Skip to content

Lembrando papai… LEMBRANDO JOSÉ SILVA*

Quando ele fechou os olhos para a vida e os abria para a ETERNIDADE, eu afastava-me de São Luís, da nossa terra natal. Não me foi possível olhá-lo no seu caixão de pinho. Olhar o seu rosto pálido, magro, retratando o fim, indicando a sua imobilidade.

Nem soube que ele estava no leito, travando a batalha final, a última. Não. Sabia que seu estado de saúde era precário. De há muito que ele vinha definhando. De há muito que ele vinha se libertando, fugindo, escapando da presença dos amigos, dos parentes, dos companheiros.

Mas, talvez, até não estivesse compreendendo esse afastamento.  Talvez, teimasse em não aceitar a tremenda realidade que já o cercava, que já o prevenira. Talvez, não quisesse acreditar. Mas estava doente. O coração vinha trabalhando mal, funcionando com dificuldade. O organismo cambaleando.

Mas, assim mesmo, José Silva resistia, vivia, estava na luta, estava no trabalho, Um homem bom, uma vida limpa, uma inteligência viva.

Muitos anos... não nos conhecíamos. Um dia, nós  nos conhecemos. Nunca mais nos desencontramos. Uma afinidade entre nós: a alegria de viver, de sentir a vida no que ela tem de encantamento do espírito.

José Silva era um boêmio. Irmão de Custodinho, ele também era um “artista do violão”. Solava. Cuidadoso. Tinha alma. Expressão. Sentimento. Um enamorado da música.

Mas o acompanhamento é que era o “seu forte”. Todos sabiam disto. Ele também sabia! Na vida, era um trabalhador, livre. “Um pintor de parede”. E foi a tinta que causou a devastação. Depois duma intoxicação, nunca mais recuperou a saúde.

 E, junto dele, a sua alma boêmia. Uma alma profundamente sentimental. Uma vida em luta para ganhar melhor. Mas, contra ele, sempre a adversidade. Um homem, um caráter, uma existência em função da amizade, dos seus amigos, dos seus parentes. Era, assim, José Silva. Estávamos juntos sempre. Juntos nas tristezas, nas alegrias, nas horas amargas, difíceis.

Era assim. Todo um tempo assim. E, quando seu corpo era levado para o Gavião, eu estava no interior de um avião da Panair, voando para a Guanabara. Todo meu pensamento nele. Sabia que ele gostaria que eu estivesse lá, na beira do seu túmulo, dizendo alguma coisa para ele, para ele ouvir. Não foi possível.

E ele, hoje, já teve conhecimento disto. Mas aqui estou pensando nele, pensando com amor, amor estima, amor amizade, amor afeição. Amor saudade. Amor lembrança. E eu estou vendo numa sequência de recordações, de lembranças cheias de nossa boêmia, da nossa vida pelas ruas e botecos da cidade, amanhecendo nos subúrbios, nos sítios, nas tendinhas, olhando a cidade despertar, esperando a cidade dormir.

Hoje, José Silva dorme. Saiu da vida. Mas ficou conosco, seus amigos, seus companheiros, a sua presença no coração, no pensamento de cada um.

Não fui ver, ainda, a sua sepultura. Espero uma tarde. Um sol pregado lá no alto, se desfazendo em luz, morrendo em luz. Um fim de tarde, de crepúsculo, de agonia de Sol. Então, irei.

Vou parar ali alguns instantes. Depois, entrarei no primeiro bar, lá no “Último Adeus” e, com ele no coração e no pensamento, beberei uma “loura”. Gostou, seu José Silva?

Ora se gostou. E do alto, na simplicidade da sua presença amiga, ele Jesus, o Filho do Carpinteiro, para melhor guiá-lo por aqueles caminhos indefinidos... Sim, Jesus. E até logo, José Silva.

* Paulo Nascimento Moraes. “A Volta do Boêmio” (inédito) – “Jornal do Dia”, 21 de fevereiro de 1965 (domingo).