Dezenas de maranhenses de excepcional talento contribuíram de modo positivo e permanente no século XIX para a formação da identidade brasileira. Esse foi o tema e é o resumo da conferência “O ‘brain drain’ do Maranhão e a formação da brasilidade”, feita pelo jornalista, administrador, consultor e escritor maranhense Edmilson Sanches, que está no Sudeste do país, onde participa de eventos e tem recebido homenagens pelas atividades profissionais e culturais que desenvolve. O “brain drain”, em uma de suas definições, é a transferência de recursos na forma de capital humano – seres humanos que saem de um lugar e se estabelecem em outro, onde desenvolvem ou exercitam e investem seu conhecimento, qualificação e experiência.
A conferência foi realizada no Rio de Janeiro (RJ), na última quarta-feira (29/11) e transmitida ao vivo pela internet, pelo canal do Instituto Internacional Cultura em Movimento (IICEM), entidade que organizou o evento. A conferência pública é um dos pré-requisitos do IICEM para a outorga do título de Doutor Honoris Causa, além da prova de títulos, produção acadêmica e técnica e cultural e prestação de serviços sociocomunitários, análise de banca examinadora e investigação sobre o candidato.
Além da audiência via internet, participaram ao vivo da conferência os professores doutores Angeli Rose Nascimento, presidente do IICEM, que já esteve no Maranhão como professora convidada da Universidade Estadual (Uema), e Jorge Eduardo Magalhães, coordenador editorial do Instituto.
A exposição de Edmilson Sanches, aplaudida e muito elogiada ao término, fez um “passeio” histórico a partir de 1808, com a chegada de Dom João ao Brasil e, com ele, o aumento ou intensificação da forma de se fazer Literatura e de se escrever em Língua Portuguesa ao modo português, com a reiteração de assuntos da mitologia grega e romana e outros assuntos, nenhum deles vinculados ao Brasil... até o nascimento de Antônio Gonçalves Dias, maranhense de Caxias, que, em 1846, com seu primeiro livro, não sem razão intitulado “Primeiros Cantos”, praticamente criou ou fundou, no país, o “jeito” brasileiro de se escrever em português, com temas que se referiam à terra e sociedade brasileiras.
A partir de Gonçalves Dias, Edmilson Sanches discorreu sobre diversos outros maranhenses, que, naqueles anos oitocentos, saíram da terra natal, o Maranhão, e, como se fosse uma fuga de cérebros (“brain drain”), mudaram-se para outros Estados e regiões do Brasil, sobretudo Rio de Janeiro e São Paulo, onde se tornaram verdadeiros “gigantes da cidadania”, na expressão de Sanches, para quem “o ‘brain drain’ do Maranhão transformou-se em ‘brain gain’, ganho de inteligência, para o Brasil”. A exportação de talentos é parte do processo de migração, que, hoje, totaliza mais de 4 milhões e 600 mil brasileiros vivendo fora do Brasil e mais de 184 milhões de pessoas nascidas nos diversos países do mundo e que não se encontram mais na terra em que nasceram.
Entre os nomes elencados por Edmilson Sanches, ressaltam o do filósofo e matemático caxiense Raimundo Teixeira Mendes, classificado pelo conferencista como um verdadeiro “iceberg” na prestação de serviços que contribuíram para a formação, fixação e ampliação da brasilidade ou nacionalidade ou identidade brasileira. Teixeira Mendes é mais conhecido – quando é”, condiciona Sanches – por ser o autor da atual Bandeira do Brasil, que é a parte mais exposta, diz Sanches, pois o filósofo e matemático também foi o redator do dispositivo constitucional que, pela primeira vez no país, separou a Igreja do Estado e declarou a liberdade de crença e culto para os brasileiros (antes, a religião católica era obrigatória constitucionalmente). Teixeira Mendes também foi quem redigiu o texto de leis pioneiras, como as que, pela primeira vez no Brasil, protegeram a mulher trabalhadora, o menor trabalhador, o doente mental e os indígenas (a Fundação Nacional do Índio, antes Serviço de Proteção ao Índio, teria sido criado sob sua inspiração). Teixeira Mendes escreveu sobre tudo isso, tendo deixado mais de quinhentos livros e outras publicações sobre esses e outros assuntos.
Outro nome destacado por Edmilson Sanches foi o caxiense Henrique Maximiano Coelho Netto, o notável escritor, indicado ao Prêmio Nobel, autor mais lido de sua época, responsável pela dignificação da capoeira no Brasil e, entre tantos méritos de repercussão nacional, introdutor do cinema seriado no país, gênero cinematográfico de onde se originaram as novelas e as séries de TV. Coelho Netto era também cineasta, tendo roteirizado e dirigido filme.
