coreógrafo, cineasta...) até repousar, satisfeita ou inquieta, na alma do consumidor (leitor, ouvinte, apreciador, jogador, espectador...).
Só que no meio disso, entre a alma do artista e a do consumidor do seu trabalho, está uma pletora, uma exuberância, uma superabundância de insumos, produtos e serviços, utilizados para transformar o lúdico em lúcido (ou vice-versa), para realizar o sonho em obra tangível, visibilizar o invisível e acabar a comichão mental, artística que relampeja a partir do mais profundo do Ser Artístico.
Não há mais por que a sociedade discutir a importância da Literatura e das Artes em geral. Quando nada porque, se é sociedade, já é ente artístico-cultural, pois, sem isso, seria barbárie. O que deve ser discutido é o porquê de a Literatura, a Arte e a Cultura não serem itens mais presentes no cardápio da cidade.
Lembremo-nos de que, no princípio, era o Verbo. Não era um saco de cimento, ou um rolo de arame. Não fomos feitos apenas para comer, beber, fornicar e dormir – e, muitas das vezes, fazendo tudo isso mal... Deus não precisava fazer o Ser Humano apenas para comer, beber, dormir... Para isso, bastariam os porcos.
Há algo de essência e essencial no Ser Humano. Um algo de misterioso. Um tanto mágico. Um quê de divino. E a isto não se atende, não se satisfaz como se saciam animais em cochos.
A propósito, voltando ao começo, quando criei a Academia de Letras na cidade que se mostrava cada vez mais próspera, representantes do “dark side of the city” foram à Imprensa cometer a aresia, o disparate, de dizer que aquela cidade “não precisava de Academia”, a cidade precisava era “de dinheiro e de comida”.
Como se gente fosse só bolso e bucho...
Eu, hein?!
* EDMILSON SANCHES