[Lauro Bocaiuva Leite Filho, São Luís, 19/12/1937 – São Luís, 8/10/2016]
Soltando um rolo de fumo inglês do cachimbo, o professor Bacelar Portela, meu querido amigo e orientador de como pesquisar e traçar as linhas para a composição de um texto a ensaiar, apressou-se em dizer-me, na Praça Benedito Leite, numa ensolarada manhã de um dia qualquer, que Lauro Leite tinha sido o grande vencedor do concurso literário “Antônio Lôbo”, promovido pela Academia Maranhense de Letras, cabendo a Nauro Machado e a mim, o segundo e o terceiro lugares respectivamente... Ao cumprimentá-lo, disse-lhe: “ao vencedor as batatas”, lógica do “velho bruxo” que reconhece o vitorioso por justas merecidas... E o querido mestre sorrindo, sentenciou: “a poesia de Lauro Filho merece estudos mais profundos”.
Domingos Vieira Filho foi mais longe na apresentação do livro premiado, em dizendo que “Lauro Leite, desta vez, está mais maturado, tem uma vivência poética mais intensa, se apossou de melhor intensilhagem estética para expressar às notas contrastantes do seu mundo interior, trabalhando pela descrença, mas sem se envolver no amargor insólito das formas schopenhaurianas”.
Afinado, mas sorrateiro aos contrapontos do pensador da realidade exterior e da consciência humana, Lauro [filho de Lauro Leite, um dos maiores violinistas do Maranhão], quando toda a Faculdade de Direito o esperava de braços abertos para recebê-lo como o representante intelectual dos fracos e oprimidos, foi a de Odontologia que teve essa honra e alegria; apesar de ele exercitar-se no dia a dia como jornalista e locutor, a expor seu grito social por meio das rádios Difusora e Educadora, onde todos dispunham de sua inteligência, por meio de sua voz e do seu talento a serviço da notícia e do entretenimento.
Ele foi um dos maiores participantes intelectuais entre as gerações de 45 e 60, porque ele permeava as duas, [com Nauro Machado, Carlos Cunha e Deo Silva] a se afirmar pela forma marcante do seu talento, dando força exuberante à sua poesia de “pés no chão”:
“São pobres – eu vejo – / que tão pobres são que vejo a pobreza na dor e no ar - que enche seus peitos sofridos – / sentidos – irmão e irmão”.
E luta, desesperadamente, por expressar aflições: “Pequenos ainda – passados – levados - irmão e irmão”, Como se verifica, sua temática é arraigada na problemática atual. E Lauro não se preocupa com vocábulos de difícil penetração nem com embaralhamentos de formas ziguezagueantes, porque o universo lexical em que navega é seu íntimo e tecido por ele mesmo:
“Os dois – de mãos dadas – / correndo no lixo - que o mundo lhes deu – / é lama – malvada – que seja seus pés – doridos / – feridos – irmão e irmão”.
A arte deve ser intrinsecamente social, e Lauro Filho luta por essa posição em suas conquistas. “Tudo que é poético é verdadeiro”. E continua em sua estesia gritando:
“Comida – pedida – negadas também – / pelos poderosos – os donos – de tudo – de escravos / – de Terras – paradas e virgens – / que nunca correram ou estagnaram – na solidão / – deixando só dorme – irmão e irmão!”.
Essa é a luta ferrenha contra “a fome que não é a causa de revoluções e de profundos sofrimentos humanos de todos os injustos. A fome torna impossível a bondade”, afirma “Macbeth”, na ópera shakespeariana: “Primeiro a pança, depois, a moral”. Daí, a empatia poética de Lauro Leite e Nascimento Moraes Filho, vez que, pra ambos, toda doutrina de bem-estar é contrária e estranha à essência do seu próprio íntimo, num extravasamento alheio, “douleur de vivre”:
“E dinheiro – que podem? – / eu bem que recordo que irmão e irmão – / recebem - felizes – saem correndo – e compram – / o pão – irmão e irmão”.
Não pertence Laurinho Leite, por temperamento e até por questões de limpeza mental, a nenhuma escola literária, porque “um bom verso não tem escola”, sentenciou Moraes Filho, ao lembrar-se de Flaubert, ao escrever, como sempre fora de seu gosto e de todos, considerações sobre o lado humano e intelectual do premiado.
Lauro Leite Filho é o herdeiro legítimo da poesia social de Nascimento Moraes Filho, “Moacyr Ambrósio, pés no chão”, respira pelo mesmo cordão umbilical de “O Clamor da Hora Presente”, este o maior grito de dor até hoje dado no Maranhão contra o julgo e a prepotência e ecoado em loas pela pena brilhante e pelo senso crítico de Oto Maria Carpeaux. Há, entre os dois, uma empatia estética e emocional mais que harmônicas a estreitar-se no plano social...
Lauro Leite Filho sente, no seu indiferentismo, a revolta contra tudo que lhe parece pérfido, mal e descabido. “Triste o dia em que vim à terra para endireitá-la”, diria o poeta se porventura fosse o Príncipe Hamlet.
Ontem, há tempos, o mestre Bacelar Portela me dava notícias da premiação de Lauro Leite; hoje, ainda há pouco, o também médico e escritor Mário Luna Filho me dizia do falecimento do meu querido amigo Lauro Leite Filho, depois de alguns anos de sofrimentos, estigmas que marcam poetas mártires e santos.
E São Luís, assim, fica mais vazia daqueles que como Lauro e tantos, cheios de abnegação e talento, povoaram-na com a luminosidade de seu tempo, a estampar-lhe, quando a cidade ainda vivia, o timbre de outra “Bélle Époque”, já distante, mas autêntica, legitima e verdadeira...
* Fernando Braga, in jornal “O Estado do Maranhão”, 23 de agosto, de 1973; enfeixado em “Conversas Vadias”, antologia de textos do autor.