Outro nome lembrado por Sanches foi o do odontólogo Aderson Ferro, que era empresário em sua cidade, Caxias, e tinha o sonho de ser dentista. Terminou por ir para a França, onde se formou em Arte Dentária e tornou-se o primeiro brasileiro a escrever um livro de Odontologia, publicado na última década do século XIX, além de ser um dos introdutores da anestesia odontológica no país. Além disso, com a verve natural dos caxienses, após retornar para o Brasil, tornou-se escritor e jornalista e um dos mais combativos abolicionistas, tendo criado jornais e diversas bibliotecas (chamadas “gabinetes de leitura”) no Estado do Ceará, onde seu corpo está enterrado, na cidade de Baturité. Em livro biográfico feito em Fortaleza, Aderson Ferro é considerado “Glória da Odontologia Nacional”.
O ator, desenhista, artista plástico e professor Armando Maranhão foi outro maranhense de destaque. Considerado a “Pedra Angular do Teatro Paranaense”, esse caxiense esteve na Europa, onde estudou com “os maiores entre os maiores nomes do cinema mundial”, na definição de Sanches, como os cineastas Federico Fellini, Luchino Visconti, Michelangelo Antonioni e Laurence Olivier. Após voltar para o Brasil, intensificou seu trabalho em prol do Teatro na capital, Curitiba, e no interior do Estado do Paraná.
Edmilson Sanches trouxe, ainda, diversos grandes nomes de talento maranhenses, que desenvolveram trabalhos pioneiros e de excelência fora do Maranhão “e agregaram mais brasilidade ao Brasil”. Nomes como Ubirajara Fidalgo, considerado o primeiro dramaturgo negro do Brasil, que mereceu do governo federal o “Ano Ubirajara Fidalgo da Cultura”, pelo pioneirismo e pela luta em favor da profissionalização do negro no teatro profissional. Foi lembrado também João Christino Cruz, o caxiense que, depois de estudar agronomia na Alemanha, França e Inglaterra, entre outros países, desenvolveu projeto pioneiro no Maranhão e, também, como deputado federal e presidente da Câmara, foi o responsável pela condução do projeto que criou o Ministério da Agricultura. Christino Cruz é o presidente de honra da Sociedade Nacional de Agricultura.
Sanches falou também sobre o professor Tarquínio Silva, maranhense de Viana, que prestou grande serviço à Educação do próspero município paulista de Santos, onde é qualificado como “Mestre dos Mestres”. Outros nomes foram Nina Rodrigues, criador da Antropologia Cultural e um dos patronos da Medicina Legal no Brasil; e Nunes Pereira, um intelectual sábio, médico-veterinário e antropólogo, biólogo e etnólogo, cujo nome é dado a uma das alas do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, que, além da Língua Portuguesa, dominava o tupi-guarani, nheengatu, alemão, francês, inglês e italiano. O escritor Carlos Drummond de Andrade escreveu sobre Nunes Pereira, que era homem despojado e morreu pobre: ”Homem de ciência agudamente provido de sensibilidade e visão humanística, eis o que é o caboclo maranhense Nunes Pereira”.
Edmilson Sanches, ao término, disse que maranhenses cruzaram o Brasil de Norte a Sul, emprestando seus talentos e força de trabalho em prol das terras que os acolheram. No Norte, Sanches reforçou com os exemplos de Eduardo Ribeiro, são-luisense que viveu 38 anos e foi jornalista, militar e governador do Amazonas duas vezes, tendo sido modelo de administração, a ponto de a capital do Estado, Manaus, ficar conhecida como a “Paris dos Trópicos”. Em Rondônia, Sanches lembrou o exemplo do caxiense Vespasiano Ramos, escritor de grande talento que foi o precursor da Literatura naquele Estado e ex-território, onde seu corpo foi sepultado. No Pará, Sanches lembrou que a progressista cidade de Marabá foi fundada por um caxiense, Carlos Gomes Leitão, e o nome do município deve-se ao empresário Francisco Coelho, natural de Barra do Corda (MA), que tinha gosto pela poesia de Gonçalves Dias, que deu o título de “Marabá” a um de seus poemas, título que se tornou nome do estabelecimento comercial de Coelho, nas proximidades dos rios Itacaiúnas e Tocantins, hoje centro histórico de Marabá. Segundo Edmilson Sanches, “além de gerar filhos para o Brasil, Caxias tem filhos que estão no nascimento de grandes cidades do país”.
