– Para uma mãe que morreu em 1º de agosto
– Ela ainda iria fazer 50 anos...
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MINHA MÃE MORREU
(A TETRALOGIA DE UMA PERDA)
I
Chove muito dentro de mim...
MINHA MÃE MORREU
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Minha mãe morreu. Foi em um 1º de agosto, 6h50 da manhã.
Dona Carlinda Orlanda Sanches tinha 49 anos. Nasceu sob o signo de Escorpião, gostava de futebol (era vascaína) e desejava assistir a uma Copa do Mundo. Também queria ir a Roma e, claro, ver o papa também.
Católica, ia à igreja quando podia, mas estava com Deus sempre.
Só sabia fazer o bem. E bem feito. Desconfio de que a única coisa ruim que ela fez... foi fazer-me.
Acho que sempre lhe dei menos do que ela desejava, e dela sempre recebi mais do que merecia. Dizem que mãe e filhos são assim mesmo.
Padecia de "doença limitante, de caráter progressivo, tendo como único tratamento o transplante de fígado", que ela se recusou a aceitar ("O coração não pedia" – desculpava-se). Quanto à doença, é um mal raro, comprido e indecifrável como o próprio nome: colangite esclerosante primária, detectável por meio de biópsia e exame de técnica e nome complicados: colangiotransparietohepática, ou colangiografia pancreática endoscópica retrógrada.
Li quase tudo sobre a doença. Informei-me em Medicina, especializando-me em Hepatologia e em hepatopatias crônicas. Instigam-me particularmente os mistérios do processo das doenças classificadas como autoimunes.
Numa coleção de livros – "Clínicas Cirúrgicas da América do Norte", não lembro o ano – anotava-se que a colangite primária tinha 32 casos registrados em todo o mundo.
Mãe foi a Brasília, São Paulo, e também foi atendida em Caxias, Teresina, São Luís... Não queria viajar mais. Queria ficar, tratar-se – ou morrer – em Imperatriz. E assim foi cumprida a sua vontade.
Foram dois anos, ela carregando a sua cruz. E nós (Francisca Cláudia, Carlos Magno, Júlio César, Wendel e eu) sequer podíamos dividir o peso, sua dor. A dor é irrepartível (deixem passar o neologismo). A dor que sentíamos era outra, filial. A de mamãe, matriz. Uma dor tinha origem na doença; a outra, nascia daquela dor. Dores diferentes. A de mamãe, com certeza, maior. Sofria porque sentia dor, e sofria porque sentia por nós.
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Meu sono é como minha consciência – leve. Assim, na madrugada, duas, três horas, bastava os pezinhos de mamãe roçarem a ardósia, à procura dos chinelos, para eu acordar e ir ao seu encontro. Era um escoteiro da noite, sempre alerta. Sem uma palavra, no meio do corredor fracamente iluminado, nos olhávamos, nos sorríamos um sorriso meio maroto meio triste e nos abraçávamos mudos e ternos. Seu corpo, debilitado pela doença; o meu, fragilizado pela emoção. E pela impotência ante o avanço do mal.
Mãe deu lições de dignidade e resistência, inclusive física. Enfrentou e venceu três comas e encefalopatias hepáticas, inúmeras cirurgias e pós-operatórios. Ficava dias só respirando quase imperceptivelmente, como um pássaro. Médicos arriscavam: poucas horas de vida, cérebro comprometido, vida vegetativa, uma pena, nada mais há o que fazer, agora é só esperar. E coisa e tal. Aí, mãe acordava, assombrosamente, aliás, divinamente lúcida. E se o corpo enfraquecia, a mente cada vez mais se fortalecia. Impressionante a memória. A lucidez. E isso doía: "Mens sana in corpore"... insano.
Em um dos comas mais graves, familiares e amigos reunidos em volta do leito hospitalar, uma quarta-feira, sete para oito horas da noite, mãe desperta e diz: "Deus, Deus, Deus!" Reconheceu parentes que não via há anos e os chamou pelos nomes. De onde vinha aquela surpreendente vitalidade, só Deus sabe.
