Mais algumas horas e o eleitorado estará nas ruas, “rota batida” para os locais de votação. Instantes mais, estará diante das urnas colocando o voto, o voto que vai eleger muita gente. O voto revoltado, limpo, branco. Haverá, ainda, o voto rabiscado com a violência duma mensagem insultuosa, irreverente. O voto democrático, sério, concentrado, assegurando a preferência para os candidatos escolhidos.
Dentre de algumas horas, a caminhada dos eleitores. Um silêncio na cidade. Um silêncio por toda a parte. Com os candidatos. as suas esperanças. Com os candidatos, as suas apreensões. Com os candidatos, as suas incertezas.
Com os que vão votar, pensamos, desta vez, não haverá muito entusiasmo. Um voto depositado à força, à muque. Um voto depositado sob a pressão dos constrangimentos mais íntimos. Um voto empurrado. Um voto obrigado. Um voto largado na boca da urna sob o domínio das mais íntimas revoltas. Ninguém votando com idealismo. Ninguém votando com entusiasmo. Ninguém votando com entusiasmo.
Um voto contrariado. Um voto consentido. Exigido pela Lei. Um voto que não traduzirá a alegria do votante. E, na maioria, um votante da área contaminada pela fome, pela insatisfação.
Com muitos eleitos, haverá a douda preocupação de não demorar muito, de voltar logo para casa. Em casa, teria ficado o problema da alimentação. O problema do aluguel de casa. O problema da infância. Muitas pensando nos filhos. No problema doméstico. Muitos aflitos, desesperados. Muitos pensando onde ir arrumar o dinheiro para a despesa. Uma despesa pobre. Dinheiro para pagar dois mil cruzeiros por um quilo de carne com osso!
Não será outra a paisagem. Um eleitorado confuso. Um eleitorado que ficou fora da sucessão presidencial. Fora da consulta popular. Um eleitorado chocado, de difícil identificação. Será assim a impressão que vai ficar. Mas haverá a votação livre!
Não haverá pressão dos cabos eleitorais. Não haverá a pressão da oferta criminosa. Não haverá o funcionamento do “mercadinho do voto” à porta dos locais onde vai processar-se a cerimônia cívica do voto democrático. Não haverá a pressão dos “contraventores” pedindo na hora, nos recintos fechados, que vote em fulano, em beltrano. Não. Desta vez, não haverá a chantagem eleitoral. Não haverá a instalação de “balcão do voto”, instalado nas aproximações donde se vai votar. Nada disto. Haverá uma ampla e eficiente fiscalização.
Com os representantes da Revolução de 1º de abril, haverá a dura vigilância. Um eleitorado votando assim, votando sem o calor das suas convicções político-partidárias. Sem poder vibrar! Um eleitorado cordeiro, manso, de difícil identificação partidária.
Com os esquerdistas, com os ideológicos da China ou de Moscou, meu Deus, quanta cautela, quanto cuidado! Vai aparecer o voto “comunista”, o voto “esquerdista”, o voto rebelde, o voto reação, o voto resistência! Mas tais votos serão largados nas urnas com certos receios!
Castelo não vai poder cassar estes votos. Mas Castelo vai cassar os candidatos destes votos! Não há nenhuma dúvida sobre isto. E haverá o voto “cassado” pelo próprio eleitor: o voto em branco. O voto riscado. O voto no registro da não participação. No Sul, dizem, muitos desses votos vão aparecer. E, para alguns observadores, para alguns candidatos, vai haver mesmo uma grande abstenção na capital. No interior, a abstenção será pouca. Mas, aqui, “vai ver”, no abrir das urnas aparecerá esta votação espúria, esta votação inexpressiva. E o certo seria que houvesse a votação maciça. A votação democrática. A votação cerrada. Mas isto não vai haver. Não e não.
Um candidato nos contou: “Seu Moraes, estou decepcionado. Ninguém está acreditando mais em ninguém. Há, por aí afora, uma terrível indiferença”.
Parece que é esta a verdade.
Mas, algumas horas mais, o povo, o povo que vota, estará votando nos seus candidatos. Mas depois, horas depois, vai haver a grita das decepções. Muita gente vai ficar fora do Parlamento. Vai ficar amargando a derrota, e outras vão sofrer a degola, as implicações dos artigos revolucionários do Ato Institucional nº 2.
Mas que os nossos candidatos sejam eleitos. Sim, que sejam eleitos e não sejam cassados!
* Paulo Nascimento Moraes. “A Volta do Boêmio” (inédito) – “Jornal do Dia”, 13 de novembro de 1966 (domingo).