A Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) desenvolveu um método para ensinar química em instituições penitenciárias utilizando jogos adaptados para a população adulta. Com a técnica, foi averiguado aumento na aprendizagem e na memorização do conteúdo ensinado. O trabalho, desenvolvido por estudantes de química, foi apresentado em fevereiro deste ano, no Simpósio da Organização Internacional para Educação em Ciência e Tecnologia (Ioste, na sigla em inglês), na Coreia do Sul, realizado em formato on-line.
As autoras do projeto são Iara Koniczna e Larissa Feitosa, que cursaram química na Ufes. Elas usaram jogos feitos de material de papel para ensinar a tabela periódica e as combinações entre elementos químicos, entre outros conteúdos.
O trabalho, desenvolvido durante o estágio de Iara no Complexo Penitenciário de Xuri, em Vila Velha, foi apresentado na conclusão da graduação, em 2019. A experiência direcionou a carreira de Iara, que segue lecionando para pessoas privadas de liberdade.
A ideia surgiu diante dos desafios que Iara observou durante as aulas que acompanhou no Complexo Penitenciário, que possui várias restrições. Não é possível, por exemplo, fazer experimentos químicos.
Em algumas unidades, segundo Iara, os presos não podem sequer levar os livros para as celas para estudar, nem ter acesso a lápis fora dos horários de aula. “Tem sempre o mesmo problema, o esquecimento. Com o jogo, eles acabam fazendo mais conexões e conseguem ter melhor aprendizado e melhor memorização a respeito do conteúdo trabalhado”, diz Iara.
As estudantes basearam-se no jogo de tabuleiro Tabela Maluca, desenvolvido em pesquisa da Universidade Federal do Paraná (UFPR), para explicar os conceitos e propriedades dos elementos químicos. Outro jogo usado foi Batalha Naval, para ensinar dados dos elementos químicos, como período, números atômicos e raio atômico.
“Aplicamos um questionário com perguntas abertas sobre a tabela periódica e as respostas dos alunos foram muito frustrantes. Na outra semana, utilizamos os jogos e, depois, aplicamos o mesmo questionário. As respostas foram gratificantes”, conta. Ao término, 98% dos estudantes disseram que gostaram da aula.
Desafios da educação em prisões
Segundo a professora do Departamento de Teorias do Ensino e Práticas Educacionais do Centro de Educação da Ufes Mari Inêz Tavares, orientadora do projeto, ainda são poucas as pesquisas e o material desenvolvido especificamente para o público adulto. São ainda mais escassos os estudos voltados à educação de pessoas privadas de liberdade. No trabalho, foi preciso adaptar o jogo para esse público específico.
“Tem que ser um material que priorize a memória, já que eles não podem levar para dentro da cela nem para estudar nem para jogar. Tem que ser um material que facilite ao professor o controle visual enquanto está trabalhando com alunos, porque eles não podem esconder material com eles e levar. Se isso ocorrer, deve ser comunicado à segurança. E, tem que ser um material barato, leve, que seja fácil do professor levar para sala de aula”, explica. “O trabalho tem chamado atenção. Eu tenho recebido mensagens de professores e alunos de mestrado que trabalham no sistema prisional, que estão desenvolvendo pesquisas e que estão em busca de materiais”.
Pela Lei de Execução Penal, Lei 7.210/1984, os sistemas de ensino devem oferecer aos presos cursos supletivos de educação de jovens e adultos. Foi acrescentado à lei, em 2015, a oferta do ensino médio, regular ou supletivo, com formação geral ou educação profissional de nível médio, visando a universalização desta etapa.
Atualmente, de acordo com o Departamento Penitenciário Nacional (Depen), há cerca de 750 mil pessoas cumprindo pena em unidades prisionais no Brasil. Destes, 93 mil - o equivalente a 12% – estudam, seja na alfabetização (9,7 mil), no ensino fundamental (31 mil), no ensino médio (15 mil), superior (738) ou em outras atividades educacionais.
Impactos da pandemia
Hoje, formada, Iara segue dando aulas para pessoas privadas de liberdade, além de lecionar, também, em escolas regulares. “Se me perguntassem se eu prefiro o sistema prisional ou aqui fora, eu digo que prefiro o sistema prisional. Muitos deles nunca foram alfabetizados. Tenho um aluno de 58 anos que foi alfabetizado no sistema prisional. Agora, ele está no regime semiaberto. Ele fala ‘hoje eu consigo ler’”, conta e educadora.
Com os jogos, ela também impactou os alunos. “Teve uma fala de um estudante de que naquele momento do jogo, ele esqueceu que estava em uma cadeia, esqueceu dos problemas que tinha na cela dele. Aquilo me chocou muito”.
Durante a pandemia, a educação foi afetada como um todo. Nas prisões, no entanto, a internet não é uma opção para a educação. “Nós selecionamos os conteúdos e fazemos um questionário para eles responderem. A gente nota uma dificuldade muito grande porque eles não têm muito recurso, têm dificuldade de entender”, diz, Iara.
Segundo o Depen, até o fim de março, foram confirmados 46.889 casos de covid-19 no sistema prisional, com 143 óbitos em decorrência da doença.
(Fonte: Agência Brasil)