Mães morrem todo dia. Mas mãe – como todas as mães – todo dia queria viver. Continuar plantando plantas, floreando flores. Mulher "da mão boa", o que tocava ficava bom. Porque assim era o seu coração. Coração de mãe. Mãe sofria – mas queria viver.
Não houve jeito. Ela, mais uma vez, sempre pioneira, tinha de ir na frente. Na terra, abrira o próprio ventre para dar os filhos ao mundo. Agora, ia na frente para abrir o céu aos filhos – ou para convencer Deus de que nós mereceremos, ao menos, o purgatório.
Sentados quietinhos no sofá, eu e ela, mãe olha um olhar longo assim em volta, vê a casa quase nua de bens materiais, bate os olhos nas diversas estantes e diz de um jeito indizível: "– Os móveis do meu filho são livros".
Ninguém jamais disse ou dirá algo tão belo.
Gotas de emoção e lágrimas desembucham o peito, sobem pra garganta, brotam dos olhos e caem em pingos, pontuando o texto e a vida.
Ah! mãe... Que saudade!... Que solidão!... Quanta dor!...
Chove, chove muito dentro de mim. (EDMILSON SANCHES)
I I
A mãe morre. O que se faz em uma hora dessas?
DIA DE VOLTAR AO VENTRE
– Em memória de Carlinda Orlanda Sanches, minha mãe, que aos 49 anos faleceu em um 1º de agosto...
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É um dia de agosto, o primeiro dia, e minha mãe está morta. Julio Cesar Sanches, meu irmão, um entre aqueles aos quais coubera nesse dia fazer a vigília no hospital, telefonou-me, seis da manhã, e disse só: “ -- Edmilson... aconteceu...”.
O que se faz em uma hora dessas?
Caímos em choro?
Assumimos o desespero, bradando a Deus nossa ignorância ante Seus desígnios e decisões?
Fingimos uma força (que não há) e, autômatos, iniciamos a burocracia do pós-morte, as providências fúnebres?
Prostramo-nos sentados, imóveis, fixando o olhar no nada?
Engolimos em seco e passamos a mão sobre as lágrimas que vertem, escorrem e fazem um caminho líquido e incerto atraídas pela gravidade da ciência e da situação?
As mães sempre querem ser enterradas pelos filhos. Não é por lógica da natureza, onde os mais velhos se vão primeiro que os mais novos. Mães querem morrer primeiro por causa do imenso amor que têm pelos filhos. A lei do amor substitui a ordem natural.
Sou muito grato à minha mãe. À sua coragem. À sua sabedoria. À sua capacidade de trabalho. Ao seu respeito pelo ser humano. À sua dedicação aos mais desfavorecidos.
Ser bom e fazer o bem -- eis a definitiva religião. Essa era a vida de minha mãe e essa foi a herança que dela seus filhos recebemos.
Minha mãe era imensamente rica. Os bens de minha mãe era seu bem, sua bondade. E isso é algo que não se põe em testamento. É algo que não se converte em números e que não se guarda em cofres. E porque minha mãe dividia seu bem com os outros, mais se multiplicava a riqueza sua.
Dona Carlinda -- linda até no nome -- se doava toda aos filhos. Até na doença que simultaneamente a levou à terra e a elevou aos céus. Certa noite, como quem conta um segredo e dá uma lição, ela disse, cabeça recostada ao meu ombro: “Meu filho, se eu fosse chorar as dores que sinto, ninguém dormiria nesta casa. É preciso resistir.”
Sou o mais velho dos cinco filhos de mamãe. E, igual a ela, que ajudou a criar seus outros quatro irmãos, também se repetiu em mim, como arrimo e carma, a missão de auxiliar na condução de seus outros quatro filhos, meus irmãos Cláudia Sanches, Carlos Magno, Julio Cesar Sanches e Wendel Sanches (os nomes são referência à atriz tunisino-italiana Claudia Cardinale, a dois imperadores romanos e ao ex-goleiro do Botafogo, embora minha mãe fosse vascaína, pois em casa reinava também a democracia esportiva).
O bom humor da minha família – ainda lembro de minhas tias Isabel e Luíza e os tios Raimundo João Gama e José Lourenço juntos... – é algo muito especial, e com minha mãe então... Tanto que, quando ela faleceu, seu Manoel (o “papai velho”, meu avô), não durou muito e morreu também, dizem que de desgosto pela perda da filha primogênita.
