Com cerca de um quilômetro de diâmetro e por volta de 550 metros de largura, o asteroide 2001 FO32 passará, neste domingo (21), muito perto da Terra, segundo padrões astronômicos.
Formado nos primórdios do Sistema Solar e viajando a, aproximadamente, 124 mil quilômetros por hora (km/h), o asteroide não ameaça colidir com a Terra, apesar de ter sido classificado como “potencialmente perigoso” pela Nasa.
“Conhecemos a rota orbital do 2001 FO32 ao redor do Sol precisamente, já que ele foi descoberto há 20 anos e tem sido rastreado desde então”, afirmou o diretor do Centro de Estudos de Objetos Próximos à Terra da agência aeroespacial norte-americana (Nasa), Paul Chodas. “Não há risco de colisão dele com nosso planeta nem agora, nem nos próximos séculos”.
A maior proximidade do asteroide com a Terra será por volta das 13h (horário de Brasília) deste 21 de março. De acordo com a Nasa, ele estará a uma distância de cerca de 2 milhões de km – o equivalente a pouco mais do que cinco vezes a distância entre a Terra e a Lua.
Segundo a agência, o F032 é o maior entre os asteroides que se aproximarão da Terra em 2021 – o que proporcionará aos astrônomos “uma rara oportunidade de se observar uma relíquia rochosa que se formou no início do nosso sistema solar”.
A próxima visita do asteroide às vizinhanças da Terra está prevista para 2052, quando ele passará a cerca de sete distâncias lunares, ou 2,8 milhões de quilômetros do planeta.
De acordo com a Nasa, mais de 95% dos asteroides próximos à Terra com tamanho similar ou maior ao do F032 já foram descobertos, rastreados e catalogados. Nenhum deles tem qualquer chance de impacto direto com o planeta.
“Ainda assim, os esforços continuam para descobrir todos os asteroides que podem representar um risco de impacto. Quanto mais informações puderem ser reunidas sobre esses objetos, melhor os projetistas de missões podem se preparar para desviá-los se algum ameaçar a Terra no futuro”, destaca a agência.
Neste sábado, 20 de março, é comemorado o Dia Internacional da Felicidade. A Organização das Nações Unidas (ONU) celebra a data desde 2013, como uma forma de reconhecer a importância da felicidade na vida das pessoas em todo o mundo. Em 2015, a ONU lançou os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável , que buscam erradicar a pobreza, reduzir a desigualdade e proteger o planeta – três aspectos essenciais que levam ao bem-estar e à felicidade.
A ONU convida todas as pessoas de qualquer idade a se juntarem à celebração do Dia Internacional da Felicidade. Mas, depois de um ano de pandemia, é preciso de uma dose extra de esforço para lidar com as emoções que bloqueiam e diminuem a felicidade, dizem os especialistas.
Na opinião do professor da Felicidade da Universidade de Brasília (UnB) Wander Pereira, é possível comemorar a data no período de pandemia e em outros momentos de incertezas. “A vida é feita de situações e momentos distintos e cada um deles requer um tipo de emoção e sentimento. É lógico que diante das perdas de vidas humanas (próximas ou não) de uma forma tão dramática como a que vivemos, não há como não ficar triste indignado e até revoltado, mas a vida não é só isso”, destaca Pereira, doutor em psicologia pela UnB. Ele completa:
“Felizmente, a vida segue, e cada um de nós tem pais, filhos, namoradas, namorados, maridos, esposas, amigos, casa, trabalho, etc. ou seja, uma vida para cuidar. Então, é preciso estarmos aptos a desfrutar das situações de felicidade. A infelicidade que a pandemia nos trouxe não pode contaminar as outras coisas boas da nossa vida, portanto, o Dia Internacional da Felicidade é um dia para celebrar sim!”
No entanto, diante da realidade posta, não é aconselhável negar as emoções negativas, explica o professor. “As grandes catástrofes nos impõem medo, insegurança e incerteza, e isso é normal. Quem não sentir isso está meio fora da curva. Não é recomendável renegar as emoções ditas negativas, devemos abraçá-las e nos engajarmos para transformá-las em vivências significativas! Aquele tipo de atitude que melhora o nosso modo de lidar com elas.
Uma dica é não ficar parado, estacionado na tristeza. Mova-se, comece com pouco, mas faça o melhor com o que você tem!”
Relacionamentos e a felicidade
O isolamento social que a pandemia exigiu levou ao distanciamento social entre as pessoas em geral, mas levou a aproximação entre os casais e os núcleos familiares mais íntimos. No entanto, essa aproximação pode ter levado ao aumento da separação entre casais. O número de divórcios consensuais realizados pelos cartórios de notas do país, durante a quarentena decretada pela pandemia do novo coronavírus, entre os meses de maio e junho do ano´passado, aumentou 18,7%.
“Possivelmente, os relacionamentos que já estavam adoecidos antes da pandemia não tenham resistido a esse período. Mas, muitos relacionamentos foram 'reformados', reinventados e outros tantos começaram em meio à crise. Ouço as pessoas falando que a pandemia trouxe uma oportunidade de reflexão para a humanidade e discordo disso. A humanidade é um conceito etéreo, a pandemia está sendo uma grande oportunidade para cada um de nós como pessoas. Para iniciarmos aquele processo de transformação que, por comodismo, vínhamos ‘empurrando com a barriga’, a hora é agora”, opina o professor.
Segundo ele, este é o momento ideal para o autoconhecimento. “Em momentos extremos, nossos sentimentos mais básicos afloram, tudo ganha outra magnitude. Então, aproveite para se conhecer melhor, se aprimorar e se preparar para viver relacionamentos mais saudáveis, mais verdadeiros”, orienta.
Dinheiro não traz felicidade?
