
– “PsicoBARsia” estreou nesse sábado, 22 de novembro, às 20h, no Sesc Caxias
– Poema de Edmilson Sanches integra a peça teatral e traz registros sobre bares históricos, bebidas, pessoas...
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Com direção de Gilvaldo Quinzeiro, também autor do texto e roteiro, e poemas do mineiro Carlos Drummond de Andrade e dos caxienses Gonçalves Dias e Edmilson Sanches, estreou nesse sábado, 22 de novembro de 2025, às 20h, no auditório do Serviço Social do Comércio (Sesc), em Caxias (MA), a peça teatral “PsicoBARsia”, onde poesia e música “falam sobre os bares da alma”, o que inclui “saudades e outras coisas que tais”, como anuncia o “card” de divulgação nas redes sociais digitais.
Dez nomes caxienses atuam em “PsicoBARsia”: Deusdete Oliveira, Émile Raquel, Francisca Rejane, Giovanna Campos, Jeias Marques, Julimar Silva, Marechal, Oriel, Ozias Silva e Richardson Santana. Além do amor à Arte, à Música, à Literatura e à Dramaturgia, esses nomes desempenham outros papeis no dia a dia da vida: são cantores, “designers”, estudantes universitários, folcloristas, jornalistas, músicos e professores... e frequentadores de bar.
Com indicação para maiores de 16 anos, “PsicoBARsia” era uma ideia que, na mente do diretor, ia e voltava, até que no início deste ano Gilvaldo Quinzeiro segurou o mote mental e o transformou em gesto textual, materializando em palavras o que será mostrado ao público em imagens, músicas, monólogos, diálogos e gestualidade e movimentação dos atores e os objetos de cena.
Caxias é terra de grandes nomes do teatro brasileiro, à maneira de Gonçalves Dias, Coelho Netto e Ubirajara Fidalgo – e também Aderson Ferro, o dentista caxiense, formado em Paris, que é autor do primeiro livro brasileiro de Odontologia e, paralelamente, incentivador do Teatro, tendo criado diversas bibliotecas e grupos teatrais no estado do Ceará, onde foi sepultado. Nesse segmento, nos dias atuais, destaca-se o professor Gilvaldo Quinzeiro, escritor com quatro livros publicados, inclusive bilíngues, jornalista, diretor do grupo “Abraçarte” e da publicação digital “Sky Culture Magazine”, apresentador de programas de exposição de ideias e debates (o “Baralharte” e “No Divã das Palavras”), ativista e realizador cultural já com inserção nacional e internacional, sobretudo em países de língua de ascendência latina, como a Romênia.
O gosto pela palavra tem relevo para Gilvaldo Quinzeiro, com origem, como ele define, na “oralidade cabocla”, ouvida e assumida a partir da zona rural caxiense onde ele nasceu. O neologismo “PsicoBARsia” intenta nomear o conjunto de sentimentos e atitudes que levam as pessoas e suas dores e emoções ao bar, uma espécie de “divã” onde tomam lugar ao mesmo tempo vários “clientes-pacientes”, os frequentadores. No bar, como se em um novo processo alquímico, as pessoas e suas dores são transformadas / transmutadas pelo ambiente, pelas bebidas e pelas conversas, que agem no espírito humano e converte dor em alegria, choros em risos, isolamento em abraços, solidão em solidariedade, onde se dividem informações, histórias e até tira-gostos... O bar, em sua positividade, é um brinde à vida. Segundo Quinzeiro, “a gente tem que se interessar pelos espaços onde seres humanos se reúnem. É papel do artista transformar a feiura do mundo em coisas belas -- e isso é o que a Arte proporciona”.
A peça “PsicoBARsia” reflete esse estado de coisas e de alma. Para a dor, o bar é divã. Para o teatro, dor e bar são arte e alegria.
A convite pessoal do diretor e autor Gilvaldo Quinzeiro, o jornalista, administrador, palestrante e escritor caxiense Edmilson Sanches comparece com um trabalho feito especialmente para a peça “PsicoBARsia”, o poema “Pelos Bares”. Frequentador de tradicionais e históricos bares de Caxias nas décadas de 1960 e 1970, Sanches registra em versos o “Bar Vá-Vá”, o “Recanto dos Poetas”, o “Fiapu”, o bar do Excelsior Hotel, estabelecimentos que, uns, espalham lembranças na mente, e, outros, ainda espalham mesas no salão e na calçada...
Sanches adianta que “são versos simples, pois simples são os bares, seus donos, seus clientes”. Ele conta que “são 31 estrofes, para lembrar os meses de 31 dias, o que confirma que não há um dia sequer em que algum bar em algum lugar não esteja sendo frequentado e servindo”. Entre outras observações, Edmilson Sanches antecipa que as estrofes apresentam tamanhos (metrificação ou escansão) diferentes, indo de três a 17 sílabas poéticas: “Essa metrificação variada simbolizaria a forma trôpega, irregular, dos passos bêbados; e o número maior de estrofes de 14 sílabas é tão só simbólico, um ‘divertissement’, para lembrar a brincadeira de fazer com as pernas UM QUATRO (1 – 4), com o que a pessoa, geralmente bêbada, tentaria mostrar que manteria o próprio equilíbrio...”.
