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Lembrando papai… O PENETRA DA EXPOSIÇÃO*

Foi Antônio Dino que o denunciou. E o fez utilizando um pouco de verve, a palavra espirituosa, a imaginação que, por vezes, provoca o suspense. Uma revelação que, a princípio, forçou aos que o ouviam refletir com dificuldade.

Houve mesmo quem pensasse que o médico maranhense iria largar, naquele espaço pequeno do edifício “Emílio Murad” onde Maia Ramos e seus companheiros iam inaugurar a sua exposição de pintura, uma destas “bombas de gás lacrimogêneo empregada tantas vezes para sufocar” os exaltados, os violentos dos governos arbitrários.

Houve quem previsse o “desabamento” duma “crise política” no setor situacionista, que se Dino aproveitaria da exposição de pintura para “pintar” um quadro realista de prevenções e atritos.

Mas não. Uma impressão apenas e que passou logo, que não teve tempo de permanecer mais instantes e que perdia os maus presságios e tomava a coloração duma denúncia sob a vibração do pensamento construtivo.

Na “acusação”, havia a identificação dum artista que estava sendo apresentado por Antônio Dino, que estava sem que ninguém soubesse na participação da amostra de arte, que fora para lá com as suas produções artísticas.

Um “penetra” conduzido pelo vice-governador de Estado. E o “suspense” deixou de existir. E, instantes depois, todos nós tínhamos a surpresa encantadora e imprevista que sensibiliza, que envolve a gente com a sua vaidade das emoções que surgem de momento e que dá a nós o exame do surpreendente que agrada, que comove.

Sim, havia mesmo a existência de um “penetra”. Um “penetra” jovem. Moço ainda. No rosto, a marca sutil desta ingenuidade que não ofende. Nos olhos, o fulgor duma vivacidade, a proclamar inteligência, talento. Tudo isto ainda muito escondido na sua alma, nos seus sentimentos mais íntimos. Um físico banhado, ainda, pelo crescimento. Tudo nele, aparência de um moço na agitação da Vida. A Vida que, para ele, tem os caminhos abertos, mas que vai exigir dele a firmeza das decisões para crescer com a força duma bravura indomável: a glorificação de sua arte!

Este “penetra” que Dino apresentou tem nome de Péricles e a sua arte é a escultura. Um jovem que não estava só, pois que lá estava outro, o pintor Garcês, este levado pelo Maia Ramos e pelo Newton Pavão. Mas estava só com a sua arte. Um escultor em começo, em desenvolvimento. Um escultor no “jardim de infância” da sua escultura. Um artista na adolescência, mas que levou uma amostra que surpreendeu a muitos e que, de muitos, mereceu uma atenção toda especial.

E os trabalhos do “penetra” e sua vaidade agradaram. Têm eles forçadas concepções do artista. Têm o vigor dos traços marcantes que dão à imagem a firmeza das formas. Sua escultura denuncia o que Péricles poderá realizar num futuro próximo.

Suas realizações mostram beleza, impressões bem nítidas, produto do seu próprio esforço, sensibilidade, não havendo nelas, sente-se o toque dos mestres corrigindo o aluno. Não. E Péricles no ateliê dos seus sonhos, seu mundo fechado, seu mundo na ânsia de libertação. Talvez com o jovem escultor ainda os seus 19 anos. Ainda com ele, agora, os traços inconfundíveis da sua vocação artística. E faz-nos lembrar de um Flory Gama ou Mauro Lima que aqui surgiram no amanhecer de lindas esperanças, que aqui floriram os seus primeiros sonhos, que aqui exaltaram com os seus primeiros trabalhos, suas esculturas, as tradições artísticas da terra maravilhosa.

O “penetra” Péricles deu o seu primeiro passo numa noite de arte, de poesia que ficará marcada na vida cultural e social da cidade, esta São Luís de Sempre!

Antônio Dino empurrou o “penetra”, e nós o consagramos com a festa, porque não dizer, das nossas esperanças. E que o “penetra” de hoje seja o grande e primoroso escultor de Amanhã.

Nesta crônica, a nossa sincera homenagem. Penetra que somos nestes difíceis e complicadíssimos conhecimentos de arte. Artes, só as entendemos quando delas nos vêm uma mensagem. E Péricles esculpiu esta mensagem nos seus trabalhos e iluminou um cantinho da exposição de pinturas de Maia Ramos, Pavão e Garcês.

* Paulo Nascimento Moraes. “A Volta do Boêmio” (inédito) – “Jornal do Dia”, 16 de dezembro de 1966 (sexta-feira).