“Menino, peço-te a graça
de não fazer mais poema
de Natal.
Uns dois ou três, inda passa...
Industrializar o tema,
eis o mal”.
(CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE [1902-1987],
poeta brasileiro)
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Jesus Cristo não nasceu em 25 de dezembro. Não nasceu em Belém. Não descendia de Davi.
O Natal era, na verdade, uma festa pagã, uma comemoração daqueles que, na antiga Roma, não eram batizados ou eram adeptos de religiões que não tinham batismo. Isso acontecia cerca de 1694 anos atrás, por volta do ano 330 de nossa era, ou seja, trezentos anos depois de Jesus Cristo ter sido crucificado.
O 25 DE DEZEMBRO PAGÃO
A festa dos pagãos homenageava o Sol. Como quase tudo antigamente, o calendário, as festas, as comemorações e homenagens baseavam-se nas leis da natureza. E o dia 25 de dezembro, naquela época, era o dia imediatamente posterior ao solstício de inverno, isto é, quando o Sol, no seu movimento de declinação, ficava na posição mais baixa, mais próxima do planeta Terra. Registros atuais informam que, hoje, o solstício de inverno ocorre em 23 de dezembro.
Os pagãos não gostavam daquela excessiva aproximação do Sol à Terra, mas o fato disso ocorrer significava que o astro-rei já estava reiniciando sua trajetória de retorno. Era algo como: “depois da tempestade, a bonança”, ou seja, após o solstício, o Sol voltava a subir para a parte mais alta do céu, e dali, de uma saudável distância, continuava a emitir seus raios, agora bem mais amenos e benfazejos para todos.
Essa festa era chamada de “Solis Invictus” (“Sol Invencível”) e o 25 de dezembro era considerado “o dia natalício do Sol Invicto”.
O 25 DE DEZEMBRO CRISTÃO
Os cristãos (portanto, pessoas que receberam o batismo) não gostavam nadinha daquele festival dos sem-batismo, os pagãos. Afinal, só Cristo, somente Deus deveria ser razão para tais homenagens. Tentaram, os cristãos, acabar com a festa, mas ela já estava muito arraigada nos costumes, era parte das tradições.
Então, como quem não pode com o inimigo deve se juntar a ele, os cristãos começaram a comemorar, também em 25 de dezembro, o dia natalício, o dia de nascimento do “verdadeiro Sol, a Luz do Mundo”-- Jesus Cristo. À medida que o cristianismo se ia fortalecendo, com o aumento do número de cristãos e a ampliação do poder da Igreja, não teve jeito: os cristãos se apropriaram da festa e deram-lhe outro significado, mais espiritual. Agora, só os livros de curiosidades históricas guardam o que era o Natal... antes do Natal.
OS PRESENTES
Como sempre fica algo da antiga cultura, a absorção da festa pagã pelos cristãos não conseguiu extinguir um costume: o dos presentes. Na festa do “Sol Invencível”, nos idos de 330, os escravos tinham uma espécie de dia de alforria: podiam sentar-se à mesa com os seus senhores e destes recebiam presentes.
Hoje, o capitalismo, que só considera cidadão quem for consumidor, transforma o período de Natal no mais fértil momento de vendas de todo o ano. É o lado pagão da festa, pois, normalmente, os presentes têm em vista os próprios filhos (...e não o Filho de Deus) e os próprios pais na terra (...e não o Pai Eterno).
NASCIMENTO E MORTE
Voltando às primeiras palavras deste artigo, esclareça-se que tanto o nascimento quanto a morte de Jesus Cristo não têm data certa. De certo sabe-se que Cristo nasceu... antes de Cristo. Pois é: em função dos cálculos das sucessivas mudanças no calendário ocidental, sabe-se, hoje, sem nenhuma margem de erro, que Jesus Cristo não nasceu no ano da era que leva seu nome (Era Cristã). Jesus teria nascido pelo menos quatro ou até oito anos antes. Estudos mais recentes dão conta de que o Salvador nasceu há 2030 ou 2031 anos, portanto, seis ou sete anos antes da Era Cristã. Neste caso, o próximo ano não seria 2025; deveria ser 2031 ou 2032. No mínimo, 2030. Como calendários são convenções, isto é, feitos e aceitos pelas pessoas, ninguém cogita de fazer o acerto pelo que reza a Ciência e a História. Assim, “la nave va”, e vai-se vivendo.