Cresci e fui ficando mais velho observando e absorvendo os modos e os medos de minha mãe. Os modos -- o jeito de ser, de ser consigo, de ser com os outros. Os medos -- “só dos castigos de Deus”.
Cresci e fui ficando mais velho buscando o que realmente vale a pena na vida. Não louvo a pobreza, mas não me encanto com o que o vulgo chama de riqueza.
Aprendi a conviver com pouco sem ter inveja do que tem o outro.
Aprendi a buscar o reino que não é deste – mas que começa neste -- mundo.
Eis o que importa: fortalecer a fé, aumentar o círculo de amizades, e dividir o pão da matéria, do conhecimento e do espírito -- dividir, pois a grande representação da espiritualidade não está na cruz, mas na partilha.
No cemitério Campo da Saudade, em Imperatriz, Dona Carlinda deu-se em último ato de repartição: ela entregou-se e integrou-se à terra de onde divinamente veio. O eterno retorno.
Verdadeiramente, minha mãe não está na sepultura. Ela renasce continuamente dentro de nós, seus filhos, familiares e amigos. Todos estamos grávidos de minha mãe.
Nessa inversão de papéis (a mãe sendo gestada pelos filhos), cumpre-se a profecia: a roda grande dentro da menor. Mente, alma e coração estão repletos do grande espírito materno.
E ao sentir a presença de minha mãe em mim, a paz que se faz -- depois de lágrimas e oração – é a que se poderia ter caso hoje fosse o dia de voltar ao ventre, onde minha mãe me abraça da forma mais íntima possível, só explicável pelos mistérios da Criação.
Ao longe, ouço a voz alegre de minha mãe menina, me ninando. Me mimando. Me amando.
Mãe: apesar dos anos, sua falta ainda faz chover muito dentro de mim.
A bênção, mãe.
EDMILSON SANCHES
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Para Carlinda Orlanda Sanches, que disse: "Os móveis do meu filho são livros"
AUSÊNCIA PRESENTE
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Minha mãe nem chegou aos 50 anos. Alguém lá em cima sentenciou que precisava dela. Sabia que poderia contar com.
Aqui na terra, a energia, o conhecimento e bondade de minha mãe sempre estiveram mais a serviço dos outros do que de si mesma. Mal de família ou herança divina.
Era curioso observar como pessoas necessitadas passavam direto pelas casas das ruas em que moramos e estacionavam frente à nossa. Era como se a antena que cada um de nós carregamos sintonizasse o sinal positivo que irradiava dali de dentro.
Quando voltava do serviço, mãe dizia:
"– Filho, aquelas roupas assim, aquelas coisas assado, dei a uma família cheia de necessidades que passou por aqui."
Isso fora alimentos, remédios (conhecia muito sobre medicina doméstica), "um dinheirinho" e frequentemente orientações, conselhos, a palavra amiga, desinteressada.
Quantas vezes, no meio da madrugada, pessoas com dores, mulheres em trabalho de parto, idosos que acidentalmente tiveram queimada a pele inteira, crianças chorando desbragadamente e pais desorientados sem saber o que era e o que fazer...
Quantas vezes as orientações de minha mãe para aquela mãe de primeira vida...
Quantas vezes tudo isso e muito mais e Dona Carlinda (linda até no nome) era chamada para o aconselhamento honesto e correto, as primeiras e mais urgentes providências até o encaminhamento ao médico, que ela, pressurosa, logo recomendava ou providenciava.
Para muita gente, era "Deus no céu e Dona Carlinda na terra".
Desde que Deus a levou, começo a acreditar que para o céu vão também almas carentes, aflitas, desesperadas, e que continuam assim, embora no Paraíso.
Talvez o céu não seja esse paraíso. Penso isso porque senão não tinha sentido a mãe ser levada lá pro Alto assim tão jovem. Dona Carlinda não sabia fazer outra coisa senão o bem para o próximo, para o distante, para os amigos e principalmente para desconhecidos.
