Sobre mudança e liderança. Revolução com evolução.
– Que tipo de liderança Imperatriz exercerá? Sobre que base econômica se erguerá? Sob que matriz cultural se abrigará e qual formará?
“Se um pouco de sonho é perigoso,
não é menos sonho que há de curá-lo,
e sim mais sonho, todo o sonho”.
(PROUST, 1871-19122)
“Só o impossível é digno de ser sonhado.
O possível deixa-se colher no solo fácil de cada dia”.
(ABGAR RENAULT, 1903--)
“O princípio moral das revoluções
é instruir, não destruir”.
(THOMAS PAINE, 1737-1809)
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INTRODUÇÃO
Quando das comemorações dos 200 anos da Revolução Francesa, completados em 1989, dezenas de presidentes, governantes e líderes de países de todo o planeta foram a Paris, para prestigiar aquela data bicentenária. Conta-se que, quando o primeiro-ministro chinês desceu em solo francês, foi um dos mais procurados pelos jornalistas, ansiosos pela opinião do mandatário da mais populosa nação do mundo. Na primeira oportunidade em que puderam “cercar” o governante da milenar China, fizeram a óbvia pergunta:
“– Ministro, qual a sua opinião sobre os 200 anos da Revolução Francesa?”
Já saindo, respondeu o premiê:
“– Ainda é muito nova para ser comentada”.
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Em janeiro de 1995, a cidade de Imperatriz, no Maranhão, cerca de 20 mil pessoas marcharam firmes contra uma situação de penúria moral e administrativa que assolava o Poder Executivo e, por via de consequência, todo o município. A institucionalidade pública da época sentiu o abalo provocado pelas ondas sísmicas dos passos, das passadas e da passeata que terminou por ocupar, pacífica e civicamente, a prefeitura e a Câmara de Vereadores. O prefeito foi deposto e um golpe dos vereadores, que tentavam a substituição, foi sufocado pela força da população em marcha.
Ainda bem que, ao completar seus primeiros trinta anos, a “Revolução de Janeiro” (nome pelo qual ficou conhecido o movimento popular imperatrizense de 1995) não será “comentada” por um asiático e seus milênios de ancestralidade. Sê-lo-á, sim, por nós mesmos daqui deste chão de histórias sagradas e sangradas.
Revoluções têm subprodutos e superprodutos. Os subprodutos são imediatos, estão abaixo da revolução e dela dependem. Os superprodutos são mediatos, estão acima da revolução e a aperfeiçoam.
A troca de um mandatário por outro é um subproduto, é imediato, é consequência de uma revolução. Já a mudança de mentalidade, a consciência cidadã e a cidadania consciente, a postura vigilante, o desenvolvimento do sentimento de pertença (ownership) em pessoas e na comunidade são superprodutos, que precisam da mediação (portanto, são mediatos) de forças terceiras para existirem e se aperfeiçoarem e, assim, nutrir os ideais revolucionários e fazê-los prosperar também – pois, à maneira de Chateaubriand, “toda revolução que não se efetuou nos costumes e nas ideias fracassa”. Fracassa – evidentemente, não nos resultados (que são imediatos), mas na permanência (à qual faltou mediação).
O que se queria em 1995 em Imperatriz não era apenas uma substituição de gestores públicos. O que se desejava mesmo, subjacente à ação do movimento, à ocupação cívica e pacífica dos prédios públicos e a deposição do prefeito, era exercício permanente da cidadania, um aprendizado para a vida toda – “lifelong learning”. O que se queria em 1995 era menos a destruição da desordem e, mais, muito mais, a construção, a instrução e instauração de uma nova ordem.
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O advogado Ulisses de Azevedo Braga, presidente do Fórum da Sociedade Civil de Imperatriz e considerado a figura de excelência e de referência da “Revolução de Janeiro”, ocorrida em 18 de janeiro de 1995, em Imperatriz, foi um dos mais consistentes pensadores (e agentes) quando o assunto era cidadania. Sua pregação e ação naqueles meados dos anos 1990 foram fundamentais para que o mais legítimo movimento popular imperatrizense chegasse aos resultados imediatos a que chegou.
Mesmo recolhido por anos na cidade natal, Carolina (MA), em reflexões, escrituras e aperfeiçoamento espiritual, Ulisses Braga (falecido em janeiro de 2011) acreditava que, se a sociedade civil organizada foi capaz de fazer o que fez em Imperatriz, muito mais ela poderia fazer. Em 1995, avaliava, “o padecimento era maior”, Imperatriz era “uma cidade sitiada”, onde “um aglomerado de pessoas se estava eternizando nos poderes municipais”.
SEMENTES
De 1995 para cá, o tecido social que se havia cerzido sob o signo do descaso administrativo na prefeitura, foi-se descosendo, esgarçando. Mas o fio (condutor) continua existindo e pode/deve voltar ao buraco da agulha, para nova costura comunitária e institucional. Nesse novo cerzimento, unem-se os pontos da cidadania, da ética, da transparência, da competência nos Poderes Públicos e em tudo o que diga respeito à vida coletiva, ao bem comum, à construção cooperativa da felicidade em sociedade.
Os frutos de uma revolução não podem ser comidos assim inteiramente. Preservem-se as sementes e deixe-se-lhes vingar, viçar, formar-se árvore, aprofundarem-se as raízes, estenderem-se os galhos, formar-se a copa sob a qual abriguem-se os ideais.
MUDANÇA
Fazer uma revolução até pode não ser fácil. Mas a evolução, esta, sim, sabe-se ser difícil – e nisto o mérito, pois o que é fácil migra para o conveniente, o cômodo, quando não o displicente.
