
Aeronauta, advogado, escritor, membro da Academia Imperatrizense de Letras e autor de diversos livros sobre a história de Imperatriz
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Faltando exatos cinco meses para completar 98 anos de idade, morreu na tarde dessa quinta-feira (27/3/2025), no Rio de Janeiro (RJ), José Herênio de Souza, aeronauta de voos internacionais, advogado, escritor, membro da Academia Imperatrizense de Letras e autor de diversos livros sobre a história de Imperatriz. Nascido em Carolina (MA), mas registrado em Marabá (PA), José Herênio, também conhecido como Zeca, era filho de Conrado José de Souza, também natural de Carolina, falecido em Marabá, em 11/9/1930, e de dona Raimunda Herênio Alvares Pereira (1902-1963), imperatrizense de tradicional família.
Há uma semana, dia 21 de março, Zé Herênio ligou-me, como o fazia habitualmente (a ligação anterior fora doze dias antes, em 9 de março). Era 21h08, eu deitara mais cedo e o telefone estava no silencioso. O que José Herênio queria conversar, dizer, comunicar, informar, refletir, ponderar, relembrar o projeto do “Marco Zero” de Imperatriz, que idealizou e pelo qual tanto propugnou – o que o mais vívido e vivido dos membros da Academia Imperatrizense de Letras queria falar, não fiquei sabendo. Poderiam ser talvez as últimas palavras deles em conversa direta comigo. Eu que auxiliei em pesquisas para seus livros. Que prefaciei um deles. Que discursei em lançamento de outro. Que... Que dizer acerca do que naquela noite ele, ao telefone, me quereria dizer?
O texto a seguir, sobre a vida de José Herênio, é uma republicação feita em 2024, às vésperas de ele completar 97 anos. As palavras são poucas para o tamanho – tamanho e grandeza – de uma vida que existiu e resistiu durante quase um século, no percurso ultrapassando nove décadas, adornando dois séculos (20 e 21) e dois milênios.
José Herênio morre no mesmo mês que, em 10 de março de 2019, morria aos 82 anos e também no Rio de Janeiro, a imperatrizense e minha amiga Sophia Herênio Medlig. As mulheres, como sempre pioneiras, fora na frente para, no tempo de Deus, aguardar o marido Zeca.
Agora, sim, Sophia e Zé Herênio estão para sempre juntos... (EDMILSON SANCHES)
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JOSÉ HERÊNIO DE SOUZA
Em 26 de agosto de 2024 completou 97 anos o aeronauta, advogado, escritor e acadêmico José Herênio de Souza, titular da Cadeira 15 da Academia Imperatrizense de Letras. Nesta oportunidade, a AIL lembra e homenageia seu decano, autor de obras importantes para a História e Cultura de Imperatriz.
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Herênios vêm fazendo História há muito tempo. Antes e depois de Cristo.
Herênio Pôncio e seu filho, o comandante Caio Pôncio Herênio, o senador Lúcio Herênio, Herênio Etrusco, imperador romano, e sua mãe, Herênia Etruscila – todos Herênios cujos feitos e existência, a partir de 24 séculos atrás, têm merecido o cuidado e as consignações da História.
Nos primeiros cem anos antes de Jesus nascer, também pontificou Marcos Herênio (Marcus Herennius), cônsul romano, a quem foi dedicada a famosa “Rhetorica ad Herennium” ("Retórica a Herênio"), de autor ainda desconhecido, o mais antigo tratado sobre a arte da eloquência, do bem falar, o uso da linguagem com beleza e capacidade de persuasão, a arte da palavra – que era tão importante a ponto de constituir o “trivium”, a primeira parte do ensino universitário na Idade Média, com três disciplinas (retórica, gramática, lógica), ministradas antes do conjunto de saberes seguinte, o “quadrivium” (aritmética, geometria, música e astronomia). Juntas, essas sete disciplinas formavam as Artes Liberais ou as Sete Artes. A “Retórica a Herênio” mantém sua atualidade e desperta interesse até hoje, sendo objeto de estudos acadêmicos, em especial no Direito.
Outros Herênios – muitos -- atravessaram tempos e territórios, entre eles o José Herênio de Souza, um filho de três cidades: nasceu em Marabá (PA), registrou-se em Carolina (MA) e viveu em Imperatriz, terra de Dª Raimunda Herênio de Souza, sua mãe, casada com o Sr. Conrado José de Souza, seu pai.
E é da história imperatrizense, a partir de seu início, que José Herênio hoje e de há muito tornou-se, provavelmente, a maior referência viva, o maior repositório, o melhor depositário, detentor do mais consistente repertório de fatos primevos. Nisso ele é mestre e disso ele é, em igual tempo, proprietário, herdeiro, legatário – como, aliás, está no significado do nome latino “Herennus”, originado de “heres”, herdeiro.