Os Evangelhos são relatos de Mateus, Lucas, João e Marcos, todos quatro, acredita-se, com convivência pessoal com Jesus. (Existem também os Evangelhos de Pedro e Tomé, ainda não considerados pela Igreja). Esses quatro livros bíblicos foram escritos entre os anos 70 e 100 do século 1, ou seja, pelo menos cerca de 40 a 70 anos após a morte de Cristo. Embora haja contradições entre si em alguns dados, os evangelistas que mais trataram da infância de Jesus (Mateus e Lucas) são unânimes em um fato: que o nascimento de Jesus deu-se ainda no reinado de Herodes Magno (não confundir com os filhos deste, de mesmo prenome: Herodes Antipas e Herodes Felipe). Portanto, como Herodes morreu quatro anos antes do ano 1 da Era Cristã, Jesus, quando foi crucificado, poderia ter até perto dos quarenta anos, e não apenas os 33 anos tão falados e anunciados (“33, idade de Cristo” – dizem, profanamente, os cantadores de bingo).
Portanto, Cristo nasceu entre 8 a.C. e 4 a.C., na cidade de Nazaré, da Galileia, e não em Belém, da Judéia. Não é sem motivo que Jesus era e ficou mais conhecido como “nazareno” (lembrando a cidade natal) ou “um certo galileu” (lembrando a província). Nazaré teria de 2 mil a 3 mil habitantes. A versão de que José e Maria, grávida, foram a Belém por causa de uma contagem de população já foi descartada pelos historiadores atuais, embora ainda subsista na mente de quase todos os cristãos, fixada pelas músicas, conversas e, modernamente, pelos meios de comunicação, livros, cinema etc. Como Belém era a cidade de Davi, e como queriam ligar Jesus à descendência de Davi, forçaram a barra e construíram o roteiro e o motivo da viagem de José e Maria.
O nome “Jesus” (que em aramaico significa: “Javé é a salvação”) é uma variação de “Josué”, nome, por sua vez, muito comum entre os judeus -- tanto que o primeiro nome de Barrabás também era Jesus.
“Cristo” não era um nome, mas um título, que significa, em hebraico, “o ungido”, “o messias”.
Adulto, Jesus tinha 1,80m e 79kg, altura e peso médios dos judeus da época. Esses números coincidem com os dados extraídos da imagem do sudário de Turim (Itália). Esse sudário, como se sabe, seria uma espécie de lençol com que fora coberto o Cristo morto, que deixou suas marcas no pano através de um processo ainda não explicado (radiação?), quando da sua ressurreição.
Pesquisadores e historiadores estão convencidos de que Cristo morreu com a idade de 33 a até 39 anos. Estudiosos respeitados calculam até a data precisa: ou 7 de abril de 30 (portanto, há 1994 anos), ou 30 de março de 36 (1988 anos atrás). Vale observar a diferença de mais ou menos uma semana no dia e de até sete anos no ano.
Os fatos sobre Cristo são assim mesmo. Os evangelistas não eram historiadores, eram seguidores, admiradores, homens de fé. Não dispunham de instrumentos materiais ou metodológicos para relatar os fatos. Não é de estranhar, portanto, os erros, as contradições, as omissões. Talvez sequer soubessem os evangelistas que estavam fazendo história, como personagens e autores, biógrafos do próprio tempo.