A velha máxima de que “dinheiro não traz felicidade” ganha outro sentido durante a pandemia, época em que grande parte da população passa por crise financeira, e milhares ficaram sem emprego e renda. Na opinião do professor, dinheiro é importante, mas não é tudo.
“Ter muito dinheiro não é garantia de felicidade. O problema é que, sim, pouco dinheiro nos deixa infelizes. Os países com o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) mais baixos também são os piores nos rankings de felicidade. Porém, o grande diferencial é o jeito com que você vive sua vida, a pesquisa de Havard Study of Adult Development (a mais longeva sobre felicidade) conclui que, para nos mantermos felizes e saudáveis ao longo da vida, é preciso investir na qualidade dos nossos relacionamentos sociais”.
Ele destaca que é preciso solidariedade e força de vontade política para atenuar a situação dos mais afetados pela falta de dinheiro. “É importante que no pós-pandemia todos nós tenhamos essa preocupação com as pessoas que perderam seus empregos e sua renda, sermos solidários, mas é óbvio que será preciso políticas sociais dos governos para atenuar a situação”.
Nessa sexta-feira (19), a ONU divulgou o Relatório Mundial de Felicidade no qual o Brasil ocupa agora o 41º lugar, nove posições abaixo do ranking de 2020. A nota atribuída ao Brasil, baseada em dados de 2020, é de 6,110. Essa é a menor média para o país desde 2005, quando o instituto de pesquisas começou sua avaliação.
O relatório também apontou que a infelicidade aumentou no mundo todo, tendo havido maior insegurança econômica, ansiedade, perturbação de todos os aspectos da vida e, para muitas pessoas, estresse e desafios para a saúde física e mental. “O pior efeito da pandemia foram 2 milhões de mortes por covid-19 em 2020. Um aumento de quase 4% no número anual de mortes em todo o mundo representa uma grave perda de bem-estar social”, afirma o documento. O relatório é feito anualmente para analisar a percepção do sentimento em 153 países. A Finlândia é o país mais feliz do mundo, pelo quarto ano consecutivo.
Felicidade da população feminina
No mês em que se comemora o Dia Internacional da Mulher, um fenômeno batizado como “paradoxo da felicidade feminina” mostra que, apesar de todas as conquistas ao longo dos anos, as mulheres estão mais infelizes. É o que diz uma pesquisa feita pela organização CARE, que mostrou que elas têm quase três vezes mais probabilidade de relatar ansiedade, perda de apetite, incapacidade de dormir e dificuldade em concluir as tarefas diárias.
Para chegar a esse resultado, foram ouvidas mais de 10 mil pessoas em 38 países, incluindo os da América Latina. O levantamento foi feito pela CARE Internacional, uma rede que possui mais de 60 anos de experiência em ajuda humanitária e no combate à pobreza.
As causas são diversas e ampliadas com a pandemia. Dos milhões de demissões observadas nos primeiros meses de pandemia, as mulheres formaram o maior grupo, tanto em países desenvolvidos quanto nas nações em desenvolvimento. Ainda há a discrepância na divisão do trabalho doméstico.
Pesquisa da Federação Brasileira de Bancos (Febraban) mostrou que 63% das mulheres fazem trabalhos relativos aos cuidados com a casa contra apenas 23% dos homens. No acompanhamento da escola remota, quase toda a carga da atenção às crianças é novamente delas, a pesquisa apontou que 71% eram mulheres e apenas 19%, homens.
E com mais um ano de pandemia pela frente, é preciso resiliência e conhecimento para que as mulheres sejam felizes, apesar do momento delicado e das adversidades da vida. “A felicidade não deve ser alicerçada em condições externas – isso a torna quase inviável. Ela é uma construção feita sobre dois pilares: a vivência de mais emoções de valência positiva que negativa e a percepção de se ter uma vida significativa. O segundo pilar – da vida significativa, do propósito – é o que nos sustenta diante dos desafios”, aponta a pesquisadora Carla Furtado, fundadora do Instituto Feliciência.
Neste momento, o desenvolvimento da resiliência é um fator positivo. “A resiliência é compreendida como a habilidade de navegar em busca de recursos para funcionar de maneira positiva em situações adversas: sem adoecer a médio e longo prazo. Manter-se em situações tóxicas não é o desfecho esperado de um processo de resiliência. Não se deve acreditar no mito de que suportar toda e qualquer situação é sinônimo de resiliência. O que se espera como desfecho saudável é: recuperação, adaptação ou transformação positivas”, explica Carla.
Segundo a pesquisadora, mudar o “paradoxo da felicidade feminina” é um trabalho coletivo, de homens e mulheres. “Para mudar essa realidade, é preciso real equidade de gênero, seja no ambiente profissional ou familiar. Tomemos a pandemia, por exemplo, as mulheres estão sobrecarregadas com trabalho, cuidados com a casa e acompanhamento de atividades escolares dos filhos. Elas têm quase três vezes mais probabilidade de relatar ansiedade, perda de apetite e incapacidade de dormir”, destaca.
Com a pandemia, a vulnerabilidade das mulheres tornou-se ainda mais evidente. Para encarar mais um ano de pandemia, a pesquisadora recomenda atenção redobrada à saúde mental, a partir da adoção de práticas protetivas. “Destaco aqui a importância do descanso, em especial do sono restaurador. Não é normal dormir pouco, pode ser usual, mas não deve ser considerado normal. O estabelecimento de uma rede de apoio é outra medida essencial, a travessia ainda não acabou e teremos maior resistência ao lado de pessoas significativas. E, diante da impossibilidade de lidar efetivamente com a rotina, há sempre possibilidade de buscar assistência especializada”, finaliza a especialista.