No Sul e Sudeste do país, Sanches lembra a participação de Medeiros e Albuquerque, caxiense, que, a partir do Rio de Janeiro, foi o responsável pela realização da primeira contagem da população do Brasil (Censo Demográfico). Também, Berredo de Menezes, advogado, professor, escritor com volumosa obra poética traduzida em vários idiomas e considerado exemplo de administrador como prefeito de Vitória, no Espírito Santo. E mais: o médico José Eduardo de Souza, maranhense de Pedreiras, doutor em Cardiologia, pioneiro da chamada Cardiologia Intervencionista e realizador das primeiras cineangiocoronariografias (exame radiológico dos vasos que irrigam o coração) no Brasil, criador da técnica de revestir, com um produto farmacêutico chamado rapamicina, um nanotubo (o “stent”) a ser implantado na artéria, impedindo que este novamente se estreite, o que tem salvado milhares e milhares de pessoas em todo o mundo e propiciou ao maranhense reconhecimento e homenagens no mundo todo. E ainda, João Mendes de Almeida, escritor, jornalista, advogado, deputado, ex-presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo, que fundou diversos jornais e foi redator da Lei do Ventre Livre, que garantiu que crianças nascidas de pessoas escravizadas não mais fossem, elas mesmas, escravas. “Só estes exemplos de dignificação legal dos seres humanos que vão nascer e os cuidados para que, adultos, continuem a viver, já justificaria a existência de uma ou mais pessoas”, diz Sanches, que já tem relacionados e documentados cerca de quinhentos nomes maranhenses de destaque nacional e, até, mundial, “os quais – sonha Sanches – integrarão um livro que praticamente já está escrito em minha mente – a ‘Enciclopédia Maranhense’, de, pelo menos, mil páginas, em dois volumes, projeto já apresentado há anos a diversos agentes públicos e instituições privadas, de todos tendo merecido, o projeto, uma silenciosa negativa ou um sonoro silêncio – que é a forma mais covarde de dizer ‘não’”.
Edmilson Sanches listou ainda: “A primeira música sertaneja gravada no Brasil é de um maranhense. A ideia de banco privado nasceu no Maranhão. Um maranhense foi o primeiro presidente do Banco do Brasil. O primeiro ministro de Ciência e Tecnologia foi maranhense. A primeira romancista brasileira é uma maranhense, Maria Firmina. A primeira tradução de obras de Shakespeare para a Língua Portuguesa foi um maranhense quem fez. A primeira gramática portuguesa no Brasil é de autoria de um maranhense. Um maranhense é o precursor do Parnasianismo. Outro, do indianismo. Aquele outro, do Modernismo nas Artes Plásticas. Um outro é fundador da União Nacional dos Estudantes. Mais outro, o pioneiro da Tradução Criativa. Um maranhense escreveu os primeiros livros de reportagem policial; e outro, é pioneiro na literatura de ficção. Maranhenses foram os primeiros músicos brasileiro a subirem no palco do Rock in Rio. A Avenida Paulista, em São Paulo, deve muito sua existência a Horácio Sabino, filho de Ricardo Leão Sabino, o maranhense que, em Caxias, foi o professor de Gonçalves Dias e incentivou a ida do futuro poeta para Coimbra. A primeira companhia imobiliária do Brasil foi criada por um maranhense, da cidade de Grajaú, daí o nome dos bairros Grajaú, no Rio e em São Paulo, que eram de propriedade daquele maranhense pioneiro. E por aí vão as centenas de contribuições positivas de maranhenses para o nosso país...”
Edmilson Sanches considera positivo para o Brasil esse quase êxodo, essa quase hégira e verdadeira diáspora, ocasionada por fatores os mais variados. Sanches convida à reflexão: “Talvez seja essa a missão do ser humano: fazer a desocultação do oculto, a explicitação do implícito, a visibilização do invisível, criando, inventando, rearrumando, estudando, pesquisando, agindo, fazendo. Em todo o mundo, seres humanos, de modo voluntário ou involuntário, por sua decisão ou forçadamente (como no caso dos refugiados), têm realizado trocas de lugares, mudanças de endereço e, até, adoção de novas nacionalidades. Buscam melhorias – para si e para seu entorno, que é sua comunidade, seu Estado, seu (novo) país. Se, com sua ausência, deixam saudade ou se, em alguns casos, provocam alívio, não importa; importa o que os motiva e o que, de modo positivo, engrandecedor, eles fazem para atender às pulsões e compulsões de seu sadio frenesi e paixões internos, de sua capacidade de pensar, projetar e realizar, de todo modo colaborando para um mundo melhor, como no caso do ‘brain drain’ maranhense do século XIX, quando homens e mulheres superaram as pré-condições obstaculizadoras de, em geral, uma origem humilde, e cresceram e (se) superaram, trazendo mais conhecimento, mais inovação, mais ações e sendo bons exemplos, com uma larga prestação de serviços que, no mínimo, fizeram e fazem do Brasil um país com identidade, com brasilidade – no mínimo, para os pessimistas, um país menos ruim, ou, para outrem, um país melhor, que merece que seu povo, o povo brasileiro, atinja estágios gradualmente mais avançados de qualidade de vida e, por que não?, de felicidade humana”.
(Fonte: Assessoria de comunicação)
Fotos:
Edmilson Sanches e gestores do IICEM (Angeli Rose, presidente, e Jorge Eduardo, coordenador editorial), durante a conferência transmitida ao vivo em 29/11/2023.