Os versos de Edmilson Sanches apresentam, representam e documentam os bares, os ambientes, os fatos, as conversas, os tipos e marcas de bebidas, os tira-gostos, os processos de fabricação, as pessoas, como seu amigo o jornalista Vítor Gonçalves Neto, falecido, e, em termos gerais, a prestativa figura do trabalhador e verdadeiro servidor público, o garçom.
Nas duas estrofes finais, escreve Sanches:
“Eis aí o bar, também chamado bodega,
taverna, baiuca, boteco, botequim...
Ei-lo aí, o bar, que recebe e entrega
convívio, amizade e, às vezes, briga, sim...
Um bar – sabemos – não cabe em um verso.
Um bar – eu sei – não se conta em um causo.
Mas um bar, ainda que controverso,
cabe na palma das mãos --- em aplauso...”.
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A seguir, a íntegra do poema com as observações, constantes do documento enviado para o diretor Gilvaldo Quinzeiro.
(EDMILSON SANCHES)
PELOS BARES
(EDMILSON SANCHES)
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Responda-me, pessoa amiga,
o que é que um bar tem.
Tem bebidas e, lhe digo,
tem muita história também.
Entre as bebidas, você conhece
a dupla que talvez já bebeu
– o bate-bate e o S. O. S. –,
que muitas gargantas aqueceu.
Hoje é muita cerveja e cachaça,
uísque, vodca, vermute e gim,
conhaque, licor, champanhe em taça
e um bom vinho pra você e pra mim.
Tem também absinto, rum e o vermute,
tem grapa, hidromel, tiquira, saquê,
e tem bitter, bourbon, sidra e, me escute,
tem tequila pra mim e pra você.
São variadas as bebidas,
variados também os drinques
– que até podem curar feridas
e deixar a pessoa “nos trinques”.
Entre os drinques – tim-tim! –, a cuba-libre, martíni,
o xixi de anjo, sangria, blood mary, daiquiri,
ponche, mojito, a caipirinha que nos define;
a piña colada, margarita... e vai por aí...
São bebidas e drinques, feitos com cevada, centeio,
trigo, milho, cana, caramelo, água, fungo, fermento
e outras coisas -- nem queira saber... – ali pelo meio.
Tudo, líquido e certo, marca, brinda cada momento.
Há os que não bebem só: têm amigos, aquela pessoa amada
... e bons tira-gostos: queijo, torresmo, linguiça, limão,
salsicha, farofa, tripa e bofe, carne cozida, assada,
mais azeitona, amendoim e batatinha de montão.
Antes de passar pela goela, pelos campos passa a bebida:
é plantada, é cuidada, é colhida, lavada, moída;
é fermentada, destilada e, se for o caso, envelhecida
– para, só depois, no bar, ser servida, brindada, dividida...
Mas todo bar vai muito além
de ser comércio de bebidas:
todo bar, cada bar, também
é lugar de histórias vividas.
Pois além das conversas animadas,
ou das comemorações divertidas,
há histórias, de amor, que são contadas;
histórias que, por dor, são (res)sentidas.
Paixões -- pelo futebol ou pessoa amada...
Cultura... Política... Vida alheia e mais
– sim, em todo bar toda coisa é falada,
em clima, espera-se, de ânimo e paz...
Ali, frente à Estação de trem em Caxias,
houve o pequeno e frequentado “Bar Vá-Vá”,
ponto dos ferroviários todos os dias
(eles diziam ir pro lanche, mas bebiam lá...).
E há décadas se mantém, no centro da cidade,
o bar do central e histórico Excelsior Hotel,
onde hóspedes e caxienses --- fraternidade –
brindam encontros, reencontros, mar, terra e céu.
E não nos esqueçamos do menor bar do mundo,
o pequenino Fiapu, na Praça da Matriz,
substituído – não sem um pesar profundo... –
por lanchonete de petiscos para petiz.
“Recanto dos Poetas” foi o mais tradicional
– com bebidas e letras se fazia coquetel.
Ponto de encontro do boêmio e do intelectual;
e, no balcão, muitos dicionários a granel...
Do A ao Z há centenas de bares
– no centro, nos bairros, no interior.
Têm o nome dos donos e são lares
– “ambiente familiar”, sim, senhor.
A esses bares vão chegando, em doses, as pessoas
com suas sedes, suas fomes, seus motivos, suas vontades.
Em geral são homens e são mulheres, gentes boas,
em busca de momentos após suas atividades.
A uma dessas pessoas, um brinde à sua memória:
nosso jornalista Vítor Gonçalves Neto.
Pioneiro em Caxias, registrou e fez História,
com técnica e também humor e muito afeto.
O mais caxiense dos piauienses, ele era
nascido em Teresina, capital, verde cidade.
Vítor sabia, por seu ofício e amor, a atmosfera
de Caxias, suas ruas, suas esquinas, sua realidade...