História do dia da felicidade
A Assembleia Geral das Nações Unidas na sua Resolução 66/281, de 12 de julho de 2012, proclamou 20 de março o Dia Internacional da Felicidade, reconhecendo a relevância da felicidade e do bem-estar como objetivos e aspirações universais na vida dos seres humanos em todo o mundo e a importância de seu reconhecimento nos objetivos de política pública. Também reconheceu a necessidade de uma abordagem mais inclusiva, equitativa e equilibrada para o crescimento econômico que promova o desenvolvimento sustentável, a erradicação da pobreza, a felicidade e o bem-estar de todos os povos.
A resolução foi iniciada pelo Butão, um país que reconheceu o valor da felicidade nacional sobre a renda nacional desde o início dos anos 1970 e adotou a meta de felicidade nacional bruta sobre o produto interno bruto. Também sediou uma Reunião de Alto Nível com o tema Felicidade e Bem-estar: Definindo um Novo Paradigma Econômico, durante a 66ª sessão da Assembleia Geral.
Raul Bopp, o criador deste épico, nasceu em Tupanciretã [hoje Santa Maria – Rio Grande do Sul], em 4 de agosto de 1898, e morreu no Rio de janeiro, em 8 de junho de 1984. Poeta e diplomata. Ao longo da vida, foi pintor de paredes para sobreviver. Seu curso de direito foi feito aos pedaços, em Porto Alegre, Recife, Belém e Rio de Janeiro. Morando em São Paulo, na década de 20, tomou parte do Movimento Modernista, facção Antropofagia, ao lado de Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral, sendo este poema, “Cobra Norato”, o maior cometimento desse ângulo do movimento. A carreira diplomática começou em 1932, tendo servido na cidade de Yokohama, no Japão, onde fundou o jornal “Correio da Ásia”, serviu, também, em Lisboa, Zurique, Barcelona, Guatemala, Berna, Viena e Lima. Ficou famoso com o livro que melhor representava as tendências nacionalistas da Semana de Arte Moderna, de 1922. “Cobra Norato”, homônimo de uma lenda amazônica contada por Luís da Câmara Cascudo, é ainda, para muitos, a “obra de Raul Bopp, um poema telúrico, rico de expressões regionais. Ele representa toda uma mitologia, a terra, os rios, os bichos, o índio num estilo simples, mas de variado aspecto metafórico”. Do poema disse Oswald de Andrade: “Em ‘Cobra Norato’, pela primeira vez, se realizou a poesia brasileira grandiosa e sem fraude”.
Raul Bopp deixou os seguintes trabalhos: “Cobra Norato” (1931; e a 2ª edição em 1937); “Urucungo” [poemas negros] (1932); “Notas de viagem” (1960); “Nota de um Caderno sobre o Itamaraty” (1960); “Movimentos Modernistas no Brasil” (1966); “Memórias de um embaixador” (1968); “Putirum” [poesia e coisas de folclore] (1969); e “Coisas do Oriente” [viagens] (1971).
“Cobra Norato”, lançado em 1931, é considerado um dos melhores poemas épicos brasileiros, como o é “I-Juca Pirama”, de Gonçalves Dias. Esse canto nasce no cimo do Movimento Modernista, das mãos de Raul Bopp, um dos principais poetas da primeira geração desse período da literatura brasileira, o qual atinge o intento ensaiado por Mário de Andrade, o de ajuntar as falas aborígines e africanas, modificando a sintaxe, evitando os abusos e afetações cometidas pelo autor de “Macunaíma”. “Cobra Norato” retira seu vigor das terras amazônicas de uma forma distinta da realizada por Gonçalves Dias.
“Cobra Norato” é uma prosa na forma e um poema na estrutura, composto por trinta e três cantos breves e ilustra um cabeamento do herói, onde é apresentado uma suposição acerca da condição de Norato de homem e o seu desejo de “tornar-se humano”, dado o interesse pela filha da rainha Luzia. Vejamos estes fragmentos:
[...] “— Quero contar-te uma história: / vamos passear naquelas ilhas decotadas? Faz de conta que há luar. / A noite chega mansinho. / Estrelas conversam em voz baixa. / O mato já se vestiu. / Brinco então de amarrar uma fita no pescoço / e estrangulo a cobra. / Agora, sim, / me enfio nessa pele de seda elástica / e saio a correr mundo: / Vou visitar a rainha Luzia. / Quero me casar com sua filha. / [...] — Ah, só se for da filha da rainha Luzia! / E quando estivermos à espera / que a noite volte outra vez / eu hei de contar histórias / (histórias de não-dizer-nada) / escrever nomes na areia / pro vento brincar de apagar”.
O professor Ébion de Lima em seu “Curso de Literatura Brasileira” [vol. 3] comenta “que ‘Cobra Norato’ é produto do antropofagismo e um dos mais vincados pelo elemento telúrico nas modernas letras brasileiras. A obra se inspira em mitos amazônicos. O poeta aproveita a narração de suas aventuras para descrever a região, e realiza isso vigorosamente, fazendo uso dos termos próprios e vitalizando sua pintura com imagens cheias de dinamismo e sugestões”. E arremata o ilustre mestre, em dizendo que “a natureza amazônica adquire nas páginas de ‘Cobra Norato’ uma exuberância repleta de mistérios e de exotismo, sugeridos não só pelo tema, mas também pela versatilidade quente e colorida com que o poeta a transmite, identificando-se com as raízes folclóricas do lugar”.
Otto Maria Carpeaux diz tudo sobre o poeta nestas duas linhas: “A poesia rara de Raul Bopp situa-se no ponto de contato entre o modernismo estético e o nacionalismo literário”.