Desse modo, os Evangelhos são para crer, não para ver. Eventualmente, o que neles está escrito pode servir de “pista” para os arqueólogos do saber, os desenterradores do passado, no belo ofício de buscar respostas e clarificar obscuridades. Pois todos queremos luz, seja no passado em que não vivemos, seja no futuro para onde, pós-morte, iremos.
Cristo, talvez, não seja para decifrar – é para amar.
Talvez não tenha nascido para a História – mas para a memória.
Talvez não tenha nascido para a Ciência – mas para a consciência.
Muito mais espiritualidade, não apenas historicidade – nem, muito menos, materialidade.
II
O NATAL DE NOEL
A história de Papai Noel começa com a vida da pessoa que inspirou esse personagem. No ano 281 (portanto, há 1.743 anos) nasceu Nicolau. Sua cidade era Patara, um porto na antiga região da Lícia, província romana situada na costa oriental da Ásia Menor, hoje Turquia. O apóstolo Paulo, a caminho de Roma, passou pela Lícia e pelas cidades portuárias Patara e Mira.
O FILHO
Os pais de Nicolau, Epifânio e Joana, eram muito ricos. Embora desejassem ardentemente ter filhos, Nicolau foi o único, que só chegou depois dos primeiros anos de matrimônio e após muitas orações e penitências.
A CARIDADE
Nicolau crescia em sabedoria e bondade, e acompanhava os pais nos atos de caridade que eles pais faziam todos os sábados, à porta do palácio onde moravam, onde se formavam extensas filas de pessoas carentes, que recebiam alimentos, dinheiro e roupas, tudo dado em nome do Menino Jesus.
A PESTE
Uma terrível peste abateu-se em Patara e em toda a Lícia. Muita morte e sofrimento por todos os lados. Nicolau e seus pais fizeram tudo o que podia, do alimento e cuidados com os enfermos ao sepultamento dos mortos e ao consolo do sofrimento dos familiares daqueles que morriam. Epifânio e Joana deram muito mais – deram a própria vida, ceifada pela doença.
O BISPO
Quando a peste passou, Nicolau, sem os pais, tornou-se o único herdeiro e não mudou: continuou empregando os bens herdados a serviço dos pobres. Entrou na carreira eclesiástica e chegou a bispo da mais importante cidade da Lícia, Mira. Seu trabalho de caridade não parava e, anonimamente, continuava a repartir seus bens materiais.
O VIZINHO
Um dos episódios mais conhecidos da história do bispo (depois santo) Nicolau deu-se quando ele soube do drama de Licondro, um homem honrado e arruinado, que fora guerreiro dos exércitos romanos. Pobre e velho, Licondro, que era vizinho de Nicolau em Patara, não sabia como conseguir o dinheiro necessário para formar o dote, o conjunto de bens necessário para que cada uma de suas filhas tivesse um bom casamento. Quase passando fome, Licondro decidiu que suas filhas deveriam vender a própria virgindade para não morrerem de tanta necessidade.
O DOTE
Tomando conhecimento do fato, Nicolau, durante três noites, jogou pela janela da casa de Licondro uma bolsa cheia de moedas de ouro, suficiente para o dote de cada uma das três jovens. Toda vez que mandava a bolsa de moedas, fazia chegar ao conhecimento da família de Licondro que era o Menino Jesus que enviava aquele socorro.
O SAPATINHO
Aliás, vem das práticas de Nicolau a origem do sapatinho na janela ou no pé da cama para receber presente. Certa noite, ao fazer mais uma de suas caridades, o saco de moedas que fora posto na janela caiu dentro do sapato da pessoa beneficiada.
A TRASLADAÇÃO
O bispo Nicolau chegou a sofrer perseguição, no tempo do Imperador Deocleciano. Morreu em 6 de dezembro de 350, aos 70 anos. Foi sepultado em um mosteiro da cidade de Mira. Com a invasão da região da Lícia pelos turcos, em 1804, e para evitar a profanação, soldados e marinheiros italianos transportaram o corpo para a catedral da cidade de Bari, na região da Apúlia, sul da Itália, onde se encontra trasladado desde 9 de maio de 1807. A categoria dos marinheiros tinha em São Nicolau um santo protetor, havendo registros de diversos milagres.
