Pelos Correios chegou-me singelo documento – “Certificado de Reconhecimento” – emitido, assinado e enviado pelo representante do Unicef no Brasil, Sr. Youssouf Abdel-Jeijl. Ele está há quase 30 anos no Unicef e trabalhou em países como Estados Unidos e, no Oriente Médio, Burundi, Gabão, Jordânia...
Mestre em Economia e Desenvolvimento pela Universidade de Cambridge (Reino Unido) e mestre em Administração Governamental pela Universidade da Pensilvânia (Estados Unidos), Youssouf Ould Abdel-Jeijl nasceu na República da Mauritânia (África), país de um outro mauritano que conheci, o Idoumou Abderrahmane, filho do à época vice-presidente daquela República e que estava no Brasil desenvolvendo conhecimentos e habilidades militares na Marinha do Brasil. (Idoumou é hoje bem-sucedido executivo de empresa de turismo que ele fundou na Mauritânia. Fui apresentado a ele por nosso amigo comum Junio Lima Dantas, um brasileiro que há décadas é um destacado empreendedor e inovador na área de Informática e Tecnologia, criador e CEO de empresas como ITAG Paraguay, ICON Technologies e Zadock Technology, além de diretor da Câmara de Comércio Paraguai-Brasil e líder do Comitê de Atração de Investimentos e Relações Internacionais do Club de Executivos do Paraguai).
Fluente em árabe, inglês, francês e espanhol e já com algum domínio do português, o Sr. Youssouf precisou de uma cartinha de menos de meia dúzia de parágrafos e 23 linhas para expressar “uma demonstração do nosso reconhecimento ao seu apoio e generosa contribuição”. A correspondência convida para “celebrar esse marco juntos!” e, com “satisfação”, comunica “que você [eu] vem ajudando a mudar algumas realidades muito difíceis no Brasil e no mundo”. Refere-se às “ações e projetos que garantem educação, saúde e proteção para meninos e meninas, e que chegam aos locais mais distantes” – no caso do Brasil, até agora, uns 80% dos municípios da Amazônia e do Semiárido e em mais 15 capitais.
Como sabe você, Unicef é a sigla inglesa para Fundo das Nações Unidas para a Infância, a agência da ONU (Organização das Nações Unidas), sediada em Nova York (Estados Unidos), que é responsável pelo fornecimento de recursos humanitários e de desenvolvimento que há 78 anos ajudam crianças e adolescentes em 192 países, praticamente o mundo todo.
Mas não apenas crianças e adolescentes – até porque, antes das meninas e dos meninos abandonados, desassistidos, sofridos, houve ou há famílias vítimas de semelhante abandono, desassistência, sofrimento..
Assim, ou por isso, o Unicef, em diversas atividades, também cuida de mães doentes, desnutridas – afinal, são elas, mães, as principais responsáveis pela condução das crianças rumo a um futuro no mínimo não indigno. Portanto, mãe saudável, alimentada, é sinônimo de filho mais bem cuidado.
No 11 de dezembro deste 2024 o Unicef completou 78 anos. Fundado em 1946, a agência caminha para, daqui a dois anos, completar 80 anos fazendo a melhor diferença para pessoas e, por via de consequência, para o mundo em que todos habitamos – mundo que, ainda e lamentavelmente, aguarda por uma maior partilha de muitos para uma melhor alimentação e saúde de crianças e mães em todo o planeta.
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Essa inesperada distinção do Unicef trouxe-me à memória o que, também voluntariamente, eu vi no Ceará. Trabalhei e morei anos em Fortaleza. Eu autorizei que todo mês fosse descontada de meu pagamento uma contribuição para o Instituto de Prevenção à Desnutrição e Excepcionalidade (IPREDE), uma ONG cearense criada em 1986, na capital cearense.
Os recursos dos doadores do IPREDE eram utilizados para, à semelhança das atividades do Unicef, “a saúde e o desenvolvimento da criança e da mulher, bem como a assistência alimentar dentro e fora da nossa casa”.
Em meados da década de 1990, a modelo e apresentadora de TV Xuxa Meneghel esteve pelo menos duas ou três vezes em Fortaleza. Foram tiradas fotos dela com criança macérrima e, tempos depois, com essa mesma criança muito bem nutrida. Como afirma em poema Gonçalves Dias: “Meninos, eu vi!”
Uma das receitas ou um dos ingredientes milagrosos da época, que recuperou a saúde e deu corpo à anterior criança esquelética, teria sido o aproveitamento de cascas de ovos e de bananas, que integrariam um composto alimentício tido como “santo remédio”. Como o sabem os “mais velhos”, se cascas são camadas que envolvem e protegem vegetais e ovos e as sementes trazem grávidas em si a futura planta e seus frutos, disso deduz-se que cascas e sementes são fortes, resistentes, ricas nutricionalmente. Deste modo, por que não aproveitá-las e a essa sua força alimentar, utilizando-as nas devidas maneiras e com os devidos modos e cuidados que os especialistas recomendarem?
Da mesma forma, anos e anos depois, vi uma irmã missionária e médica italiana elaborar uma “mistura” dessas “coisas” que em geral jogamos fora, não aproveitamos na cozinha. Foi em Imperatriz, no Maranhão. Como a missionária e médica não teve, segundo contavam, revalidado seu diploma de Medicina, eu e alguns poucos nos cotizamos para mensalmente assumir o custo da mensalidade de curso superior de Farmácia e Bioquímica que a religiosa e médica italiana estava fazendo, para que, após formada, ela tivesse cobertura científica, técnica e, sobretudo, legal para continuar formulando os compostos alimentares e até assinar receitas, no limite da nova formação acadêmica.
A esse meu voluntarismo pessoal em diversos, mas, em especial, nesses três casos – Fortaleza, Imperatriz, Caxias –, somam-se meu inconformismo, minha perplexidade, a não aceitação dos gigantescos, obscenos, indesculpáveis números do desperdício de alimentos, no mundo e no Brasil.
Em nosso País, a ONU afirma que cada brasileiro joga fora, por ano, uma média de 41 kg de comida – portanto, quando chega 31 de dezembro, o Brasil inteiro jogou no lixo injustificáveis 27 milhões de toneladas de alimentos, diz o portal G1, do Grupo Globo, em setembro deste 2024.
Citando dados do IBGE (Instituto Brasileiros de Geografia e Estatística, órgão do Governo Federal), o “site” Food Safety revelava, em julho de 2023, que o Brasil desperdiçava 46 milhões de toneladas de alimentos, o correspondente à terça parte (30%) de tudo o que se produzia no País. Em valor da época, esse desperdício somava todo ano estratosféricos R$ 61 bilhões e 300 milhões e nos colocava entre os dez países que mais joga comida fora. O “site” do Senado Federal, em setembro de 2024, também confirma esses números e valor.
Com essa criminosa imoralidade de os políticos bandidos e os bandidos políticos e Poderes instituídos estarem comendo o País por um lado, mais o desperdício arrombando as pessoas pelo outro, o que, ao final, vai sobrar?
Se as crianças são o futuro do País, quem vai alimentar – adequadamente – esse futuro?
Alguém aí está preocupado com o leite das crianças?
* EDMILSON SANCHES