Eu estou olhando a cidade.
A cidade que me viu nascer.
A cidade que me fez homem.
Mas eu conheço a história da cidade,
história do seu nascimento...
Uma história de lutas e de batalhas.
Histórias de rebeliões...
Histórias de negros cativos,
de negros morrendo, sacrificados,
enforcados na praça pública,
nas noites escuras
e nos dias claros de sol.
E a cidade deveria ser mais velha do que eu.
Mas eu me sinto mais velho que a cidade.
Eu sei muitas coisas da cidade...
Mas ela nada mais sabe de mim...
Sabe apenas que fui uma das muitas crianças,
crianças que andavam,
perdidas nas ruas,
descendo e subindo ladeiras...
Jogando pedras nas casas dos vizinhos,
roubando a tranquilidade dos meus pais...
Eu a conheço muito mais...
Eu sou mais velho do que ela.
Ela nasceu uma vez...
Eu já nasci várias vezes,
já vivi várias vidas...
Um dia que passa é uma vida que eu vivo.
E a cidade vive sempre o mesmo dia...
Eu estou olhando a cidade.
A cidade que me viu nascer.
A cidade que me assiste homem.
* Paulo de Tarso Moraes. “Retratos do meu Eu” (inédito).