De modo que, se não tem gente no Céu passando dificuldades, é bom o Todo-Poderoso cometer um daqueles milagres que Ele faz com tanta facilidade e devolver logo minha mãe aqui pra terra, vivinha da silva. Tem muita gente precisando dela. Inclusive nós, seus filhos.
Perdão, Deus, por falar de coisas que não sei como são.
Desculpa, mãe, importunar a senhora aí em cima.
Seu filho pede desculpas, e a bênção.
Edmilson.
IV
O OLHAR DE MINHA MÃE
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Eu caminhava mais uma vez por São Paulo, olhando sem enxergar, ouvindo sem escutar.
Mais uma vez eu tinha trazido minha mãe, Dª Carlinda, para um hospital altamente especializado em doenças do fígado (hepatopatias).
Quando minha mãe me dizia “Meu filho, estou sentindo gosto de sangue na boca” tudo se transformava, a família toda se mobilizava: passagens de avião, justificativas de ausência no local de trabalho, divisão de tarefas para os filhos (meus irmãos) que ficavam etc. etc.
Minha mãe era uma heroína. Sofria de uma doença rara, à época de menos de quarenta casos no mundo -- uma tal de colangite primária, irreversível, fatal.
Suportar o que minha mãe suportou por puro amor aos filhos é algo só de mãe. Às vezes ela dizia:
“– Meu filho, se eu for gritar as dores que sinto, ninguém dorme nesta casa”.
Ah, minha mãe!...
Essas lembranças e tantas outras mais me vinham naquelas manhãs e tardes e noites em que eu caminhava pela capital paulista, como recorrente e noctívago “globe-trotter”.
Eu só podia visitar minha mãe na UTI por poucos minutos, ao meio-dia e às 7h da noite. Antes da permissão para adentrar a enorme UTI, cheia de pessoas entubadas, pequenos sons e luzes brilhando dos mostradores dos sofisticados equipamentos, antes de adentrarmos essa ilha de sobrevivência, lotada de pacientes, aparelhos, médicos e enfermeiros intensivistas, todos os parentes dos doentes passavam por um duro, um dramático, um indesejável momento: aguardar a atualização da lista de doentes da UTI.
Nessa lista, os nomes dos internados vinham com palavras que iam de “ESTÁVEL” a “ÓBITO”. Quando alguém falecia, todos os que aguardavam na antessala da UTI se dirigiam até os parentes do morto e os abraçavam, pesarosa e irmãmente, tal o sentimento de fraternidade que todos desenvolviam ali, uns em relação aos outros.
Naquela vez entrei na UTI e já fui até minha mãe. Logo seu olhar vivo e brilhante me reconheceu. Mas os tubos a impediam de falar. Estava tão miúda e frágil minha mãe!...
Peguei sua mão direita entre as minhas e comecei a falar, a fazer perguntas, a contar como estavam meus irmãos menores, a dizer-lhe palavras positivas e repassar-lhe as esperanças de todos, familiares e amigos, em sua recuperação.
De repente, percebo o olhar de minha mãe mais vívido, como se quisesse falar. Sabe aquele olhar, aquele jeito, aquela sensação, os olhos querendo dizer algo?
Comecei a perguntar a minha mãe o que era: Queria que chamasse um médico? Uma enfermeira? Não sei que outras perguntas fiz, tantas as que devem ter saído de mim aflito, angustiado...
E chegou o final da visita. Deixei a mão de minha mãe e pude ver seu olhar que continuava a querer me dizer algo. Ela sabia que eu iria ficar preocupado o tempo todo e talvez quisesse me acalmar -- essas coisas de mãe, que abdica da própria dor para não permitir que um filho sofra...
Fui saindo da Unidade de Terapia Intensiva do grande hospital paulistano e ainda me voltei para o leito de minha mãe, a ponto de alcançar um último olhar, como a dizer... o quê? O que minha mãe queria dizer, contar, transmitir? Ah insensibilidade filial, que não sabe perceber em vida o verdadeiro valor e sentimento que de tantas formas são comunicados pela mãe!...
Naquele dia e por causa daquele olhar o mundo deixou de ter sentido. Sem ter o que fazer (estava ali por minha mãe), caminhava repetidamente do começo ao fim a Avenida Paulista. Descia por um lado e subia pelo outro.