“Cobra Norato” é o que chamamos de uma rapsódia amazônica. Lemos este trecho para ter uma pequena ideia da beleza do texto:
“A noite com sono reclama silêncio – correm cipós pelo alto dos galhos, / amarrando arvorezinhas contrariadas, – Árvores comadres / passaram a noite tecendo folhas, em segredo. – Raízes com fome mordem o chão. Árvores encalhadas pedem socorro – A madrugada vem se mexendo atrás da selva. / Clareia. / Os céus se espreguiçam. – Nacos de barrancos se afundam. / Vão fixar residência mais ao longe / numa geografia em construção...”
Estrutura-se o “Cobra Norato” como uma obra épico-dramática, em decorrência das andanças do poeta pela Amazônia, na década de 20, onde narra as aventuras de um jovem que, depois de ter estrangulado o animal, fez-se viageiro em suas abomináveis entranhas.
Esse épico é uma obra mítica do Modernismo, cuja narrativa Wilson Martins no seu livro “O Modernismo”, pág. 195, diz: “observa-se que o mito da viagem, no tempo e no espaço, é a viga-mestra de ‘Macunaíma’, de Mário de Andrade, de ‘Martim Cererê’, de Cassiano Ricardo e do próprio ‘Cobra Norato’, porque foi o Modernismo uma escola ambulante e perambulante, pela descoberta geográfica meduzado pela descoberta cronológica”. E continua Wilson Martins: “Esses artistas com tanto sentido de moderno, a contradição é apenas aparente quando verificamos o sentido do passado mítico representado pelo folclore: é que atrás disso tudo estava à consciência do tempo...”
Ouçamo-lo também: “Um dia / ainda eu hei de morar nas terras do Sem-Fim. / Vou andando caminhando, caminhando; / me misturo rio ventre do mato, mordendo raízes. / Depois faço puçanga de flor de tajá de lagoa / e mando chamar a Cobra Norato. /— Quero contar-te uma história: / vamos passear naquelas ilhas decotadas? / Faz de conta que há luar”.
A poética antropofágica tinha como objetivo ‘devorar’ os valores europeus, e esse era um dos principais tópicos do Movimento Modernista do qual Raul Bopp integrou, a cumprir com brilhantismo essa parte subjetiva que lhe coube, a exemplificar-nos, com esse poema épico, uma narrativa folclórica, já existente na grandeza amazônica.
“Cobra Norato” é legitimamente uma rapsódia amazônica porque, além do fantástico da história, onde o “Jonas bíblico” é decalcado de uma maneira mais arrepiante e trágica. Lembra-nos, também, as aventuras dos cachalotes brancos descritos por Herman Melville, em “Moby ‘Dick” e, por fim, traz-nos, além disso, a figura do “Leviatã”, o monstro marinho e bíblico e advindo de uma saga fenícia, referenciado em tantos textos e por tantos autores, e particularizado no estudo estatal pelo publicista inglês Thomas Robbes, publicado em 1651, cujo título por extenso diz respeito a “Leviatã ou matéria, forma e poder de um Estado eclesiástico e civil, a tratar da estrutura da sociedade organizada”. Hobbes diz que os humanos são egoístas por natureza a necessitarem de um soberano [Leviatã] que puna aqueles que não obedeçam ao grande acordo igualitário, referências implícitas aos estudos essenciais do Estado, e à proposta do que seria o contrato social de Rousseau
Por fim, essa rapsódia fala de encantados, das florestas, dos igarapés, dos santuários lúdicos dos rios, das cachoeiras e de todo um primitivismo onde se interiorizam o instinto da aventura e da morte.
*Fernando Braga, in “Conversas Vadias” [Toda prosa] antologia de textos do autor.
Ilustração:
Capa do livro “Cobra Norato”, de Raul Bopp, uma das muitas edições da obra, desde sua estreia em 1931.
O lançamento do foguete Soyuz-2.1A que levaria o nanossatélite brasileiro NanoSatC-Br2 foi adiado na madrugada deste sábado (20). A nova data provável de lançamento do foguete é neste domingo (21), às 9h07 (horário de Moscou) – 3h07 (horário de Brasília). O anúncio foi feito nas redes sociais da agência espacial russa Roscosmos.
“Esses atrasos são muito comuns. Anomalias climáticas ou outros eventos que podem influenciar no lançamento estão sempre sendo monitorados. É uma pena, mas o processo todo requer muita segurança”, afirmou Michele Melo, assessora de Inteligência da Agência Espacial Brasileira (AEB).
O evento deveria ter ocorrido às 3h07, no Cosmódromo de Baikonur, no Cazaquistão. Ainda não há informações sobre a causa do adiamento. O ministro de Ciência, Tecnologia e Inovações, Marcos Pontes, foi entrevistado pela TV Brasil.
Sobre o NanoSatC-Br2
De dimensões modestas, o NanoSatC-Br2 pesa apenas 1,72 quilograma. Com 22 centímetros (cm) de comprimento, 10cm de largura e 10cm de profundidade, o satélite é menor que uma caixa de sapato. A principal missão do equipamento é monitorar a anomalia magnética do Atlântico Sul – fenômeno natural causado pelo desalinhamento do centro magnético da Terra em relação ao centro geográfico, característica que atrapalha a captação de imagens e transmissão de sinais eletromagnéticos numa determinada faixa do céu –, mas ele também servirá de ferramenta de pesquisa para estudantes de diversos campos: engenharia, aeronomia, geofísica e áreas afins.
O projeto é um esforço conjunto do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), no Rio Grande do Sul e da Agência Espacial Brasileira (AEB). O NanoSatC-Br2 ficará situado a cerca de 500 quilômetros de altitude – na camada da atmosfera chamada Ionosfera – e fará uma órbita polar héliossíncrona, ou seja, o NanoSatC-Br2 cruzará a circunferência entre Polo Norte e Polo Sul, mas sempre no mesmo ponto em relação ao Sol, em ciclos constantes.
