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“Provavelmente, a inação, a omissão e a má ação das administrações públicas causaram muito mais mortes do que o disparo de armas de fogo nesta cidade”.
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“[...] já está completa a maior parte da quota de erros, medos, apropriações e omissões a que as administrações tinham direito”.
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“[...] em Imperatriz, cerca de 2.500 pessoas chegam todo ano à idade de trabalho. E a pergunta é: Quais são as políticas públicas e quais os esforços da iniciativa privada para absorver tal contingente de mão de obra? Não se sabe. Pior: não existem”.
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“[...] mais que administrar uma cidade, é necessário fundar e fundamentar as bases de uma nova sociedade – inteligente, ágil, participativa e de resultados”.
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“Governantes devem deixar esse jeito desfibrado, invertebrado e desossado de fazer administração pública e partir para atitudes com mais cálcio... e fosfato. Ao lado de ações emergenciais (tipo estancar a sangria desatada), deverá haver procedimentos clínicos mais detalhados, com exames laboratoriais acurados, radiografias, ultrassonografias e tomografias localizadas, a fim de que seja elaborado o melhor diagnóstico possível das condições vitais desta paciente Imperatriz”.
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Imperatriz tem 171 anos de desenvolvimento de sua história, mas menos de 70 anos de história de seu desenvolvimento. Sua fundação ocorreu em 16 de julho de 1852, mas seu crescimento começou, verdadeiramente, a partir de 1960, com a inauguração da Rodovia Bernardo Sayão (o nome oficial da BR-Belém/Brasília).
DESCOMPROMISSO
Há anos, o desenvolvimento de Imperatriz vem sendo eclipsado por forças políticas absolutamente descomprometidas com a visão de futuro, a linguagem político-social contemporânea, a formação técnica e a prática de Administração Pública que norteassem e conduzissem o município (e, por força de arrasto, a região) rumo a melhores condições de progresso econômico e social.
Se os administradores públicos tivessem tido um pouco mais de boa vontade, esforço, sabedoria e competência, Imperatriz estaria gozando de melhor saúde urbana, econômica e cultural, base para um cenário de futuro mais estável para o município.
A adoção de ferramentas do planejamento estratégico deveria ser preocupação contínua e ação permanente por qualquer governante, sobretudo de municípios do porte econômico e localização estratégica como é o de Imperatriz.
ATRASO
Interesses menores, na maioria das vezes mesquinhos, engessaram as pernas que poderiam ter dado o salto maior de progresso econômico e de qualidade de vida.
Há muito tempo, Imperatriz poderia estar ostentando o título de um dos melhores lugares do Brasil para se viver, em termos não apenas de crescimento econômico mas de percepção de felicidade humana.
Entretanto, o município exibe um atroz descompasso em ser um dos maiores do país em população e estar com elevado percentual de pessoas em estado de pobreza, segundo o IBGE (Índice de Gini).
A falta de ação planejada e contínua de quem tem poder, a miopia dos que têm dinheiro e influência nesta cidade,...
... a ausência de compromisso sério, de formação de uma agenda permanente de desenvolvimento, com estabelecimento de prazos e resultados (como foi e está sendo feito em diversas cidades brasileiras de mesmo porte),...
... o quase menosprezo, senão desdém, aos trabalhadores e produtos do conhecimento arremessaram Imperatriz para o atraso institucional e ampliaram o espaço para a degradação e “exportação” de seu nome, associado falsamente, durante algum tempo, a uma imagem de cidade bandoleira e violenta e, agora, de cidade “feia”, sem infraestrutura urbana, sem parques, sem arborização...
Provavelmente, a inação, a omissão e a má ação das administrações públicas causaram muito mais mortes do que o disparo de armas de fogo nesta cidade.
MOINHO
Não há como recuperar o tempo perdido. O moinho do tempo continua a girar, e as águas do passado no máximo servem para irrigar nossa memória e lembrar-nos de que já está completa a maior parte da quota de erros, medos, apropriações e omissões a que as administrações tinham direito.
POTENCIAL
Imperatriz é, hoje, uma das maiores cidades do país (a de número 102) em população, aí incluídas as 27 capitais, entre os 5.570 municípios brasileiros.
Essa classificação coloca Imperatriz natural e automaticamente sob os olhos dos planejadores públicos, desperta os interesses de investidores privados, atrai a atenção de pessoas e instituições as mais diversas.
Só que os governos de Imperatriz nunca souberam ou quiseram capitalizar esse potencial por meio de um programa sistêmico e sistemático, orgânico e organizado, com participação popular, para definição e atração de empreendimentos e captação de recursos.
TÍTULOS
Surpreende a pouca vontade, o distanciamento, a frieza, o ceticismo de administradores públicos e assessores explicitamente sem alma, sem paixão e até sem razão na condução dos interesses (credo!) de sua pasta.
Se fosse outro o município que tivesse o privilégio de ser conhecido como “Capital Brasileira da Energia” ou “Metrópole da Integração Nacional” ou “Portal da Amazônia”, tenho certeza, esses títulos há muito estariam sendo competentemente capitalizados por uma maciça campanha publicitária para atração de investimentos.
