DO EFÊMERO AO ETERNO
SERÁ UM MILAGRE O FINITO DE NÓS RESISTIR AO INFINITO DO TEMPO
– Uma coisa é você ter história; outra, é a História ter você
– Você sobreviverá ao túmulo? E o que o livro tem a ver com isso?
(Reflexões sobre vida, livro e pós-vida)
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Como o sabem os médicos e biólogos – mas não apenas eles –, os seres humanos são finitos: nascem, vivem, morrem.
Somos os mais perfeitos (?) e complexos elementos da (ou na) Natureza,...
... somos os únicos com percepção de si mesmos (sencientes),...
... somos os únicos organismos vivos que conferem sentido aos demais organismos vivos e às coisas materiais e imateriais que (n)os rodeiam...
... e, entanto, somos seres de existência curta,...
... de escassa longevidade,...
... de pouco tempo de vida.
Enquanto isso, outros representantes do reino animal estão nadando de braçadas à frente dos humanos no oceano da vida. Há peixes – carpas, por exemplo – que vivem fácil mais de 220 anos.
Tubarões e lagostas sesquicentenários.
Tartarugas e baleias bicentenárias (e estas são mamíferos que nem nós...).
Ostras e moluscos de quatro séculos.
E nem se fale de certas águas-vivas (medusas), que, simplesmente, são imortais, voltam ciclicamente a ficar jovens após um tempo na maturidade, e assim vão vivendo... para sempre.
No reino vegetal, árvores de quatro milênios, como pínus, ciprestes e teixos.
E é de admirar a resistência, a duração dos pequenos, dos muuuuuuuuuuuuuuuito pequenos, os micróbios, que dominam no mínimo 80% da biomassa da Terra (os seres vivos, plantas incluídas) e vivem muito, e bote muuuuuuuito nisso.
Os micro-organismos são a prova de que tamanho não é documento.
Há bactérias que são quase eternas, podendo viver dezenas (há registros de centenas) de milhões de anos.
... Mas ninguém quer ser uma bactéria ultralongeva,...
... ou um fungo semieterno,...
... muito menos um vírus (i)mortal...
De qualquer maneira, fartos ou minguados em anos, os organismos vivos (ou pelo menos 99,9% deles) têm algo em comum:
... vão deixar de existir,
... vão sumir,
... de-sa-pa-re-cer.
E cada infinitesimal molécula deles/nossa procurará ou formará outra estrutura, vivente ou não.
A Ciência afirma: apenas 0,1% dos organismos terá a sorte de virar fóssil, e assim existir/resistir no tempo, embora nada assegure que o fóssil de um ser vivo ou de parte dele (animal, vegetal ou coisa e tal) seja encontrado.
Será um milagre o finito de nós resistir ao infinito do tempo. Sem fósseis, sem registros, é impossível a algo ou a alguém existir na História – pois História é a existência contada, conhecida, no mínimo intuída.
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O livro é o novo fóssil. Um fóssil de papel. Um fóssil que se dá a conhecer.
Livros são pequenas pirâmides de celulose e tinta que conservam o principal dos tesouros humanos: conhecimentos, emoções, informações sobre a vida de algo ou alguém, registros sobre o que nos rodeia e que existe de nossa pele para fora ou que, em nosso corpo e mente, existe, ou criamos, de nossa pele para dentro.
É neles, livros, que deixamos marcas, caracteres, figuras. Formas, fôrmas, fórmulas.
Nos livros (nos) imprimimos, isto é, assumimos e revelamos a beleza e o desespero,...
... a alegria e a angústia,...
... o sentido, a sensação e o sentimento de sermos o que somos (gente) no desfrute de termos o que temos (vida).
Assim, cada livro vai-se mantendo como um seguro a mais contra o esquecimento,...
... a perda,...
... o sumiço,...
... a extinção.
Rascunho de eternidade, um livro nos livra do pó. Faz-nos sobreviver ao túmulo.
Algumas pessoas permitem-se pequenos exercícios de posteridade. Seres comuns e iguais – animais – ante a Ciência, mas únicos e especiais -- sujeitos – ante a História.
Seres singulares em sua pluralidade e plurais em sua singularidade.
Apesar disto, não importaria para a História o trabalho de cada um, a vida de cada um, se isto não fosse comunicado.
Pois uma coisa é você ter história; outra, é a História ter você.
No mundo laico, secular, só há eternidade na História.
Entre outras coisas, um livro documenta histórias vividas e histórias de vidas ainda vívidas.
Evidentemente, um livro não documenta toda a história de cada ser – não existem livros assim.
Um livro com uma história de alguém é um resumo pessoal, lacônico, icônico, que apenas anuncia a pessoa, informa (o) que ela é, diz que está, comunica que chegou. Conta que existe. Conta um pouco de sua existência.
Não importa quanto tempo viva um ser: ele só será ser se se souber que ele é, ou foi. E um livro serve – também – para isso.
De alguma forma, ficção ou realidade, romântico ou técnico, todo livro é um livro de História.
Da pequena História de cada um na imensidão do Tempo que é de todos – e do Tudo...
* EDMILSON SANCHES