O custo estimado do NanoSatC-Br2 – entre desenvolvimento, lançamento e operação – é de cerca de R$ 3 milhões, de acordo com João Villas Boas, professor da UFSM e um dos responsáveis pelo projeto.
O nanossatélite permitirá a capacitação de profissionais em diversos campos relacionados à ciência e tecnologia. “Os alunos vão ajudar na operação do nanossatélite. O contato principal é depois de o equipamento lançado. Eles vão obter os dados científicos que estão chegando à Terra. O fato de os alunos terem esse contato na graduação é fantástico porque eles conhecem como funcionam o mercado de satélite e todo o processo que envolve a fabricação e aquisição de equipamentos, lançamento e operação dele no espaço”, afirmou o professor Eduardo Escobar Bürger, da UFSM.
Missão conjunta
O lançamento do NanoSatC-Br2 é fruto da parceria entre o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, a AEB e a Roscosmos – a agência espacial russa. O satélite brasileiro é um dos 37 dispositivos que estão carregados no foguete Soyuz-2.1A que parte hoje da chamada “Cidade das Estrelas” no Cazaquistão. A missão envolve Brasil, Rússia e outros 16 países – a maior parceria aeroespacial internacional para lançamentos de satélite registrada até hoje.
“Até os 10 anos, vivi em uma casa que não tinha luz elétrica. Então, tínhamos a parte ruim. Mas, a parte boa era o céu à noite, que era perfeito. Lembro de olhar todas as noites para o céu e ficar intrigada com uma nuvem que não se mexia. Só muitos anos mais tarde, descobri que aquela nuvem era a Via Láctea”.
Anos depois, a menina que enxergava a nossa galáxia do quintal de casa em Santana do Matos, no Rio Grande do Norte, se viu no caminho do estudo do universo.
A curiosidade por saber como tudo surgiu no cosmo levou Maria Aldinêz Dantas para a astronomia, mais especificamente para a cosmologia.
A professora da Universidade Estadual do Rio Grande do Norte, formada em física e especialista em astronomia, conta que a trajetória iniciada em escola pública seguiu também pelo estudo em universidades públicas, até chegar ao desafio de encontrar especializações na Região Nordeste. Mestrado e doutorado foram feitos no Observatório Nacional do Rio de Janeiro.
A astrônoma destaca que a carreira científica para mulheres, especialmente no Nordeste, ainda enfrenta uma grande defasagem.
“As mulheres nas áreas científicas encontram grandes desafios. Elas esbarram com preconceitos enraizados e estruturais. E, na ciência, ainda é bastante visível a descredibilidade do trabalho simplesmente pelo fato de ser mulher. Então, a mulher na ciência precisa não só fazer o seu trabalho na ciência muito bem, como lutar contra o mansplaining, o machismo e até mesmo a misoginia. Isso sem falar a parte que, às vezes, cabe só a elas que é casa e filhos”, pondera a professora.
E se a astronomia tem este lugar de destaque na vida da cientista, a física também tem. “Escolhi a física porque a natureza sempre me atraiu”. Esse é um ponto em comum de Maria Aldinêz, do Nordeste brasileiro, com a cientista aclamada internacionalmente Marie Curie, considerada uma de suas inspirações.
Foi na natureza também que Marie Curie, a cientista polonesa duas vezes agraciada com o Nobel, percebeu o ponto de partida para pesquisas até a descoberta da radioatividade.
“Foi a pioneira em pesquisas sobre a radioatividade. Até hoje, sabe-se que através das datações radiométricas é possível calcular a idade de objetos antigos. Este mesmo procedimento é utilizado na astronomia para datar objetos astronômicos. Ela, além dos [prêmios] Nobel, foi a primeira professora na Universidade de Paris, em 1925”, destaca Aldinêz.
Polonesa
Marie Curie nasceu em Varsóvia, em 1867. Considerada uma pioneira na ciência, seguiu os passos dos pais, que eram professores e incentivadores da educação.
E foi na França, fora de seu país de origem, que se graduou em física e matemática. Pelas descobertas com a radioatividade recebeu o Nobel de Física em 1903, ao lado do esposo Pierre Curie e do físico Henri Becquerel: a primeira mulher a receber tal honraria.
Novamente, em 1911, recebeu o Nobel de Química pela descoberta do elemento químico rádio: a única pessoa no planeta a receber duas vezes a premiação. Batizou também o elemento polônio, em referência às suas origens.
Além do uso na astronomia, as pesquisas de Curie ajudaram no desenvolvimento de tecnologias como a radiografia, utilizada já durante a 1ª Guerra Mundial, e na radioterapia.
Em decorrência da exposição à radioatividade, morreu aos 66 anos, na França.
O Theatro Municipal de São Paulo está oferecendo, gratuitamente, espetáculos on-line no período da fase emergencial do Plano São Paulo de combate à pandemia da covid-19. Devido às restrições, todas as atividades presenciais do equipamento cultural estão suspensas desde o dia 6 de março.
Amanhã (20), às 20h, a Orquestra Sinfônica Municipal apresenta, em uma gravação inédita, as Bachianas Brasileiras nº2 (O Canto do Capadócio, O Canto da Nossa Terra, Lembrança do Sertão, e O Trenzinho do Caipira). Antes do concerto, às 19h40, no mesmo canal, haverá um bate-papo com a professora de música Marta Vidigal e o violinista John Spindler, com mediação do maestro Roberto Minczuk.
As próximas atrações on-line dos grupos artísticos do Theatro Municipal de São Paulo serão anunciadas no site oficial.
