De longe acompanhamos a queda do Gigante. Ele estava no seu gabinete de trabalho. Escrevia o seu artigo. Sentiu-se mal. Levaram-no para a Casa de Saúde Dr. Eiras. A dormência que sentiu no braço direito era o começo da terrível moléstia que o iria prender, depois, numa cadeira de molas. Mas ele reagiu ao primeiro golpe do adversário, este que vence sempre a todas as resistências.
Com os médicos, a desconfiança de que ele fora vítima de derrame cerebral. Mas, com ele, a sua coragem de não ceder. Não aceitar o diagnóstico da prudência. Com ele, a fibra do jornalista combativo. Com ele, seus impulsos, sua luta, suas conquistas, suas responsabilidades. Não. Não poderia aceitar a interrupção. E recomeçou a sua tarefa, reiniciou o seu trabalho. Voltou a escrever os seus artigos.
E veio a recaída. Perdeu os sentidos. E, diante do corpo no esquecimento de si mesmo, seus médicos, seus amigos. Seu estado de saúde agravou-se. Não escaparia. Chegou a ser desenganado. Era questão de momentos. Lágrimas nos olhos de todos, tristeza no coração de todos. Recebeu a extrema-unção. Mas ele venceu todas as crises. Recuperou-se. Seus olhos se reabriram para a vida. Reação física e moral. Fortalecimento do corpo e da alma. Tudo nele, agora, uma sensação de ressurgimento. Compreendeu, certamente, o milagre da sua recuperação. Seu organismo, sua vontade de continuar, de fixar-se mais na vida, afastava a cutilada final da morte. E reconheceu que não poderia mais parar. Sabia que caminhava para o fim. Mas enfrentou a fatalidade. E Chateaubriand continuou de pé. De pé na sua cadeira de molas! A posição tomada nela tinha outro sentido. Aquelas rodas seriam seus pés, a cadeira o corpo em movimento, dentro dela a fulguração intelectual, o robustecimento da cultura, a força indomável do homem que não soube nunca recuar, nem sentir temores.
E recomeçou a luta. Seus artigos voltaram para as colunas de seus jornais.
Chateaubriand continuava. E estava em toda parte. Com ele, o Brasil. Com ele, a grandiosidade do homem de imprensa. Com ele, a marca de suas iniciativas, de suas realizações. Com ele, os “Diários Associados”. Com ele, suas rádios, depois a televisão. E mais: a campanha em favor dos núcleos preparatórios aeronáuticos nos diversos pontos do Estado. Com ele, o Museu de Arte de São Paulo. Com ele, todo um tempo, a sua vida num amplo trabalho de divulgação de nossas riquezas, este Brasil que ele amava, esta terra que tinha dele uma parcela viva e extraordinária de empreendimentos.
Senador, diplomata e acadêmico da Casa de Machado de Assis. Em tudo, a presença da sua inteligência, valorização de sua cultura. Na Alemanha, duma feita, respondeu a uma saudação em alemão. Era assim Assis. Era um esbanjador de talento, de conhecimentos gerais, admiráveis.
Nenhum jornalista viajou mais que ele. E este doido lutar por terras estranhas, ele continuou sentado na sua cadeira de molas. E onde chegava, com ele, chegava a Pátria. Com ele, este Brasil que só se ama uma vez. Ninguém lhe poderá negar isto. Ninguém. Nem os seus mais ferrenhos inimigos. Não importa as suas tendências políticas. O material utilizado para as suas conquistas e para enfrentar os seus adversários. Não. Chateaubriand nasceu aqui, na Paraíba. Conhecia os homens, suas manhas, suas perfídias, suas franquezas. Sabia-os de cor. Mas o que está intocável é a sua personalidade intelectual sua força de inteligência, sua grande capacidade de trabalho. Uma vida na vida do Brasil, sentida por todos, compreendida por todos e elogiada por todos.
Esteve aqui. Conheceu a terra e seus homens, sua história e suas tradições. Tinha o Maranhão nas suas lembranças. Uma vida na boêmia do espírito. Conheceu Nascimento Moraes aqui. O Mestre lhe deixou nítidas impressões, e ele escreveu um artigo sobre o jornalista maranhense. Em 1944, estávamos trabalhando em “O Jornal”, o primeiro dos “Diários Associados”. Dentro de nós, a alegria íntima: ver Chateaubriand. Não sabemos se ele sabia da nossa presença no quadro redacional do matutino. Não. Não sabemos. Mas um dia, pela parte da tarde, Chateaubriand entra na redação. Vimo-o de longe. E ele passou. Passos rápidos e dirigia-se para o seu gabinete de trabalho. Doutra vez, na Avenida Rio Branco, tentava pegar uma condução. E nunca mais o olhamos. Mas, dele, guardamos sempre íntimas lembranças: sua vida na imprensa.
Morreu o Mestre. Não sabemos chorar. Mas sabemos sentir a ausência daqueles que, pela cultura e pelo talento, pelo trabalho e pelo idealismo, sempre fazem um muito ou um pouco pelo engrandecimento deste Brasil ainda atormentado e aflito.
Esta é a nossa homenagem ao Gigante da Imprensa Nacional.
* Paulo Nascimento Moraes. “A Volta do Boêmio” (inédito) – “Jornal do Dia”, 9 de abril de 1968 (terça-feira).