
Registre-se logo que os 190 anos que Caxias completará no próximo ano, em 5 de julho de 2026, são de ELEVAÇÃO À CATEGORIA DE CIDADE e sede de município. Mas a vida não começa quando se expede a certidão de nascimento nem quando se atinge a maioridade. A vida vem bem antes...
O início da história de Caxias remonta a 1612, quando franceses estabeleceram-se às margens do Rio Itapecuru, impressionados com a fertilidade das terras do futuro município. Eles conviviam pacificamente com os índios timbiras e gamelas, até a chegada dos portugueses, que, em 1615, expulsaram os franceses e escravizaram os índios.
Em 1735, criou-se o DISTRITO Caxias das Aldeias Altas. Em 31 de outubro de 1811, o distrito é elevado à categoria de VILA. E, no dia 5 de julho, em 1836, passa ao "status" de cidade e sede de município.
Em 1858, Dom Manuel Joaquim da Silveira, na Igreja de São Benedito, denominou Caxias de "Princesa do Sertão Maranhense", epíteto pelo qual a cidade / o município é conhecida até hoje.
Dom Manuel foi bispo de São Luís de 1851 a 1861, sucedendo a Dom Carlos de São José e Sousa. Foi sucedido por Dom Luís da Conceição Saraiva em 1861, quando Dom Manuel foi para Salvador, como arcebispo, no lugar de uma das maiores inteligências da Igreja Católica, Dom Romualdo Antônio de Seixas.
Dom Manuel permaneceu como arcebispo de Salvador de 1861 a 1874, falecendo em Salvador no ano seguinte, em 23 de junho de 1875, aos 68 anos. Ele nasceu em 14 de abril de 1807, no Rio de Janeiro (RJ), foi ordenado presbítero em 2 de maio de 1830, bispo em 6 de junho de 1851 e arcebispo em 18 de março de 1861. Recebeu o título de Conde de São Salvador e de primaz do Brasil (na Igreja católica, primaz é posição acima dos bispos e arcebispos).
Em 1911, o NOME DO MUNICÍPIO PASSA A SER APENAS CAXIAS. A data de 1º de agosto, a única comemorada oficialmente no ou pelo município e em alguns casos erroneamente creditada como de "aniversário", diz respeito ao dia em que tropas independentes brasileiras entraram em Caxias, em 1823, fazendo os portuguesas deporem as armas e levando o município a reconhecer a Independência do Brasil, ocorrida no ano anterior, em 7 de setembro de 1822 – ato que os lusitanos que viviam em Caxias teimavam em não aceitar e lutavam para que a "Princesa do Sertão" se tornasse uma espécie de enclave, de território português dentro do Brasil independente, mesmo já tendo o Maranhão, cinco dias antes, em 28 de julho de 1823, feito a adesão formal à Independência, em razão, sobretudo, das ameaças do Lord Cochrane, que ameaçava bombardear a cidade a partir de canhões instalados em seus navios na costa ludovicense.
Em 15 de agosto de 1823, o Estado do Pará aderiu à Independência. A Bahia havia aderido em 2 de julho do mesmo ano. Assim, pode-se afirmar que Caxias foi a última cidade (na época, vila) a fazer a adesão à Independência do Brasil, que se deu formalmente, de papel passado e missa, no dia 7 de agosto de 1823, em ato solene realizado na Igreja da Matriz (ou Igreja da Matriz de Nossa Senhora da Conceição e São José), no centro da cidade, com a presença das autoridades militares (Maranhão, Piauí e Ceará), políticas (Câmara Municipal), religiosas (Igreja Católica) e demais pessoas da população caxiense.
Caxias, portanto, repita-se, foi A ÚLTIMA CIDADE BRASILEIRA A ADERIR OFICIALMENTE À INDEPENDÊNCIA DO BRASIL, pois antes e depois de 1º de agosto de 1823, foram Estados/províncias – e não vilas/cidades – que fizeram a adesão: a província da Bahia em 2 de julho; o Maranhão em 28 de julho (mas Caxias somente em 1º de agosto) e a província do Pará em 15 de agosto. Todas as três, é claro, em 1823. Nessas três províncias, concentrava-se a maior parte das forças militares portuguesas, esperançosas de manter alguns feudos na nascente Nação independente.
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CAXIAS, A DO MARANHÃO – Uma cidade há no nosso país que todo brasileiro dela sabe – embora, muitas das vezes, sem saber dela.
Trata-se de Caxias, no Maranhão, município com 5 mil 200 e 625 quilômetros quadrados e, pelo Censo de 2022, 156.973 habitantes (já teve 164 mil). Sua economia é de R$ 2 bilhões e 112 milhões (PIB – Produto Interno Bruto), com acentuada queda no “ranking” estadual e nacional: Caxias está em 10º lugar – já esteve em 5ª lugar – entre os 217 municípios maranhenses, atrás de São Luís (1º lugar), Imperatriz (2º), Balsas (3º), Açailândia (4º), Santo Antônio dos Lopes (5º), Timon (8º), São José de Ribamar (9º). (A listagem do IBGE omitiu os 6º e 7º lugares).