Para o público que gosta de música clássica, a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp) também está disponibilizando, gratuitamente, diversas apresentações on-line em seu canal no YouTube. O destaque são as apresentações, realizadas desde o início do ano, do programa Beethoven em Tempos de Pandemia. Hoje (19), às 20h30, será exibido o concerto da Sinfonia número 3 de Beethoven, Eroica, com a regência de Thierry Fischer.
As inscrições para o processo seletivo que contratará, temporariamente, 182 mil recenseadores para o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) terminam hoje (19). Os selecionados integrarão a equipe que trabalhará no Censo 2021, visitando todos os domicílios do país e entrevistando seus moradores.
Para concorrer a uma das vagas, é preciso ter o ensino fundamental completo. O contrato tem a duração inicial de três meses, podendo ser renovada por mais algum tempo dependendo da necessidade.
O salário é variável, de acordo com a produtividade do recenseador. Para calcular a remuneração, é possível fazer simulações no site do IBGE .
Segundo o IBGE, um recenseador que trabalhar 25 horas semanais em São Paulo deve receber, em média, R$ 1.629 por mês. Já um profissional que escolha o município de Carauari, uma área de difícil acesso no meio da floresta amazônica, receberá R$ 1.853 pela mesma jornada.
Para concorrer a uma das vagas de recenseador, é preciso acessar osite da Cebraspe, empresa organizadora do processo seletivo, e concluir a inscrição até as 23h59 de hoje. A taxa de inscrição é de 25,77 e pode ser paga até segunda-feira (22).
Os candidatos a recenseador farão as provas objetivas presencialmente no dia 25 de abril, seguindo os protocolos de prevenção da Covid-19.
Segundo o IBGE, a coleta de dados para o censo demográfico será realizada entre os meses de agosto e outubro. O questionário básico será aplicado a cerca de 71 milhões de domicílios particulares permanentes do país e terá 26 questões. O questionário da amostra, aplicado a 10% desse contingente, ou cerca de 7,1 milhões de domicílios, abarcará 76 questões, abordando os seguintes temas: características dos domicílios, identificação étnico-racial, nupcialidade, núcleo familiar, fecundidade, religião ou culto, deficiência, migração interna ou internacional, educação, deslocamento para estudo, trabalho e rendimento, deslocamento para trabalho, e mortalidade.
Comemorado nesta sexta-feira (19), o Dia do Artesão celebra o profissional que se dedica à arte de produzir peças de artesanato em cerâmica, cera, tecido, palha, madeira e couro, entre outras. Originada do termo bíblico tekton, a palavra artesão significa pessoa que trabalha com as mãos. Mas, neste ano, a data não poderá ser muito comemorada, já que as vendas foram prejudicadas pela crise financeira e as restrições impostas pela pandemia de covid-19.
Os artesãos que expõem na cidade de Embu das Artes, na Região Metropolitana de São Paulo, foram duramente prejudicados economicamente pela pandemia. Criada em 1969, a feira recebia, anualmente, cerca de 1 milhão de turistas. Além da compra de arte, artesanato e até plantas, o visitante dispõe de Praça de Alimentação, bons restaurantes, bares, docerias e cafés. Músicos e performistas se apresentam em diversos pontos do Centro Histórico. A feira tem, atualmente, cerca de 485 expositores e devido ao rodizio e aos grupos de risco, cerca de 170 conseguiram retornar nos períodos de funcionamento.
A artesã Maria do Carmo Merussim, de 56 anos, produz peças de cerâmica e expõe na cidade. Ela fabrica peças únicas e assinadas, que são feitas manualmente, uma a uma, com argilas e esmaltes isentos de chumbo, para serem usadas como utilitário ou decoração.
Para a ceramista, a maior dificuldade que tem enfrentado é o reajuste da matéria-prima. Assim, para aumentar as vendas e driblar os dias em que não expõe na feira pelas restrições do Plano São Paulo, ela tem vendido pela internet. “Antes da pandemia, já fazia vendas pela internet, [por meio de sites especializados e rede social]. Com o inicio da pandemia, investi em uma loja virtual própria.
Apesar das alternativas de vendas, ela tem poucas perspectivas para este ano. “Vejo um cenário de dificuldade. Acredito ser importante investir em ações de divulgação da Feira de Embu das Artes para atrairmos vendas presenciais ou pela internet”.
O artesão Clovis Pires de Camargo, de 66 anos, que também expõe na feira, disse que tem feito poucas vendas desde que começou a pandemia. Ele cita as dificuldades: “Considero a pandemia e a falta de apoio dos organizadores, que deixam a revenda correr solta, as piores dificuldades”. Camargo faz artesanato em couro, como bolsas, e começou a produzir outras peças para driblar os dias de feira fechada em Embu das Artes. “Paralelamente, produzo alforjes e protetores para motos estilo Harley Davidson”.
Economia do artesanato
A Feira de Artesanato da cidade é uma das maiores exposições de arte ao ar livre do país e é o principal atrativo turístico do município, segundo a Associação dos Expositores da Feira de Embu das Artes (Aefea). De acordo com a porta-voz da associação, Ana Rodrigues, a cidade foi prejudicada, economicamente, pelas restrições. “Nossa economia turística despencou, o movimento comercial durante os fins de semana não conseguiu se reorganizar até agora, muitos comércios fecharam as portas e muitos expositores da feira desistiram. As vendas caíram entre 70% e 80% e, em alguns casos, a instabilidade é total”, lamenta.
A média de visitantes da feira antes da pandemia era de 20 mil aos domingos, dia de maior movimento. “Devido à instabilidade econômica do país, nosso público vinha em queda, o que normalmente ficava em torno de 20 mil visitantes aos domingos, mas caiu para cerca de 8 mil a 10 mil na Fase Verde [do Plano São Paulo Verde, que permite a abertura do comércio com medidas de higiene sanitária]”, explicou a porta-voz.