Afinal, palavras como “Energia”, “Integração” e “Amazônia” são referências de fino trato, presentes em qualquer agenda ou diálogo da contemporaneidade. O atraso ou a preguiça são nossos, que mandamos “tocar” o enterro e morremos de fome só porque não queremos ou não sabemos cozinhar o arroz.
DIAGNÓSTICO
Para desenvolver Imperatriz e, por consequência, induzir o desenvolvimento da região, urge redefinir modelos e práticas administrativas e atualizar o foco de desenvolvimento do município.
Governantes devem deixar esse jeito desfibrado, invertebrado e desossado de fazer administração pública e partir para atitudes com mais cálcio... e fosfato.
Ao lado de ações emergenciais (tipo estancar a sangria desatada), deverá haver procedimentos clínicos mais detalhados, com exames laboratoriais acurados, radiografias, ultrassonografias e tomografias localizadas, a fim de que seja elaborado o melhor diagnóstico possível das condições vitais desta paciente Imperatriz.
HISTÓRIA
Todo governante administra para a História – admita ele ou não. Quem administra apenas de olho no seu próprio período (ou, no máximo, em mais um ou outro) pode até constar no caderno de atas, mas não aparecerá no livro de honra.
Portanto, mais que administrar uma cidade, é necessário fundar e fundamentar as bases de uma nova sociedade – inteligente, ágil, participativa e de resultados.
IRRESPONSABILIDADE
No ano de 1985, um completo diagnóstico para o desenvolvimento de Imperatriz, válido por dez anos, foi entregue às autoridades da época.
Tratava-se do relatório técnico da “área-programa de Imperatriz” do Programa de Desenvolvimento Integrado da Bacia do Araguaia–Tocantins, desenvolvido nada mais nada menos do que por trezentos técnicos os mais diversos, financiados pela Organização dos Estados Americanos e Ministério do Interior.
Em um verdadeiro crime de lesa-futuro, de lesa-informação, de lesa-pátria, nenhum gestor público (afora quem recebeu o documento), nenhuma liderança empresarial, nenhum líder comunitário ou classista tomou conhecimento de tão amplo diagnóstico.
Não se tem conhecimento, na história deste município, de qualquer estudo mais amplo e completo do que aquele, que continha inúmeros mapas desdobráveis, séries históricas, levantamentos e análises, projeções e estimativas.
A irresponsabilidade fechou no cofre da ignorância parte do futuro de Imperatriz. Anos depois, por falta de ar, parte desse futuro estava irremediavelmente morta.
POPULAÇÃO
Na primeira década dos anos 2000, Imperatriz registrou uma elevada densidade populacional. No período de apenas duas gerações, Imperatriz saiu de quatro habitantes por quilômetro quadrado (1963) para 185 (em 2016). É como se, numa casa onde só coubessem quatro pessoas (pai, mãe e dois filhos), de repente tivesse de conviver um total de gente 46 vezes maior.
O que ocorre numa situação dessas? Problemas, muitos problemas. Do imprensado nos quartos aos desconfortos no banheiro, da falta de água gelada na geladeira à falta de comida nas panelas, a situação vai correndo para uma situação de vexames e atritos.
DESEMPREGADOS
Mais: em Imperatriz, mais de 2.500 pessoas chegam todo ano à idade de trabalho. E a pergunta é: Quais são as políticas públicas e quais os esforços da iniciativa privada para absorver tal contingente de mão de obra?
Não se sabe. Pior: não existem. Esses mais de 2.500 jovens vão se juntar aos mais de 2.500 jovens do ano anterior e de outros anos passados, juntam-se aos igualmente angustiados e enraivecidos jovens que ainda vão completar a idade. A todos estes juntam-se os desempregados, os subempregados e precarizados, os biscateiros, os sem-teto, os com-cola (de cheirar), as crianças e adolescentes que não entram nas estatísticas mas entram na realidade da vida (deles e nossa).
Como miséria pouca é bobagem, a essa legião de quase desesperados e desesperançados vão-se juntar os futuros desempregados, aqueles que não têm qualificação (pois o mercado e a tecnologia não regridem para absorvê-los), aqueles que perderam o emprego público (pela falta de capacidade de investimento do governo).
E contem-se, também, os loucos, os presos, os velhos, os doentes e os deficientes desempregados, enfim, todos aqueles que têm o direito de ser sustentados pela matriz pública e pela sociedade em geral.
FOGO
Assim caminha Imperatriz. Apesar da aparente normalidade (será?), uma espécie de fogo social, como fogo de monturo, está queimando as bases da vida em comunidade.
Políticas públicas tão urgentes quanto competentes têm de ser implementadas, inicialmente por torniquete, se for o caso, e, depois, após radiografia completa do “corpus” (a população) e do “locus” (o território) de Imperatriz.
Basta de rascunho!
Chega de esboço!
Imperatriz merece um futuro mais bem escrito... e construído...
... coletivamente construído, se o "espírito público" de seus administradores chegar a tanto...
Aguardam-se os a(u)tores dessa nova história.
* EDMILSON SANCHES
Ilustração – Imperatriz: É preciso caminhar um novo caminho...