No “ranking” nacional da economia, Caxias também caiu e, nesse caso, foram muitas dezenas na classificação entre 5.570 municípios, estando hoje na posição número 571 (já esteve na posição número 492 – uma queda de 79 lugares).
Se os números não tornam Caxias maior e melhor, e apenas revelam – tristemente – que Caxias não é tão dinâmica econômica e demograficamente, os aspectos históricos e culturais “salvam” nossa cidade.
Repita-se: embora os mais recentes dados populacionais e econômicos por si sós não mais estejam garantindo uma posição, digamos, “confortável” no “ranking” nacional e estadual; embora outros números também não confiram grandeza ao nosso quadricentenário município, é o passado que se torna o presente de maior futuro para Caxias, se o município vier a retomar a pujança que já teve em décadas e séculos passados, em relação ao quadro econômico-demográfico daquelas épocas. (Acima, dissemos “quadricentenário município” porque, como já se registrou inicialmente, há registros de que o começo da história caxiense dar-se-ia, repita-se, em 1612, com expedição que se assentou às margens do Rio Itapecuru, em terras caxienses, naquela primeira metade daquele século 17).
A grandeza de Caxias – “voilà!” – vem da quantidade e, em especial, da qualidade dos filhos que nela nasceram. Eles, pelo vigor de seus talentos, pelo destemor com que iniciaram lutas e ideias, pelo entusiasmo com que realizações sonhos e ideais, tornaram-se pioneiros e referências para toda a História do Brasil. Na Literatura, no Direito, na Política, na Administração Pública, na Música, na Religião, na Pintura e Escultura e em outras diversas áreas da Cultura e das atividades humanas, filhos de Caxias legaram uma contribuição tão precursora e consistente que até hoje – e para sempre – o Brasil e os brasileiros lhe são devedores.
Na LITERATURA, mais que escritores de grandes obras, Caxias deu autores de escolas literárias, estudadas em cursos superiores (Letras, por exemplo) e em escolas de Ensino Médio em todo o País. Com efeito, o Indianismo tem no escritor, advogado e etnólogo caxiense Gonçalves Dias seu maior símbolo. O advogado, jornalista e escritor Teófilo Dias é o introdutor do Parnasianismo no Brasil. O escultor e escritor Celso Antônio de Menezes introduziu o Modernismo nas Artes Plásticas brasileiras; era professor em universidade do Rio de Janeiro e entre seus admiradores declarados estavam Otto Lara Resende, Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade.
No DIREITO, avulta João Mendes de Almeida, que é autor de vasta obra jurídica e linguística e é também redator da Lei do Ventre Livre, que fez nascerem livres os filhos de escravos (lei assinada pela Princesa Isabel, como se sabe). Também, Teixeira Mendes, que redigiu a lei, aprovada no Congresso Nacional, que fez a separação Igreja –Estado e estabeleceu a liberdade de culto, de fé religiosa e até de não tê-la. O caxiense Teixeira Mendes é mais conhecido por ser o autor da Bandeira Nacional brasileira e suas ideias, vigorosamente manifestadas e defendidas na Imprensa, resultaram na criação da FUNAI e de leis pioneiras na defesa e estabelecimento de direitos da mulher trabalhadora, do jovem trabalhador e dos doentes mentais.
Na CIÊNCIA registre-se Aderson Ferro, considerado na sua classe a “Glória da Odontologia Brasileira”, autor da primeira obra científica na especialidade e pioneiro no Brasil no uso odontológico de anestésico. Também, muito pouco conhecido, Francisco das Chagas Oliveira Luz, caxiense, farmacêutico-bioquímico, tendo graduado-se na primeira turma do curso de Farmácia da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal da Bahia, professor voluntário do Núcleo de Medicina Tropical da Universidade de Brasília (UnB), cuja dedicação à Ciência – ou, melhor, de dedicação ao próximo por intermédio da Ciência – o levou a estudos e pesquisas na área de Medicina Tropical, sobretudo os voltados para o diagnóstico e tratamento de doenças como calazar e malária, estudos e pesquisas que contribuíram para o aperfeiçoamento e apressamento na identificação e no combate desses males, devolvendo saúde e bem-estar ao grande número de pessoas – sobretudos as mais carentes – que eram infectadas. Sua dedicação à Ciência e os resultados práticos daí advindos levaram ao reconhecimento do caxiense Francisco das Chagas pela sociedade científica brasileira e internacional, pública e privada, tendo obtido diversos prêmios e outros reconhecimentos, de Entidades do Brasil e do estrangeiro. Na Agronomia e Botânica, além do Christino Cruz, que estudou Agronomia em diversos países (Suíça, Alemanha, França, Inglaterra), destaca-se o nome de Liene Teixeira, primeira mulher formada engenheira agrônoma na Universidade Federal de Viçosa, depois doutora em Botânica pela USP – Universidade de São Paulo, homenageada, após sua morte, com seu nome dado a um espécime vegetal.