Segundo Ana, a associação tem feito ações nas redes sociais para tentar reverter o quadro. “Nossa associação é voltada para os expositores da feira, toda ação que realizamos auxilia o comércio do entorno, visto que nossa feira é o real atrativo turístico do município. Mesmo a associação sendo para os expositores e uma entidade jovem em relação aos 52 anos da feira, atuamos intensamente nas mídias sociais, visto que ainda não temos lastro para grandes ações de marketing”.
O trabalho da associação continua para ampliar o público consumidor e atrair novos compradores. “Temos trabalhos maravilhosos dos artistas e ainda muito público para conquistar. Muitas pessoas não conhecem essa tradição que temos aqui. Podemos comprovar isso principalmente aos domingos, que é nosso dia de maior movimento. Não raro, ouvimos os turistas dizerem: ‘nossa, porque demorei tanto para vir aqui, estou adorando tudo que vejo, quero voltar com mais tempo’, em várias ocasiões, faço lives com turistas e eles sempre comentam positivamente sobre o passeio”.
Apesar das novas regras de restrição, como a Fase Emergencial em São Paulo que proíbe a abertura de comércio não essencial, as perspectivas são positivas, afirma Ana, que também é artesã.
“Vamos manter a positividade e a proatividade, focados nas divulgações das mídias sociais, envolvendo ao máximo os expositores, assim como buscar orientações e qualificações para que todos se atualizem e mantenham-se motivados e ativos, tanto na criatividade e produção, quanto comercialmente. Atrair novos parceiros apoiadores para as nossas ações interativas e promocionais. Vamos explorar também nosso momento de conquista, que tornou a feira Patrimônio Cultural Imaterial do Estado de São Paulo, aos 52 anos”.
No último dia 9 de março, a Feira de Embu das Artes foi declarada, oficialmente, pelo governo do Estado, Patrimônio Cultural Imaterial do Estado de São Paulo, após a aprovação pela Assembleia Legislativa, no dia 2 de fevereiro, do Projeto de Lei 918/2016. O patrimônio é uma maneira de salvaguardar as expressões culturais, as tradições e a ancestralidade.
A Nasa finalizou, nessa quinta-feira (18), um teste de oito minutos dos motores de um foguete construído pela Boeing para as missões Artemis, que têm o objetivo de levar de volta astronautas à Lua até 2024, mais de meio século depois da última caminhada lunar.
Eclipse parcial da Lua
A Nasa conduziu teste de fogo e calor do núcleo do foguete Sistema de Lançamento Espacial (SLS, na sigla em inglês) para simular um lançamento e disparar os motores enquanto o veículo estava ancorado em uma torre no Centro Espacial Stennis, no Estado norte-americano do Mississippi.
Os quatro motores RS-25 rugiram e se acenderam pelo tempo de duração do teste e preencheram os arredores e o céu com nuvens de fumaça branca. Depois que os motores foram desligados, foi possível escutar os funcionários da Nasa aplaudindo na transmissão ao vivo em vídeo.
Um teste anterior em janeiro foi encerrado após cerca de um minuto – tempo muito inferior aos quatro minutos necessários para que os engenheiros coletassem dados suficientes.
A Nasa almeja levar novamente os astronautas norte-americanos à Lua até 2024, mas o programa SLS está três anos atrasado e com o orçamento estourado em quase 3 bilhões de dólares. O último astronauta a caminhar na Lua foi Eugene Cernan, em dezembro de 1972.
O Sistema de Lançamento Espacial deve ir agora ao Centro Espacial Kennedy, na Flórida, para integração com a espaçonave Orion, da Lockheed Martin Corp.
As escolas públicas de ensino médio do país escolhem, até amanhã (19), alguns dos livros didáticos que marcarão a transição do modelo de ensino atual para o chamado novo ensino médio. O prazo para a implementação do novo modelo é 2022. No entanto, por causa da pandemia da covid-19, as redes de ensino têm enfrentado problemas e dizem ainda ter muitas dúvidas sobre como implementar os novos currículos.
Com o novo modelo, parte das aulas será comum a todos os estudantes, direcionada pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Na outra parte da formação, os próprios alunos poderão escolher um itinerário para aprofundar o aprendizado. Poderão escolher dar ênfase a linguagens, matemática, ciências da natureza, ciências humanas ou ensino técnico.
São os Estados que concentram a maior parte das matrículas do ensino médio – 84% do total no país, segundo o Censo Escolar 2020 –, mas a implementação do novo modelo não cabe apenas a esses gestores. Um exemplo é o próprio Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD), coordenado pelo governo federal. Até esta sexta-feira, as escolas devem escolher as obras que irão conduzir os projetos integradores e o projeto de vida, novos componentes desse currículo. As obras disponíveis para a escolha estão no Guia PNLD 2021.
Obras
Essas obras, segundo explica o presidente da Associação Brasileira de Editores e Produtores de Conteúdo e Tecnologia Educacional (Abrelivros), Ângelo Xavier, são livros considerados de transição para o novo modelo de ensino. “Esse material é fundamental para uma transição para o novo ensino médio. Vamos deixar de ter aulas disciplinares e passar a ter aulas por áreas de conhecimento. Os professores passam a trabalhar de forma integrada”, disse.
Também para elaborar os livros, o trabalho foi em equipe, com professores de diferentes áreas. “Tivemos um processo de adaptação importante. Não foi simples, porque todos os autores e professores, historicamente, fizeram livros por disciplinas, sempre estudaram por áreas disciplinares, trabalharam junto com os pares. Agora, tivemos que compor equipes multidisciplinares”, explicou.
