
Meu conterrâneo, confrade e amigo Nelson da Silva Almada Lima, engenheiro civil e professor universitário aposentado, diretor de quase tudo quanto foram importantes Órgãos e Empresas públicas no Maranhão, escreveu, nesse domingo (5/1/2025), rico texto sobre um piano de sua Família que, “escapando” do destino de outros instrumentos musicais históricos de caxienses, foi posto, por doação, em lugar seguro, de frequência pública, em Caxias – o Memorial da Balaiada, no igualmente histórico Morro do Alecrim.
Nelson, meu colega no Instituto Histórico e Geográfico de Caxias e na Academia Caxiense de Letras, escreve com competência histórico-literária e autoridade de quem não apenas é da Família Almada Lima como, igualmente, é testemunha ocular, auricular e... digital, ou seja, de dedos, pois, menino, ele "maltratava" (expressão dele...) o piano, arriscando-se a tocar de ouvido umas poucas notas de umas poucas músicas sob a muita atenção de alguns poucos ouvintes...
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Entretanto – Nelson, eu e o mundo sabemos –, um instrumento musical não apenas emite sons – ele também exala história...
Junto com as notas musicais (agora emudecidas) do piano da família foram as notas históricas (quase não sabidas) acerca daqueles que o tocaram, bem como os registros históricos (estes sim, insabidos da maioria) do próprio instrumento.
A depender de um simples mas essencial detalhe, o piano da ilustre família caxiense pode ter sido feito pelo Dörner pai, entre 1830 e 1877, ou pelos Dörner pai e filho, a partir de 1878 a até 1935, quando a F. Dörner & Sohn foi vendida. O “F” do nome da firma alemã é de “Friedrich”, ou Christian Friedrich Dörner. Ele nasceu em 1806, em Stuttgart, cidade mais que milenar (é do século X), hoje com 630 mil habitantes que se acotovelam em uma área territorial de 207 quilômetros quadrados (Caxias, com 5.196km2, é 25 vezes maior – mas, como se sabe, tamanho não é documento...).
Por trás do piano da Família Almada Lima e de como o instrumento chegou até ela e que momentos propiciou aos que o tocavam e aos que ouviam quem tocava, há história de um jovem alemão esforçado, filho de pai médico, filho que, não se tendo decidido pela profissão do pai, andou pelas “Oropas”, em especial pela musical Viena, na Áustria; pela festa hemingwayana que é Paris, na França... estudando com bons mestres a arte de fazer instrumentos que fazem sons.

A política – sempre ela... –, em 1830, pareceu querer dar continuidade às ideias e ideais revolucionários de 1789 e iniciou movimentos que, a partir de Paris, se espalharam França adentro e Europa afora. Do ponto de vista da história de “Herr” Christian Friedrich Döerner (depois, Dörner), foi seu “turning point”, o ponto de virada, ele que se encontrava na capital francesa justo naquele 1830. Ele retorna para sua Stuttgart e no mesmo 1830, aos 24 anos, funda a F. Dörner. Seu único descendente (o “Sohn” ou “filho”, em alemão) chegaria 20 anos depois: é Friedrich Dörner Jr., nascido em 1850, que aprende a profissão com o pai, na própria empresa, e aperfeiçoa-se também na Alemanha e na Inglaterra. Aos 28 anos, em 1878, torna-se sócio do pai – de quem já herdara, viu-se, o nome.
Em seu melhor momento, a F. Dörner, com trinta trabalhadores (em 1871), produzia 160 pianos por ano, média de 13 pianos por mês, ou uns três por semana, ou um instrumento a cada dois dias. O velho Christian Friedrich Dörner morreu em 1882, com 76 anos. Seu único filho e sócio, Friedrich Dörner Jr., viveria um pouco mais: morreu com 85 anos, em 21 de fevereiro de 1935. Ainda “aguentou” no negócio, sem o pai fundador, 53 anos, dos 105 anos de atividades da conhecida e reconhecida empresa fabricante de pianos.
Dörner Jr., em gesto louvável, fez de Stuttgart, o município, herdeiro único e ainda criou uma fundação com o nome do pai, mas seu gesto de boa vontade não prosperou muito tempo e a empresa com tudo dentro, “porteira fechada”, foi vendida ainda em 1935, com o sobrenome “Dörner” permanecendo uns tempos na razão social, com outros nomes, até se tornar só história...
Os pianos da F. Dörner eram disputados pelas cortes naqueles idos do século XIX. Ficaram famosos seus pianos, tanto os de cauda quanto os do modelo da Família Almada Lima, os pianos verticais ou “de armário” (por caberem próximos à parede, sem ocupar tanto espaço quanto o piano de cauda). Reis os adquiriam, príncipes e outros nobres e grandes músicos neles tocavam e deles ouviam as notas apreciadas em uma época em que artes assim – a Música, a Pintura... – eram vivamente apreciadas. Outros tempos...
O piano F. Dörner que (re)pousa em um memorial em Caxias pode até não tocar mais (que "otoridade" que só ama Caxias em discursos quer "gastar" dinheiro recuperando tão histórico instrumento? O orçamento de Caxias para 2025 é de quase 1 BILHÃO de reais, ou exatamente R$ 993.607.726).

Repita-se: o piano doado pela família caxiense pode até não tocar mais. Mas a história por trás dele, naqueles que tiverem conhecimento – conhecimento e sensibilidade –, haverá de continuar tocando...
A História não é só para lembrar.
A História também é para cobrar.
Mas, em Caxias, quem se toca?
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Parabéns, Nelson. O gesto familiar de doação do piano mereceria outros toques – até, quem sabe, musicais. Mas o único teclado em que ainda me atrevo a pôr as mãos é aquele de escrever...
Pois de Música nada sei.
Apenas sinto.
Sinto muito.
* EDMILSON SANCHES
Fotos:
Pianos verticais da F. Dörner [fotos ilustrativas] e aspecto interno e externo do Memorial da Balaiada, em Caxias (MA).