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Há 4 anos… Francisco Melo Filho, o Chico da Banca*

– Um homem comum como ponto comum de membros de uma Confraria de amigos para encontros e debates

– A origem das bancas de jornais e revistas no Brasil

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Ele era um homem comum e o ponto comum, a referência para os membros de uma Confraria de amigos que em plena praça pública, uma ágora do século XXI, se encontravam e debatiam, inclusive – e sobretudo – política e futebol.

Francisco Melo Filho, o Chico da Banca, 54 anos, torcedor do Flamengo, faleceu há quatro anos, na manhã de um domingo, 28 de junho de 2020, no Hospital Municipal de Imperatriz (Socorrão). Quase três semanas antes, no dia 10 de junho, na antiga Rua 15 de Novembro (atualmente, Avenida Frei Manoel Procópio), ele havia se acidentado com sua moto. Foi internado. Foi submetido à cirurgia. Estava em Unidade de Tratamento Intensivo (UTI). Mas o acidente resultara em quebra de uma das pernas em três lugares e pancada forte no crânio. A isso se juntaram outras questões de saúde, entre as quais diabetes, hipertensão e problemas no coração. Ocorreu infecção generalizada. Resultado: os esforços dos médicos e do paciente para reverter a situação não foram suficientes. O imperatrizense Francisco Melo Filho, o Chico da Banca, passa para sempre a ser História, com registros na Imprensa que ele, em seu ofício, ajudava a manter e divulgar.

Atendendo à solicitação, a área de Saúde da Prefeitura de Imperatriz autorizou, observados os necessários cuidados vigentes e exigidos à época, o velório do corpo do Chico em frente à sua banca de jornais e revistas e em plena Praça de Fátima, ligada à paróquia de mesmo nome, onde está a catedral e a sede da Diocese da Igreja Católica em Imperatriz.

Ultimamente, em razão do acidente e internação, uma filha do Francisco é quem substituía o pai – que ela sabia ser insubstituível naquele mister e mistério de, em volta de sua banca, ser o catalisador do ajuntamento de pessoas de diferentes atividades (políticos, empresários, intelectuais, patrões e empregados, assessores e assessorados etc.). Membros desse grupo disforme-multiforme “assinavam o ponto” todo dia, em menor número, um ou outro às vezes, mas, nos fins de semana, sábados e domingos, a frequência era maior, o alarido das conversas, as risadas, em ondas, espraiavam-se por aquele pequeno trecho da Avenida Getúlio Vargas e pela Praça de Fátima, onde o móvel metálico da banca estava fixado.

Já estava em sua segunda década a comemoração de fim de ano que ali se realizava. Espontaneamente, amigos e conhecidos do Chico da Banca, que até já haviam doado para a praça bancos novos, de qualidade, também traziam bebidas e carnes e churrasqueira e, sobretudo, a alegria de rever “figuras”, especialmente da política local e estadual, sem nenhum risco de haver confrontos, embora um ou outro safanão já havido em priscas eras. Nos últimos tempos, o respeito ao “ecumenismo ideológico” era mantido, seja pela personalidade “forte” do Chico, seja pela adultez dos presentes, que sabiam que ali se debatia sem bater. Todos eram bem-vindos à confraria do Chico, de esquerda ou de direita (seja lá o que isso ainda seja, hoje, pois se sabe muito bem de caráter e de interesses que jazem por trás das caras cínicas e “santas” dos que estiveram ou estão no Poder).

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Chico da Banca era o responsável pelo mais conhecido e mais movimentado ponto de venda de jornais, revistas e conveniências.

A uma banca de jornais e revistas pessoas comparecem para comprar informação. Em Imperatriz, à Banca do Chico muitos iam para “dar” informações, expressar opiniões, fazer gozações...

No nome “Banca do Chico” o mais importante era o “Chico”. A “banca” era tão só o “ponto”, a referência. Quando os frequentadores mais assíduos pegavam alguma publicação (jornal, revista...) era por passageira curiosidade, ou para reforçar um argumento em uma conversa que acabara de “pegar fogo” acerca de um assunto mais atual, com certeza político. Como mais de uma vez ele me disse: “– Dos que vêm aqui, você é provavelmente o maior cliente pessoal”.

Conheci o Chico na década de 1970. Eu era mais ou menos recém-chegado à cidade e ali, na Praça de Fátima, a poucos metros da banca, eu e outros colegas bancários e amigos havíamos alugado uma grande casa, que foi transformado nesse ajuntamento de machos chamado “república”... O imóvel fora a antiga residência de um conhecido agropecuarista Domingos Rodrigues – que, por muito tempo, foi meu companheiro de Rotary Club, ali na antiga Rua 15 de Novembro, região histórica, onde Imperatriz foi fundada e por onde deu os primeiros passos rumo a seu majestoso desenvolvimento, inicialmente com a ajuda do Rio Tocantins, ali ao lado, por onde se mandavam e por onde mais se recebiam produtos.

Tornei-me “habitué” da banca, não necessariamente de seus ajuntamentos de pessoas. Em muitos casos, os papéis impressos ainda tinham mais a dizer – embora não tivessem a alegria e espontaneidade dos conhecidos participantes da confraria franciscana.

Ante minha assiduidade, o Chico falava-me das dificuldades – eventualmente, de saúde, e, mais frequentemente, de trabalho. Desde a adolescência, ele vivia naquele e daquele ofício. Décadas depois, com direitos a receber, estava negociando a transferência da banca e do ponto para seu nome. O “patrão” – à época, a Distribuidora Maranhão-Piauí de Revistas Ltda. (Dimapi), já fora de atividade –, como quase todo patrão, por seus prepostos locais, impunham obstáculos ou condições draconianas... mas as conversas avançavam... Menos mal.