Das esquinas, dos bares, dos cabarés, nem se fale...
Vítor os conhecia a todos, de cor e salteado,
e sobre isso escrevia em seu jornal coisa que vale,
deixando pra nossa História tudo documentado.
À mesa ele se sentava, fumando seu cigarro,
e sobre Caxias e a vida, de tudo conversava,
e de (in)certas “figuras” ria e delas tirava um sarro,
e bebia e contava... bebia e sorria... bebia e fumava...
Mais tarde, ali mesmo, à mesa, a cabeça lhe pendia,
o sono chegava, e com ele o Vítor não brigava:
o par de olhos detrás dos óculos nada mais via...
O Vítor da muita fadiga um pouco descansava.
Para o Vítor, o rebuliço de um bar era trilha sonora
para um instante de repouso, descanso, recuperação.
Era escritor, jornalista, ofício dos tempos; e o aqui e agora,
local do cotidiano mister, e da saudável inação...
Há nos bares
falares
cantares
amores
amares.
Há nos bares
bebidas
e vidas,
pessoas
queridas.
Há nos bares
a paixão
ilusão
alegria
emoção.
E quase tudo
que há
se encontra
de bar em bar...
E em cada bar, prestativo, amigo, o garçom
servindo no copo, taça, balde, caneco
a vida líquida vivida em dose, com
o ambiente que só há no bar ou boteco.
Eis aí o bar, também chamado bodega,
taverna, baiuca, boteco, botequim...
Ei-lo aí, o bar, que recebe e entrega
convívio, amizade e, às vezes, briga, sim...
Um bar – sabemos -- não cabe em um verso.
Um bar – eu sei -- não se conta em um causo.
Mas um bar, ainda que controverso,
cabe na palma das mãos --- em aplauso...
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OBSERVAÇÕES
1. São versos simples. Pois simples são os bares, seus donos, seus clientes.
2. São 31 estrofes, para lembrar os meses de 31 dias, o que lembra que não há um dia sequer que algum bar em algum lugar não esteja sendo frequentado e servindo.
3. Das 31 estrofes, 28 têm quatro versos (quadras ou quartetos ou estâncias) e 3 têm cinco versos (quintilhas ou quintetos).
4. Os versos de cada estrofe são isométricos, ou seja, o número de sílabas é igual – à exceção de duas quintilhas, com metrificação trissilábica no 1º verso e dissilábica nos demais 4 versos, e uma quadra, onde o 1º e 4º versos são tetrassílabos e o 2º e 3º, trissílabos.
5. Se há isometria nos versos de cada estrofe (com as três exceções do item 3, acima), as demais 28 estrofes apresentam números diferentes de sílabas. Essa metrificação (escansão) variada simbolizaria a forma trôpega, irregular, dos passos bêbados. Com três sílabas (trissílabo), há 1 estrofe. Com sete (heptassílabo, ou redondilha maior), há 1 estrofe. Com oito (octossílabo), 2 estrofes. Com nove (eneassílabo), 2 estrofes. Com dez (decassílabo), 4 estrofes. Com onze (hendecassílabo), 1 estrofe. Com doze (dodecassílabo), 4 estrofes. Acima de doze sílabas, são os versos ditos “bárbaros”: o poema tem 4 estrofes com treze sílabas, 5 com quatorze, 1 com quinze, 1 com dezesseis e 2 com dezessete sílabas. Relembre-se a existência das 2 quintilhas e 1 quadra com metrificação especial, já antecipada no item 3.
6. Como se sabe, a metrificação ou escansão (contagem das sílabas poéticas) segue critérios tradicionais, que podem ser “rompidos” pelo autor dos versos. Assim, há casos em que o autor adota seus próprios critérios, considerando ou não como sílaba poética aquilo que o modelo clássico, tradicional, não recomendaria. São os casos que envolvem os recursos da sinalefa (junção de duas sílabas numa só); elisão (supressão de vogal); crase (fusão de vogais iguais); sinérese (contração de duas vogais contíguas em ditongo); diérese (separação de vogais em mesma palavra); e hiato (encontro de duas vogais átonas, que vão formar uma só sílaba). Assim, um leitor mais informado poderá contar um número de sílabas poéticas em um verso diferente do que contou o autor.
7. O número maior de estrofes de 14 sílabas é tão só simbólico, um “divertissement”, para lembrar a brincadeira de fazer com as pernas UM QUATRO (1 – 4), com o que a pessoa, geralmente bêbada, tentaria mostrar que manteria o próprio equilíbrio...
8. Quando necessário, convidar o autor para explicitar uma ou outra passagem, a fim de o texto poético poder ser transmitido o mais fielmente possível pelo ator / declamador.
9. O texto será dado a conhecer a um dos descendentes do jornalista citado no poema.
10. Está internado em UTI o Sr. Paulo Sérgio Assunção, nosso conterrâneo e amigo, fundador e dono do bar “Fiapu”. Votos de que se restabeleça.
11. Êxito no musical. (EDMILSON SANCHES)