Em 1927, ano em que José Herênio nasceu, o piloto norte-americano Charles Lindbergh realizava seu primeiro voo transatlântico sem escalas. Em 1927 também “nasceu” a Varig – Viação Aérea Rio-grandense, fundada em Porto Alegre (RS). A Varig foi uma das primeiras companhias aéreas do Brasil e uma das maiores e mais conhecidas do mundo, a primeira a ligar o Brasil à África e à Ásia, para onde nosso país não tinha até então voos comerciais. Pois foi exatamente sua coetânea Varig que, em maio de 1951, contratou José Herênio e deu-lhe oportunidade de fazer o curso de Navegação Celestial, tornar-se navegador e, depois, piloto de aeronaves de grande porte e chefe do Departamento de Rotas e Rotas Internacionais.
Desses acontecimentos de 1927 o recém-nascido José Herênio nada sabia, evidentemente, mas eles fariam sentido em sua vida, pois – coincidência? – tornou-se militar da Aeronáutica e, depois, aeronauta, contratado pela Varig no mês e ano em que essa companhia aérea completava 24 anos de fundação. Certamente, à memória hereniana vieram as lembranças do rapazote que, em 1943, aos 16 anos, estava em Carolina e começou a trabalhar na Serviços Aéreos Cruzeiro do Sul (a antiga Condor), empresa carioca fundada... também em 1927.
Outra profissão que, após a aviação, José Herênio exerceu foi a advocacia. Formou-se em Direito e especializou-se em Direito Processual Civil na Faculdade Cândido Mendes, sediada no Rio de Janeiro (RJ), a mais antiga universidade privada do Brasil, fundada em 1902, há 121 anos, por um maranhense que nem Zé Herênio, o político e advogado Cândido Mendes de Almeida.
Advocacia, sabe-o José Herênio, é voz e verbo, fala e escrita. Advogado é a voz (“vocis”) que está próxima (“ad-“) de alguém em função de algo. Nos anos em que exerceu a advocacia, e em outros anos, Herênio deve ter se lembrado de sua própria voz menina falando junto aos e para os demais colegas de formatura e professores do Colégio Santa Teresinha, das Irmãs Missionárias Capuchinhas, em Imperatriz, onde se formou aos 15 anos e foi designado orador da turma, em razão do brilhantismo e louvor com que concluiu os estudos.
Mais uma vez o futuro de José Herênio se fazia presente em sua mocidade: seria também advogado, uma voz a falar para pessoas, por pessoas. Coincidentemente, entre os seculares, milenares Herênios também se encontravam, entre outras atividades, homens do Direito, gentes de boas falas – de que a acima citada “Retórica a Herênio” é grande ilustração.
O caminho de José Herênio até os 97 anos, que se completarão em 26 de agosto de 2024, foi um percurso iniciado, continuado e vencido com esforço (desde menino), dores (pelos sofrimentos maternos, inclusive), perdas (da mãe, do pai, da amada esposa Sophia), superação (pelas conquistas). Em tudo isso, dedicação e talento.
José Herênio, aeronauta, aprendeu a ler o Tempo, tornou-se amigo dos Céus e suas estrelas; soube decifrar códigos (a partir do Morse); cruzou, como Lindbergh em 1927, o Atlântico e outros oceanos; tornou-se homem dos sete mares e dos cinco continentes; cosmopolitou-se a partir do conhecimento de diversos países, para onde viajou e os quais percorreu, da cortina de ferro da União Soviética às veias abertas da América Latina, da oriental Ásia à ancestral África.
Autor de “Retratos sem Retoques”, “Maranhão – Apagando a Mentira”, “Crônicas Esparsas”, “Imperatriz! Nossa Avozinha, Aos 100 Anos de Idade” e, provavelmente, de rico material inédito, José Herênio mantém-se, sadiamente obstinado, na defesa de causas e coisas para Imperatriz. Por exemplo, faz tempo que ele propôs à cidade – via sua Câmara e Prefeitura municipais, por intermédio da Academia Imperatrizense de Letras, de que é membro -- a construção de um monumento, obelisco, o que seja, que marque o “marco inicial” de Imperatriz.
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Já passei diversas semanas no apartamento do José Herênio, no Rio de Janeiro, em Ipanema. Com Herênio e com Dª Sophia (e suas calopsitas) reforçamos e reamarramos laços de amizade. Nas longas conversas na sala, nas demoradas conversas ao telefone, nos ricos registros e bem escritos enunciados de seus textos, Herênio e eu realimentamos essa incontida paixão pela cidade, por sua História, e nossa igualmente incontida decepção com tanta desvontade e “nonsense” havidos e existentes nos sucessivos gestores e representantes imperatrizenses oficiais.
José Herênio completou 97 anos em 2024, com lucidez e sadio orgulho pela história de que é agente e usuário e da qual é maior autoridade – sua própria história. Gerou filhos (uma médica e um militar), escreveu livros e plantou árvores e amizades. Se dependesse dessa filosofia oriental, seria um homem realizado.
Mas José Herênio não é um homem realizado.
É um homem... realizando.
Porque, por enquanto, ele só tem 97 anos.
E ainda há vida – muita vida – pela frente.
Parabéns, Amigo.
Ave, José Herênio!
* EDMILSON SANCHES
FOTOS:
José Herênio: o autor e suas obras.