Até um tempo atrás, eu não sabia se haviam se encerrado as negociações, mas vi que, desde 24 de fevereiro de 2016, quatro anos e quatro meses antes de sua morte, Francisco Melo Filho tornara-se a razão social, ou seja, o nome legal da “Banca do Chico”, com número de CNPJ – Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica 24.238.555/0001-34 e CNAE – Classificação Nacional das Atividades Econômicas 4761-0/02, na atividade “Comércio Varejista de Jornais e Revistas”.

Portanto, o Chico era uma pessoa legal, na atividade comercial e na amizade. Era o adulto oficializando o que fazia há 40 anos, o que, por sua vez, era uma continuação do que gostava de fazer na infância: ler e trocar livros e revistas de histórias em quadrinhos em frente à entrada do Cine Marabá, na Avenida Getúlio Vargas, esquina com Rua Amazonas, em Imperatriz. Coincidentemente, nessa mesma avenida e três quarteirões antes do cinema, estava implantada, há décadas, a “Banca do Chico”, que, nos documentos, tinha o número 1 como endereço na grande avenida – número que deve ter sido um inofensivo lapso ou liberalidade, já que a Banca não está no começo daquele logradouro público (a agência do Banco da Amazônia, dois quarteirões antes da banca, tem o número 404).

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A atividade profissional de pessoas como o Chico da Banca vive, como outras, tempos difíceis. A banca de jornais e revistas é um dos mais simbólicos e, anteriormente, um dos mais fortes elos, hífen, traço de união entre quem produz conteúdos / informações / notícias e aqueles aos quais tudo isso se destina – o leitor. Com jornais, revistas e até livros e bibliotecas inteiras chegando gratuitamente e rapidamente a qualquer momento, em qualquer ligar, à palma da mão, via “smartphone”, não parece fazer sentido comprar suportes físicos, impressos, pesados, acumuladores de poeira e ácaros e ocupadores de espaços em casas e escritórios...

A essa instantaneidade e gratuidade nas informações pelo celular some-se a proverbial falta de hábito de leitura do povo brasileiro e, muito importante, a falta de condições financeiras para consumir informações em forma de livros, jornais, revistas etc. Uma informação de há muitos anos a que tive acesso, publicada no “Atlas do Mercado Brasileiro”, do jornal paulista “Gazeta Mercantil”, revelava, em números, que, em Imperatriz, se gastava mais com papel higiênico ou com cabeleireiros do que com livros, jornais e revistas... Nada de estranhar: as pessoas escolhem como querem “fazer a cabeça” ou limpar... a mente.

Jornaleiros sempre foram servidores públicos – desde 1858, quando, no Brasil, escravos anunciavam as manchetes e títulos de matérias do jornal “A Atualidade”, no Rio de Janeiro. Depois, na primeira década dos anos 1900, um italiano, Carmine Labanca, juntou uns caixotes uns sobre os outros, colocou um estrado por cima e sobre ele espalhou exemplares dos jornais do dia, para venda. (Atribui-se, para mim indevidamente, o nome “banca” ao sobrenome desse imigrante; mas a palavra “banca”, que é de origem italiana, tem, em Português, pelo menos 400 anos de existência, pois foi registrada a primeira vez em nosso idioma no ano de 1619). Nas décadas de 1920 e 1930, os vendedores de jornais aperfeiçoaram o negócio e passaram a ter estantes e, depois, quiosques feitos de madeira. As bancas foram melhorando de material e de aparência e diversificando os produtos que vendiam.

As bancas metálicas e fixas, como aquela a que o Chico da Banca tanto se entregou e se integrou, a ponto de, com seu nome, ela ser ele e ele ser ela, bancas assim, bem melhores, muuuuuito melhores que suas ancestrais, são mais recentes e mais seguras  --  só na primeira metade da década de 1980 a cidade de São Paulo (SP) cuidaria de, legalmente, tratar de ter bancas fixadas inamovivelmente ao chão, pois, até ali, durante a noite ladrões roubavam bancas inteiras... (Certamente não eram bandidos ansiosos por leituras, curiosos pelas manchetes – afinal gratuitas, visíveis – dos jornais diários ou sequiosos pelas grandes reportagens das revistas semanais e mensais ou pela última página com as presepadas d’O Amigo da Onça, personagem e “cartoon” imortal do talentoso cartunista nordestino Péricles de Andrade Maranhão [1924-1961], na revista “O Cruzeiro”).

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Chico da Banca tinha mais amigos em seu coração que produtos em sua banca – estes ele queria vender; aqueles, não era para (se) comprar...

Chico foi tema de matérias em jornais e também com passagem em textos acadêmicos,  como em “Aqui Imperatriz!: perfis de pessoas comuns no jornal ‘Correio Popular’”, do professor Alexandre Zarate Maciel, da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), apresentado no 13º Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste, em Maceió (AL), de 15 a 17 de junho de 2011, realizado pela Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação.

Em seu sepultamento, em vez de uma bandeira (da cidade, do Estado, do país)... em vez de uma flâmula (de um time de futebol, de uma torcida organizada...)... no enterro do Chico da Banca, em vez de uma peça de tecido, devia-se pôr sobre o caixão as folhas abertas de um jornal...

A Eternidade agora é sua, Amigo.

Descanse.

* EDMILSON SANCHES

FOTOS:

1) Chico da Banca (à esquerda) e o coronel Edeílson Carvalho, que foi meu aluno em curso na Universidade Estadual do Maranhão; 2) Chico entrando em sua banca; 3 e 4) Movimentação em frente à banca, nos fins de semana.