E comunidades cômodas ou acomodadas não fazem – nem aceitam – mudança.
Pessoas contentes, satisfeitas, não se tornam revolucionárias.
Revolução e evolução exigem gente descontente, seres insatisfeitos, inquietos, incomodados.
Revolução e evolução têm de ter pessoas que percebem o que outros não percebem, vêem o que outros não veem, sentem o que outros não sentem, falem o que outros não falam e façam o que outros não fazem.
E, sobretudo, pessoas que querem mudanças têm de pagar o preço que revolução e evolução cobram.
E, também, têm de conformar-se por nem sempre serem elas as destinatárias finais do prêmio que sua coragem e senso do dever ajudaram a conquistar.
Imperatriz espera, senão uma nova revolução, no mínimo a evolução. Aperfeiçoamento é um nunca acabar.
LIDERANÇA
Além de sua realidade, Imperatriz tem outras realidades com que se (pre)ocupar. As cidades que se movem na sua órbita estão aos poucos escapando da área de atração gravitacional imperatrizense. Estão deixando de ser satélites e passando à condição de planetas. Estão ficando independentes, ou, no mínimo, menos dependentes.
Imperatriz tem de buscar autossustentação na diferenciação, pois todo município pode vir a ter armazéns de secos e molhados, faculdades, rede hospitalar...
Em que podemos ser melhores, maiores? Que tipo de liderança exercerá esta cidade? Sobre que base econômica se erguerá? Sob que matriz cultural se abrigará?
Repito o que tenho falado e escrito: talvez seja hora de rever esse conceito de liderança regional. Imperatriz não parece ser uma cidade-líder, mas uma cidade-referência. Tem a maior população, é uma sociedade urbana (mais de 95% de seus habitantes vivem na cidade) e detém a maior, melhor e mais diversificada infraestrutura de serviços. Mas isso torna-a mais uma fornecedora de produtos e serviços, não necessariamente uma liderança regional.
LIDERANÇA (2)
Líder não é o que tem coisas; é o que tem causas. Não é o que modifica a realidade; é o que faz nascer um sonho. Líder não é o que procura seguidores, mas o que causa inspiração. Não é o que é ouvido, mas aquele a quem se pede que fale. Não é aquele que “dá conta do recado”, mas o que tem um recado a dar.
Líder não é o que manda, mas o que co-manda (manda com). Líder não é o que pede respeito; é o que tem respeito a oferecer. Tampouco é o que impõe temor, mas o que põe amor (amor-conhecimento, amor-consciência, amor-compreensão, amor-união, amor-trabalho, amor-ação, amor-inovação, amor-transformação).
Liderança não é ser autoritário – é ter autoridade. Não é o que tem um cargo administrativo dado, mas o que tem uma carga positiva emanada. Ao líder não basta estar ENTRE as pessoas; é preciso permanecer NA consciência delas. Porque o que se precisa guiar são as mentes, não apenas os corpos. O tropeiro que vai à frente da caravana de burros não é um líder.
Desse modo, onde se reconhece liderança: no pregador que fala, escuta e orienta, ou no dono do armazém, que compra, vende e passa troco?
Assim é Imperatriz: não é uma cidade com voz amplificada; é um armazém de produtos e serviços abastecido. Raros vêm aqui pelo que a cidade é; vêm pelo que a cidade tem. Tanto que, da década de 1960 para trás, quando aqui pouco havia, poucos queriam vir. Tanto que, quando alguns acham que a cidade nada mais tem a dar, vão dar com os costados em outras cidades.
CAUSAS
Nessa linha de raciocínio, pergunta-se: Imperatriz tem pregado algo, tem se levantado e persistido na defesa de alguma grande causa, tem agregado para o debate local/regional/estadual/nacional/mundial dos grandes temas que balançam as nações e repercutem nos diversos quadrantes da Terra? Qual é a contribuição quantificada e qualificada, sistêmica e sistemática, orgânica e organizada, de Imperatriz para com as coisas e causas que dizem respeito tanto ao seu próprio locus quanto aos municípios que a rodeiam, o Estado que a inclui, o país que a acomoda com 5.563 outras cidades e o continente, o mundo e o Universo de que é parte territorialmente indescartável, embora politicamente e culturalmente quase sem peso?
Temos motivos para ter orgulho de Imperatriz. Temos de nos esforçar mais para nos orgulharmos de nós mesmos. Não bastam as revoluções havidas, as vitórias tidas, as posições conquistadas. A vida é luta permanente – é evolução.
Não basta a união que faz a força. Antes, muito antes, é essencial a força (de vontade) para fazer a união (por Imperatriz).
SONHO
É preciso que as forças sociais, as entidades classistas, as organizações empresariais, as associações comunitárias, as instituições culturais, e outras, voltem a se ver. Todos têm de se tocar.
Se revolução é uma realidade a partir do agir, evolução é um desejo sem descanso, um sonho que se tem sem dormir. Um sonho sem sono. Um sonho embalado pela força de vontade, pela capacidade de trabalho, pelos ideais de um futuro que jamais será perfeito, mas com certeza poderá ser melhor. Se formos melhores. Se nos perguntarmos se já fizemos não o que devíamos fazer, como obrigação legal, mas o que podíamos fazer, como atitude pessoal ou grupal. O futuro da cidade depende disso.
Futuro que é obra em permanente reforma – para ficar em forma. Que dever ser construído e reconstruído todo dia por pessoas que não são os outros – mas NÓS.
Em lugares que não são outros – mas AQUI.
Em um tempo que não é mais tarde – mas AGORA.
* EDMILSON SANCHES