Começo da mudança
Essa escolha é, no entanto, apenas o pontapé inicial. Segundo o presidente do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), Vitor de Angelo, o desafio maior será definir os livros que serão usados a partir do ano que vem, o que deve ser feito ainda este ano. “O desafio vai ser pensar os livros didáticos para o currículo, dado que nós temos uma flexibilidade nas redes em relação ao que dar, como dar e quando dar. Como você alinha isso com o livro didático, que é uma coisa fixa e, bem ou mal, é feito para ser trabalhado em um ano?”.
Pela lei, cada rede de ensino deve cumprir o que está previsto na BNCC, mas pode ser feito, por exemplo, de forma concentrada no período inicial do ensino médio, deixando a parte final apenas para o itinerário escolhido pelos estudantes. Pode, ainda, ser distribuído ao longo de todo o ensino médio e ser trabalhado junto ao itinerário.
De acordo com Angelo, os Estados esperam que seja publicado, ainda este ano, um edital para selecionar as obras que serão usadas no ano que vem já no novo ensino médio. “Qualquer atraso no PNLD pode vir a ser um problema sério. Dá para começar sem livro, mas é como começar o ano sem professor”.
Além dos livros didáticos, para colocar o novo ensino médio de pé são necessárias várias adequações que incluem a formação de professores e a definição dos itinerários que serão ofertados aos estudantes e de que forma eles serão ofertados, por exemplo. Angelo explicou que cada Estado está em um ponto diferente de implementação e que a pandemia impactou esse processo.
“As ações de enfrentamento à pandemia trazem um desafio grande e nem sempre as redes tiveram condições de fazer esse trabalho paralelo. A solução para umas foi atrasar a implementação do novo ensino médio”, disse.
Escolas particulares
A implementação do novo ensino médio é preocupação também das escolas privadas. “As escolas têm muitas dúvidas. Não temos muitas respostas. Temos o que está na lei, mas o que vai dar o tom [da formação dos estudantes] é como será o Enem [Exame Nacional do Ensino Médio]”, disse o presidente da Federação Nacional das Escolas Particulares (Fenep), Ademar Batista Pereira.
Pereira explicou que as aulas serão pautadas pelo que será cobrado no exame e pelas formas de ingresso no ensino superior. Para se adequar ao novo ensino médio, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) anunciou que haverá mudanças na estrutura do Enem, mas ainda não foi divulgado quais serão essas alterações.
“As escolas têm uma preocupação grande e o ensino superior também. Como será esse acesso? Tem também a questão dos livros didáticos. Toda essa cadeia precisa estar alinhada”, disse.
Em um contexto de pandemia, as indefinições são grandes também entre as escolas particulares. “A pandemia limita a escola a funcionar presencialmente. O itinerário de formação técnica precisa de um trabalho presencial, com laboratórios. O novo ensino médio vai muito nessa toada profissionalizante. O próprio modelo de negócio que hoje podemos oferecer está muito instável”.
CNE
Responsável por definir normas para nortear a educação brasileira e assessorar o Ministério da Educação (MEC), o Conselho Nacional de Educação (CNE) acompanha com preocupação a implementação do novo ensino médio, segundo o conselheiro Mozart Neves Ramos. “Naturalmente, isso começa a ficar preocupante, não só do ponto de vista do tempo de implementação, mas das condições necessárias para essa implementação”.
Segundo Ramos, o livro didático e a avaliação são os grandes responsáveis pelo sucesso na implementação de um novo currículo. “As redes de ensino sempre se guiaram pelo livro didático, que segue sendo a grande bússola. O que impacta e leva a dar atenção [a determinado conteúdo] é a avaliação. Esses dois instrumentos são importantes indutores da implementação de qualquer mudança”, explicou.
“Quais são os grandes entraves? Em primeiro lugar, a necessidade de uma coordenação nacional para a implementação de algo que é muito importante, que é a última etapa da educação básica, a mais desafiadora. Tem que ter uma coordenação nacional que não seja só repassar dinheiro. Segundo, a desigualdade da velocidade [de implementação] entre os Estados. Têm aqueles que estão bem avançados, que têm currículo aprovado, e aqueles que ainda não. E tem a pandemia, que está gerando uma dificuldade enorme de colocar em prática o que foi planejado já para 2021”, apontou.
Atrasos
Para o professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP) e dirigente da Campanha Nacional pelo Direito à Educação Daniel Cara, a definição dos livros didáticos, tanto nesta primeira escolha, quanto a do edital que deverá ser divulgado para a seleção das obras para o próximo ano, será fundamental para a implementação do novo modelo de ensino. Ele questiona, no entanto, se essa implementação deve ser feita em meio à pandemia.
“O PNLD é o maior programa de livro didático do mundo. Tem tradição e tem na sua consolidação ao longo dos anos, uma tradição que deu certo. O livro didático, na prática, é a política curricular real. É a que chega no chão da escola e é operacionalizada na escola via PNLD. É um mecanismo de equidade”, disse. Ele ressalta que, dada a importância do programa, os conteúdos dos livros selecionados têm impacto direto na educação do país.
“A reforma do ensino médio exige uma reorganização das redes públicas e das escolas privadas muito grande. Tanto para implementar os itinerários formativos quanto para viabilizar a estruturação dos itinerários em relação ao que a gente chama de atribuição de aula dos professores. No meio da pandemia, é completamente equivocado fazer o processo de implementação da reforma. Não tem como no meio da pandemia determinar como vão ser estruturados os itinerários formativos, reestruturar os contratos dos professores e estabelecer como vai ser a distribuição das aulas. Isso teria que ter sido organizado no ano passado. Na prática, com o ensino remoto, fica difícil mudar”.
Procurado, o MEC não se manifestou até a publicação da matéria.