Os professores Sebastião Moreira Duarte, José Geraldo da Costa e eu já conversamos muito, estimulados pelo bom ambiente, pela boa mesa e pelos bons espíritos (ou seja, as bebidas) da antiga Cantina Don Vito, que marcou época e pontificou em Imperatriz (MA) por cerca de 30 anos, de 1986 a 2015.
Éramos um trio palrando sobre coisas e loisas do ser humano e do século, isto é, do mundo. Sebastião, maranhense que nasceu no Ceará; Geraldo, o decano do trio, imperatrizense que nasceu em Recife, Pernambuco – e eu, caxiense da gema, clara e casca.
Essa nesga de lembrança me chega quando, na multidão de mensagens perdidas e achadas em uma multidão de grupos e pessoas do aplicativo WhatsApp, leio um “pedido”, feito ao nosso amigo comum José Carlos Castro Sanches e por este “socializado” no grupo da Sociedade de Cultura Latina do Brasil.
Sebastião Duarte fez a seguinte “encomenda” (termo dele): “[...] descubra pra mim o significado do sufixo ‘íua’, que forma tantas palavras de origem indígena no Maranhão”.
Sebastião referia-se ao “sugestivo” topônimo “Paricatíua”, povoado à beira do Rio Itapetininga, no quase nonagenário município de Bequimão (criado na Baixada Ocidental maranhense em 19 de junho de 1935; 20 mil habitantes). O químico e escritor José Carlos, suplicante, pergunta a cada leitor do outro lado da telinha do celular: “Quem pode responder a pergunta acima?”
Essas três letrinhas vão precisar de muitas outras para explicá-las... (Mas, quem sofre de exarticulação precoce, isto é, fragmentação e perda de coesão, vá direto para o parágrafo precedido do intertítulo “Paricatíua: O Significado”).
Comecemos:
Os especialistas deram um novo nome para “sufixo”: agora, chama-se “pospositivo”, que é a partícula que vem ao final da palavra – quando é o caso de o processo de formação do vocábulo precisar dessa “pós-elemento”, dessa parte final.
Deve-se dizer, logo de saída (ou entrada...), que, nesse caso e contrariamente, não se aplica o pospositivo “-íua” no fitônimo “paricatíua”. O pospositivo “-íua”, e suas variantes “-iba” e “-iva”, vêm do tupi “-iwa”, que significa “ruim”, “imprestável”, “feio” – como no muito citado exemplo do nome de Estado “Paraíba”, em que “Pará-“ é “rio” ou “mar” e “-iba” é “ruim”, significando “rio impróprio ou ruim para navegar”, porque, pelo menos no início de seu canal, ali pelos idos do século XVI ou início do XVII, o Rio Paraíba não seria largo o bastante para certas embarcações.
Vale lembrar que existem também, com semelhante grafia, os pospositivos “-iwa” e “i’wa”, onde o primeiro significa “tronco”, “árvore”, “planta”, “haste”, “pau”, e o segundo, “fruto”, “fruta”. Ambos, na transcrição / transliteração para a Língua Portuguesa, assumem grafias e variantes como “-iba”, “-iva”, “-uba”, “-uva”, “-aba”, “-ava”...
PARICATÍUA: O SIGNIFICADO
Especificamente, no caso de “Paricatíua”, este é um nome botânico (fitônimo) dado como nome a uma localidade (topônimo). “Paricatíua” é formado do tupi “paricá-“, que é nome de uma árvore, mais “-tíua”, o pospositivo tupi que significa “muito”, “em abundância”. Assim, “Paricatíua” é nome tupi que significa ajuntamento, abundância de paricás. Retorne-se e reforce-se a lembrança das costumeiras variações gráficas quando o Português assume um termo alienígena para seu “corpus” linguístico ou vocabular: em tupi, “paricá-“ é “pari’ka” e “-tíua” é “-tiwa”, este que, transliterado, escreve-se “-tiba”, “-diba”, “-tuba”... Alguns exemplos: “Mangaratiba”, ajuntamento de mangarás, que são tipos de ervas e plantas – estas também chamadas taiobas ou taiovas, entre outros nomes. “Ubatuba”, abundância de ubás, que são caniços ou pés de canas fininhos.
Só conheço de foto a árvore paricá. Deve haver – ou no mínimo deve ter havido – muitas delas pela Baixada maranhense, mormente em Bequimão, maiormente no Povoado Paricatíua. Os indígenas não chamariam o lugar se não houvesse, em grande quantidade, a planta ou árvore que eles denominavam “paricá”. É o que os tupinólogos chamam de “composição atributiva”, que é o modo de os indígenas formarem uma palavra em que um elemento posterior atribui uma qualidade, dá uma característica ao primeiro elemento da palavra. No caso de “Paricatíua”, “paricá-“ é o primeiro e principal elemento (a árvore) e o segundo elemento é uma espécie de adjetivo, um qualificador, “-tíua”, que diz que naquele lugar há (ou havia) muitos pés de paricás.
Sobre o paricá, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), patrimônio e orgulho de todo brasileiro, diz que é uma árvore de até 40 metros de altura e 1 metro de diâmetro e, em diversos Estados brasileiros, floresce de maio a julho e frutifica de agosto a outubro. A planta é “quente”: não gosta de temperaturas frias, gosta mesmo é de sol (heliófila). Anota-se, ainda, que no Pará o paricá é também conhecido como “faveira”; em Rondônia, “bandarra”; e, entre outros, no Acre, “canafístula” (na Pré-Amazônia maranhense, faveira e canafístula ou canafista são outro papo, isto é, são outros tipos de árvores. Mas são coisas e nomes desse imenso e redundante Brasilzão...).
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A propósito, a palavra “Itapetininga”, que dá nome ao rio que margeia o Povoado Paricatíua, em Bequimão, também é termo tupi e significa algo como “rio sinuoso, ladeado de penedos / rochas / lajes”. Há definições aproximadas; esta daí tem como base a obra “Diccionario Geografhico da Provincia de S. Paulo – Precedido de um Estudo sobre a Estructura da Lingua Tupi e Trazendo, em Appendice, uma Memoria sobre o nome AMERICA” (grafia original), de 1902, livro póstumo do grande maranhense de Caxias, advogado, jurista, jornalista, genealogista, estudioso do tupi e escritor João Mendes de Almeida (1831-1898).
O Dr. João Mendes fundou vários jornais em São Paulo, foi presidente do Instituto dos Advogados paulistas, o Iasp (fundado em 1874), e foi deputado e presidente da Assembleia de São Paulo, Estado e cidade que o homenagearam oficialmente, em 1898, com nome e busto em grande praça – existente desde 1757 – na região central (bairros Sé e Liberdade) da capital paulista. Em frente à praça, o Fórum de Justiça de São Paulo, o maior da América Latina, que leva o nome de João Mendes de Almeida Júnior (1856-1923), filho paulistano do caxiense Dr. João Mendes, que era casado com Dª Ana Rita Fortes Leite Lobo.
Além do “Diccionario” de João Mendes de Almeida, vali-me do “Dicionário de Tupi-Guarani” da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), do “Dicionário Houaiss” e da “Infoteca” no “site” da Embrapa, para as informações sobre a árvore paricá.
* EDMILSON SANCHES
Foto:
O povoado Paricatíua, no município de Bequimão (MA). No alto, à direita, o rio Itapetininga.