OS MILAGRES
Depois da morte de Nicolau, quem invocava seu nome, sobretudo os pobres, era atendido. No século 6, a devoção a São Nicolau já estava espalhada e chegou ao Ocidente no século 9. Os milagres começaram a acontecer, especialmente na véspera do Natal, que os cristãos, como se sabe, já começavam a comemorar como homenagem ao nascimento de Cristo, em substituição à festa pagã do “Sol Invicto”.
O SÍMBOLO
Na França, no século 16, os festejos de São Nicolau foram deturpados e viraram símbolo comercial. “Noel”, em francês, significa “Natal”. Mas foi da Alemanha que partiu para o mundo a vinculação definitiva de São Nicolau como símbolo maior do Natal. A figura do Papai Noel de hoje nasceu em 1881, nos Estados Unidos.
A ÁRVORE
A árvore de Natal, o pinheiro, já era utilizada pelos antigos romanos, que nelas penduravam máscaras de Baco, o deus do vinho. Mas foi na Alemanha que a árvore do Natal de hoje teve origem, pelo padre e reformador protestante Martinho Lutero. No século 16, Lutero enfeitou um pinheiro com velas, para mostrar às crianças como, simbolicamente, era o céu na noite de nascimento de Jesus Cristo.
O PRESÉPIO E A MISSA
O presépio e a missa do galo foram criações de São Francisco de Assis. O presépio – que apareceu a primeira vez em Greccio, Itália, em 1224 – é para lembrar o ambiente em que Jesus vivia. O presépio era exibido à meia-noite, hora simbólica do nascimento de Cristo. Depois, acontecia uma missa, que era “acompanhada” pelo canto dos galos, aves que habitualmente se “manifestam” às primeiras horas da madrugada.
A MÚSICA
A música “Noite Feliz”, a mais conhecida do Natal, é de 1818, e foi composta na Áustria pelo músico Franz Xaver Gruber, com anotações do padre Joseph Franz Mohr, que imaginou como teria sido a noite do nascimento de Cristo.
O ENDEREÇO
Coube à Finlândia, numa “sacada” inteligente, ser a “hospedeira” e detentora do endereço “residencial” do bom velhinho. Papai Noel mora no Círculo Polar Ártico, na cidade de Rovaniemi, capital da região da Lapônia, na gelada Finlândia. Quem quiser, pode escrever ao Papai Noel, que lá se chama Santa Claus. O endereço: Santa Claus – Arctic Circle, SF 96930 – Rovaniemi – Lapônia – Finlândia.
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Turquia... França... Alemanha... Estados Unidos... Itália... Áustria... Finlândia... Como se vê, a construção e manutenção das pessoas, personagens e símbolos do Natal envolvem as diversas regiões do mundo.
Espera-se que, um dia, todo esse esforço sirva para além das comidas, dos presentes e dos atos religiosos eventuais, formais.
Viva(-se) o Espírito do Natal.
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BIBLIOGRAFIA: Vida de Jesus (Ernest Renan, Ed. Martin Claret, SP, 1995); Dicionário Bíblico (John L. MacKenzie, SP, Ed. Paulinas, 1983); Um Santo Para Cada Dia (Mario Sgarbossa e Luigi Giovannini, SP, Ed. Paulus, 1996); Os Santos de Cada Dia (J. Alves, SP, Ed. Paulinas, 1990); Guia dos Curiosos (Marcelo Duarte, Ed. Cia. das Letras, SP, 1995); revista Galileu, n° 113, dez./2000, Ed. Globo, RJ; revista IstoÉ, n° 1629, 20/12/2000.
* EDMILSON SANCHES