Estou diante de VÓS, olhos perdidos nas distâncias dos anos, dos séculos. Eu VOS estou olhando não no VOSSO trágico caminhar para o Calvário, o corpo em chagas, fisionomia torturada, trazendo na cabeça a ensanguentada coroa de espinhos.
No corpo indefeso, a marca dos açoites. Nos olhos, plantados neles, a expressão dolorosa duma resistência extraordinária, a fulguração maior do fortalecimento do Espírito. A fonte inesgotável de todas as resignações.
Não. Não VOS estou vendo no alto do Gólgota, na crucificação sob a assuada dos VOSSOS algozes. Não. Não VOS estou vendo na agonia da Morte sob a tormenta da sede, suportando os últimos ultrajes do VOSSO martírio. Não.
Não tão pouco lembrando as VOSSAS palavras dirigidas ao mau ladrão. Nem a VOSSA mensagem de FÉ e de CONSOLAÇÃO dirigida às mulheres, aos homens e a todas as crianças de Jerusalém.
Não. Não VOS estou relembrando no TEMPLO, expulsando os vendilhões, os contraventores da LEI, da VOSSA LEI NEM VOS estou revendo diante dos JUÍZES que VOS condenaram e nem VOS recordo com túnica vermelha com que eles VOS apresentaram diante da multidão ululante dos que VOS apupavam, atirando contra VÓS os petardos dos insultos à fúria de todas as blasfêmias.
Não. Não VOS estou recordando na VOSSA luta contra CÉSAR, contra os potentados, contra a vilania duma época de tiranos que não puderam compreender a VOSSA palavra renovadora, o VOSSO VERBO revolucionário.
Não. Eu VOS estou vendo e sentindo a VOSSA presença no milagre do VOSSO nascimento. Eu VOS estou vendo no estábulo, no VOSSO berço da manjedoura. Eu VOS estou vendo na adoração da VIRGEM MARIA e do carpinteiro JOSÉ. Eu VOS estou vendo na adoração dos Reis Magos do Oriente. No deslumbramento da NOITE HISTÓRICA, da NOITE ILUMINADA, da NOITE PRENUNCIADORA das VOSSAS alegrias e das VOSSAS tristezas.
Eu VOS estou vendo na glorificação de VOSSA inocência, VOSSA pureza, VOSSA magnitude. Em VOS, estou vendo na fulguração da VOSSA predestinação histórica. O Universo parado diante de VÓS, a Humanidade prosternada. E de todos a manifestação de todas as esperanças, de todas as crenças.
Com todos a certeza da VOSSA ajuda, da VOSSA edificante colaboração. É que, com VÓS, estava a lágrima de todos os desgraçados e prantos de todos os aflitos, a dor de todos os sofrimentos humanos; estava a palavra do perdão, estava a palavra do Amor, da renúncia que não humilha e não constrange. Estava o fortalecimento de todas as compreensões num sentido de confraternização universal. Estava a luta em bem de todos, estava a refulgência da VOSSA misericordiosidade.
Eu VOS estou olhando da VOSSA manjedoura. Tudo em VÓS grandiosidade. Mas VOS vendo assim, sinto que de tudo que ENSINASTES pouco foi seguido. Ainda HOJE os que defendem a LEI, o cumprimento do DEVER, os que lutam por um MUNDO melhor, mais humano, nas distribuições da JUSTIÇA, os que procuram ser dignos, trazem sempre no corpo a marca dos açoites dos fariseus, da HONRA e da DIGNIDADE. Trazem a marca da fúria assassina dos que se acostumaram a vilipendiar o DIREITO e a esfarrapar a JUSTIÇA.
Mas, JESUS, eu VOS estou vendo na VOSSA GRANDE NOITE DE NATAL, na simplicidade do VOSSO NASCIMENTO. E VOS estou vendo assim e creio, ainda, na VOSSA misericordiosidade e nos VOSSOS SÁBIOS ENSINAMENTOS. E VOS MANDO, nesta noite, a prece de muito que VOS AMO.
* Paulo Nascimento Moraes. “A Volta do Boêmio” (inédito) – “Jornal do Dia”, 25 de dezembro de 1963 (quarta-feira).