O caxiense Coelho Netto foi por si mesmo um grande contribuidor da Cultura e do Esporte brasileiros. Além de ter sido eleito “Príncipe dos Prosadores Brasileiros”, Coelho Netto foi indicado nada menos do que três vezes para o Prêmio Nobel de Literatura. Cabe a ele, senão a autoria, a divulgação e fixação do epíteto “Cidade Maravilhosa” à capital do Rio de Janeiro; o nome foi título de crônica, de programa de rádio, de livros e de música popular que foi oficializada hino municipal carioca. Coelho Netto, desportista, capoeirista, foi responsável pela elevação da capoeira no Brasil e foi o introdutor da palavra “torcedor” com significado de adepto de um time de futebol. Seu filho João, o Preguinho, foi autor do primeiro gol da Seleção Brasileira em Copa do Mundo. Coelho Netto também foi o introdutor do cinema seriado no Brasil, tendo sido roteirista e diretor de cinema.
Na POLÍTICA e ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, o caxiense Sinval Odorico de Moura foi um raro caso de brasileiro que administrou quatro Estados. Por outro lado, João Christino Cruz, agrônomo e político, foi o criador do Ministério da Agricultura e é o presidente de honra da Sociedade Nacional de Agricultura, sediada no Rio de Janeiro e em cujo auditório fiz pronunciamento sobre os grandes talentos caxienses e maranhenses. O médico, militar e político caxiense Joaquim Antônio Cruz contribuiu para a demarcação de fronteiras do Brasil com a Argentina e votou pela lei que aboliu os castigos corporais nas Forças Armadas. Joaquim José de Campos da Costa de Medeiros e Albuquerque foi o caxiense que, como gestor de unidade no IBGE, no Rio de Janeiro, fez a primeira contagem da população total do Brasil, em 1872.
Na ESTATÍSTICA e DEMOGRAFIA sobressai nacionalmente o nome de Joaquim José de Campos da Costa de Medeiros e Albuquerque, o caxiense que realizou o primeiro Censo Demográfico brasileiro (contagem da população do País). Publicação do IBGE atesta a responsabilidade na condução do recenseamento e livros e teses de doutoramento registram a excelência técnica e o compromisso técnico e público desse filho da Princesa do Sertão Maranhense: “Joaquim José de Campos da Costa de Medeiros e Albuquerque (1835-1892), farmacêutico e advogado, primeiro titular, pode-se dizer, da DGE [Diretoria Geral de Estatística] e uma das figuras mais diretamente ligadas à evolução da estatística no Brasil, com espírito de iniciativa, capacidade de trabalho e entusiasmo construtivo”, documenta Martha Werneck Poubel em sua tese de doutorado em Educação e Linguagem Matemática na Universidade Federal do Espírito Santo, em 2013. Citando obra de Jayme Figueiredo, de 1959, a acadêmica destaca, ainda: “Albuquerque planejou e dirigiu o primeiro recenseamento geral da população do Brasil Império, de acordo com o plano organizado por ele para esse importante trabalho, tendo assinado o primeiro relatório da DGE, em 1872”.
Na ESPIRITUALIDADE, agiganta-se o nome de Andresa Maria de Sousa Ramos, a Mãe Andresa, sacerdotisa de culto afro-brasileiro de renome internacional, última princesa da linhagem direta “fon”, estudada por escritores, sociólogos e antropólogos do Brasil e do Exterior e visitada por autoridades políticas de renome, como o ex-presidente do Brasil Café Filho.
No TEATRO, Caxias entra com Ubirajara Fidalgo da Silva, um dos maiores dramaturgos negros do País, criador do Teatro Profissional do Negro, reconhecido e homenageado em grandes centros como Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador e Brasília. A ele o Governo Federal dedicou 2016 como “Ano Ubirajara Fidalgo da Cultura”. O caxiense José Armando de Almeida Maranhão é considerado “A Pedra Angular do Teatro Paranaense”. Teatrólogo, professor, escultor e caricaturista, Armando Maranhão estudou em países como Inglaterra, França, Itália, Portugal, Espanha, Suíça, Bélgica e Holanda e teve aulas com notáveis do Cinema e Artes Cênicas do porte de Luchino Visconti, Federico Fellini, Roberto Rosselini, Michelangelo Antonioni e Laurence Olivier.
Na MÚSICA, distingue-se Elpídio Pereira, com formação na França, onde conduziu orquestras e foi aplaudido. No Brasil, seu trabalho é conhecido e publicado em Estados da Amazônia. Em sua terra natal, mal conhecemos – e olhe lá!... – a música do Hino oficial do município de Caxias.
Deixemos para futuros textos a continuação do rol de ilustres conhecidos e desconhecidos caxienses cujos trabalhos contribuíram para a construção e fortalecimento da História, da Cultura e da Identidade brasileira.
Por ora, os caxienses devem ou deveriam (re)pensar sobre os dados, números, informações e situação econômico-social e histórico-cultural de Caxias, cidade que tanta vida e cidadania deu ao Brasil, cidade que busca um novo jeito de ser e viver, pois aqui, por omissão e/ou ganância, e ante a ruína de seu patrimônio histórico, até as pedras estão morrendo...
* EDMILSON SANCHES
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Caxias é nossa bandeira.