Lojas... bancos... o Shopping Avenida... o MASP... o Memorial da América Latina... um parque de árvores e bancos de sentar... lojas... empresas... bancos...
Fui dormir a noite dos insones e dos zumbis. Só pensava e só via o olhar de minha mãe. E se ela morresse justo naquela noite?
O que ela me queria dizer?
Que derradeiro recado queria dar?
Que último desejo gostaria de expressar?
Que recomendação final nos quereria transmitir?
Ah, meu Deus!...
Dentro de meu cérebro e em meu corpo, alma e mente se intranquilizavam...
Foi uma noite longa... Longa e horrível.
Mas, pela graça de Deus, minha mãe e eu superamos aquela noite. E outras. Até que, apesar de debilitada (a doença é incurável), deram-lhe alta e eu a trouxe de volta para casa. Os voos faziam muito mal para ela, mas não havia opção: por terra o desgaste seria maior. Então, dos males...
Em casa, certo dia, converso com minha mãe e faço a pergunta sobre o que tanto me inquietava:
“– Mamãe, naquele dia, eu percebi que a senhora queria me dizer alguma coisa. Fiquei muito preocupado, mãe. O que era? A senhora se lembra?”
A resposta foi uma graça -- e, egoisticamente, um alívio: eu deixara de ser Atlas e descarreguei o peso do mundo de sobre os ombros. Mamãe respondeu:
“– Oh meu filho!... Claro que eu lembro! Sua mãe está é doente, e não doida. Meu filho, não era nada grave. Apenas você, na sua aflição, ao conversar comigo, estava sem saber apertando muito minha mão...”
Olhei mais uma vez as mãos de minha mãe, finas, magras da doença e as acariciei amorosamente.
Você nem imagina o tamanho do abraço que dei em minha mãe...
Tão demorado e intenso que parecia uma enorme vontade de voltar para dentro dela...
... e, mais uma vez, ser abraçado e protegido pelo seu ventre...
EDMILSON SANCHES.
Um quinto texto:
O que um lápis tem a ver com a Vida?
UMA MÃE, UM FILHO
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Não sou candidato a santo, não estou em busca de carimbar passaporte para o céu, mas, em termos de Política e de Gestão Pública (com letras maiúsculas), em termos de Vida e do Ofício de viver, não abdico do direito de permanecer maximamente correto -- e isto, de algum modo, tem a ver com os padrões de seriedade que Dª Carlinda Orlanda Sanches, minha mãe, pregava e dos quais se orgulhava (ela faleceu aos 49 anos).
Na infância, em Caxias, quando eu chegava em casa da escola (o Coelho Netto, do Dr. Marcello Thadeu de Assumpção, e o Duque de Caxias (ou Bandeirante, lá no Morro do Alecrim), minha mãe examinava o material escolar e perguntava:
"– De quem é esse lápis?"
"– Encontrei no caminho da escola, mamãe".
"– Pois amanhã meu filho o devolve para a professora ou diretora, pois alguém o perdeu. E não faça sua mãe ir lá para saber se você devolveu ou não. Sua mãe é pobre mas tem condição de comprar um lápis, se precisar."
E ela concluía, simples e magistralmente:
"– Meu filho, o que é seu é seu, o que é dos outros é dos outros."
Além do dia e da noite, e uma enorme saudade, foi essa a herança que minha mãe deixou. Devo ter meus momentos de "deseducação", mas eles não fazem parte, não derivam do legado de Dona Carlinda. Minha mãe, formada na Escola da Vida, era mestra em "Criação", onde as disciplinas básicas eram "Temor a Deus", "Respeito aos Mais Velhos" e "Obediência aos Pais".
Educação, aprende-se em casa -- e pratica-se, ou não, nas ruas da vida.
Ética. Bons modos. Respeito. Não ser bandido.
Ao lembrar de minha mãe, meu tempo muda...
... E chove muito dentro de mim...
* EDMILSON SANCHES.
Fotos:
Dª Carlinda Orlanda Sanches em três momentos, e o filho Edmilson, quando criança e adulto.