Skip to content

LITERATURA MARANHENSE: Graça Aranha e a Estética Moderna*

José Pereira da Graça Aranha foi um dos escritores brasileiros mais importantes da ficção pré-modernista. E é ele quem diz no livro “O meu próprio romance”, onde narra, genialmente, sua vida, tendo este trabalho, infelizmente, ficado inacabado, mas, mesmo assim, editado em 1931, extraído de manuscritos do autor: “O meu difícil nascimento parece marcar o signo da força que me prendia ao inconsciente. Foi pela ciência de um médico inglês, que vivi na tarde do domingo de 21 de junho de 1868, na cidade de São Luís do Maranhão, quando eu estava condenado à morte para salvar minha mãe. A ciência arrancou-me do inconsciente. Realizou-me em mim a fórmula do meu pensamento psicológico. Aboli em mim o terror inicial. Desde então a minha vida foi uma aspiração de conhecimento e por este conhecimento tomei posse do universo. Liberto-me do preconceito político e, o que é mais difícil, do preconceito estético”.

Aos treze anos, ele concluía o curso de Humanidades e, aos dezoito, o de Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito do Recife, onde se fez o aluno mais querido de Tobias Barreto que, ao longo da vida, viria a influenciá-lo. Foi advogado e professor de Direito, exercendo, no Espírito Santo, o cargo de juiz. Viveu muitos anos na Europa, no desempenho de funções diplomáticas. Voltando ao Brasil, tornou-se figura de vanguarda no movimento modernista, pronunciando, na Academia Brasileira de Letras, de onde foi sócio-fundador em que “concitava a renovar-se, pela aceitação das novas tendências estéticas. “Se a Academia não se renova – gritou – “então morra a Academia”. O grito ali não fora ouvido naquele momento, e Graça Aranha rompeu com a instituição de Machado de Assis, onde ocupava a cadeira de Tobias Barreto.

Seu nome, ao lado de Gonçalves Dias, dos irmãos Azevedo [Artur e Aluísio] e de Coelho Netto, constitui o quarteto de maranhenses que maior influência exerceu na história da literatura brasileira.

Da velha Europa, trouxe consigo o modelo que o fez um arauto do espírito moderno, consagrando-o assim, até o fim da vida, a teorização de uma estética que codificasse padrões novos na estrutura literária àquela época já em crise.

Nas mesmas condições, a Graça Aranha se juntava, também chegados da Europa, Oswald de Andrade que tivera convivido com o poeta Paul Fort, coroado príncipe dos poetas franceses; Manuel Bandeira que voltava da Suíça, onde estivera internado por causa da tuberculose, mantendo uma grande amizade com o poeta Paul Eluard, enquanto o Brasil era povoado de notícias que chegavam da revista portuguesa “Orfeu”, centro irradiador das poesias de Fernando Pessoa e Mário Sá-Carneiro, as quais se corporificavam aos métodos pretendidos por Graça Aranha.

E a “Semana de Arte Moderna” explodiu com a exposição, em São Paulo, da pintora Anitta Malfatti que trazia novidades e novos elementos nas artes plásticas pós-impressionistas (cubistas e expressionistas), revelados em seus estudos, principalmente na Alemanha, sendo criticada por uns e defendida por outros, entre estes, Mário de Andrade, já imortalizado com “Paulicéia Desvairada” e “Macunaíma”.

Continuemos ouvindo o espírito de negação de Graça Aranha, escritos para “O meu próprio romance”: “Nada poderia contribuir para o meu incessante progresso intelectual, como o espírito de negação. Aos doze anos neguei Deus, aos quatorze neguei o Direito Natural, aos quinze neguei o princípio monárquico e o direito à escravidão”.

Sobre o livro “Canaã”, José Veríssimo, crítico dos mais afiados ao tempo, disse: “Estreia, como não me lembra outra em a nossa literatura, é a revelação nela de um grande escritor. Novo pelo tema, novo pela inspiração e pela concepção, novo pelo estilo”. E por falar em Veríssimo, este era contra a entrada de Graça na Academia, apesar de nunca ter sabido o porquê, o que só veio a se tornar possível com a quase imposição de Joaquim Nabuco.

Graça Aranha publicou estes trabalhos: “Canaã” (1902); “Estética da Vida” (1920); “Malazarte” (1922); “Correspondência de Machado de Assis e Joaquim Nabuco” (1923); “O Espírito Moderno” (1925); “A Viagem Maravilhosa” (1930).

As obras completas de Graça Aranha (1939-1941) estão distribuídas em 8 volumes: vol. I “Canaã”; vol. II “Malazarte”; vol. III “Estética da vida”; vol. IV “Correspondência de Machado de Assis e Joaquim Nabuco”; vol. V “O espírito moderno”; vol. VI “A viagem maravilhosa”; vol. VII “O meu próprio romance”; vol. VIII “Diversos”.

“O meu próprio romance” é um dos livros mais perfeitos que conheço. Li-o ainda menino, e sua leitura me invadiu para sempre os sentidos. Parece que brinquei com Graça Aranha pela velha rampa do cais de São Luís. Já homem e tão distante daqueles, meu e dele, cenários da velha cidade, uma saudade de doer a alma me ensombrou de emoção, quando reli, como se alguma coisa indizível me dissesse que a única coisa sublime que temos é a memória, tanto que ela nos é apagada para que nossa consciência, em outros planos, não sofra tanto e tenha sossego. E é o velho Graça quem diz: “Dos quadros da minha infância, nenhum exerceu no meu espírito magnetismo igual ao da casa em que vivi, quatorze anos, no Largo do Palácio. Nasci na Rua da Estrela, número 2, na primeira casa à direita, na grande ladeira que desce para a Praia Grande, centro do comércio que as águas da baia não banham [...] quando a deixamos, eu não tinha dois anos. Mais tarde, eu a contemplava e imaginava o seu silêncio interior naqueles três andares elevados, e esse silêncio imaginativo tinha a força de me entristecer”.

Talvez havendo, como informa Alfredo Bosi, professor de Literatura da Universidade de São Paulo, “duas faces a considerar no caso Graça Aranha: o romancista de ‘Canaã’ e de ‘A Viagem Maravilhosa’ e o doutrinador de ‘A Estética da Vida’ e de ‘Espírito Moderno’, faz-se às vezes distante no tempo, mas ligadas por mais de um caráter comum, exteriorizar em ‘A Estética da Vida’ este sentido de forma e liberdade espiritual ou ainda de terror cósmico: aquele que compreende o universo com uma dualidade de alma e corpo, de espírito e matéria, de criador e criatura, vive na perpétua dor. Aquele que pelas sensações vagas da forma, da cor e do som, se transporta ao sentimento universal e se funde no todo infinito, vive na perpétua alegria”.

Falar-se de Arte Moderna, caberia num livro de ensaios como muitos já foram escritos. Os acontecimentos e os personagens foram muitos para poucos dias, e Graça Aranha, o qual faleceu no Rio de Janeiro, em 26 de janeiro de 1931, tornou-se, no Movimento, um acontecimento imorredouro, porque trouxe à luz da publicidade o seu “Canaã” e foi personagem, porque, acima de tudo, e pela vida inteira, foi sempre um reformador de métodos e um esteta intemporal.

* Fernando Braga, in “Conversas Vadias”, antologia de textos do autor, brevemente publicado em livro; este artigo, foi publicado, originalmente, in jornal “O Alto Madeira”, Porto Velho (RO), 24/9/84 e republicado no sesquicentenário do lustre maranhense.

Ilustração:

Gravura de Graça Aranha com referências.