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Vítor Gonçalves Neto: bom humor e ótima poesia em excelentes textos*

Prefácio ao livro “Simplesmente Crônicas”, de Vítor Gonçalves Neto, uma seleção “post-mortem” feita pelo escritor caxiense Quincas Vilaneto [Joaquim Vilanova Assunção Neto].

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Se ler, como diz a Etimologia, é um ato de juntar, escrever é a arte de cortar.

Reunir palavras é leitura. Escrever é incisão, supressão – corte e costura.

Está aí algo em que era alfaiate, cirurgião e mestre Vítor Gonçalves Neto, o mais maranhense dos piauienses, o mais caxiense dos teresinenses.

Como a reconfirmar que “nos menores frascos, as melhores fragrâncias”, as crônicas contidas do Vítor perfumista da palavra são assim textualmente curtas... e olfativas. E táteis. Auditivas. Visíveis. Sensitivas.

Repare você nas crônicas “vitorianas” a concisão rima e recurso de precisão. Os períodos breves – e os prolongados sentidos, como gotas de essência odorando o ar, sem se volatilizar.

“Simplesmente Crônicas”, esta nova obra “post-mortem” de Vítor Gonçalves Neto, sai sob o esforço e a responsabilidade do escritor Quincas Vilaneto, que não é outro senão o caxiense de boa cepa e ótimas letras Joaquim Vilanova Assunção Neto.

São 28 textos que trazem um Vítor cronicando sobre o crônico urbano que é política, problema e paisagem e sobre a paisagem que é natural, política, social, cultural, artificial. E coisa e tal. Leia-se, por exemplo, as/nas crônicas “O Bairro”, “Necessidade”, “Questão”, “Trânsito”, “Mudez”, “Crepúsculo”, “Beco”, “Vereança”, “Chatice”, “Surpresa”, “Açúcar”, “Tragédia”, “Giro”...).

São 28 textos que trazem do Vítor uma amostra de seu escrever poético e espírito bem humorado. As sacadas de gênio. Comparações. Analogias. Construções. “Finesse”. “Humour”.

Sinta-se como Vítor descreve a necessidade de um amigo: “(...) lhe faltava qualquer coisa. Que (...) não existia nas vitrinas. Nos prostíbulos nem nos bares. Nem mesmo nos olhos puros das crianças. (...) Faltava-lhe paisagem. Coisa de que seus médicos não haviam cogitado (...). E que o curou radicalmente após quatro crepúsculos vespertinos num campo muito verde aonde garças muito brancas brincavam de cegonha. (...)”.

Vítor mostra que no vinho não há apenas verdade (“In vino veritas”), mas também humor. Humor de verdade. Na crônica “Inocência”, o “humour” “vitoriano” mostra-se, leve, enométrico: “Fui ver o falado filme ‘Marcelino, Pão e Vinho’. Mais por causa este último que esse negócio de Pão não interessa muito... e Marcelino muito menos. Todavia percebi decepcionado logo de início que o Vinho lá é muito pouco”.

O talentoso Vítor, adestrador da língua, sem o academicismo da Linguística, comete crônicas metacrônicas, metajornalísticas, metaliterárias, metalinguísticas. Como em “Sistema”: “Difícil é tão somente o começar. Aquele namoro íntimo com as palavras buscando um título”.

E em “Seriedade”: “Meu desejo mesmo era mudar o rumo deste bate-papo diário para coisa que valesse. (...) Falar de coisa séria como reforma cambial ou a energia atômica. (...) Não! Diabos me carreguem se isso tudo não for pura embromação para encher tempo e espaço... e saco também”.

Em “Insistindo”, Vítor esclarece sobre seu próprio espaço no jornal em que escrevia: “Quero contudo insistir junto aos leitores na diversidade do que vai acima e abaixo do nome deste que lhes escreve. (...) Não se espantem quando eu escrever acima um necrológio e abaixo publicar um samba de Carnaval. Ou vice-versa”. (...)

Mas, além do humor às vezes sereno e muitas das vezes sarcástico – ou sacana –, é na palavra poética, na metáfora singular, que Vítor Gonçalves Neto se revela domador de palavras, sentidos, sensações, sentimentos. A pouquidade deste livro recomenda contenção nos exemplos. Eis alguns momentos em que este “Simplesmente Crônicas” é simplesmente poesia:

“Um livro aberto lê para meus olhos um poema de saudade”. (Nesta crônica, “Tristeza”, Vítor subverte a condição “natural”, resultando que, ao invés de os olhos lerem um poema do livro, é este – o livro aberto -- que “lê” para os olhos).

“Agora dentro em mim o silêncio – cresce feito espiga”. “Galos em atraso na hora”. (“Mudez”)

“Um silêncio de peixe morto invade as águas da memória”. (“Solidão”)

“O sol espia o ocaso com um longo olhar de suicida”. (“Crepúsculo”)

“Vento sem pátria nem fronteiras que baila e assovia e é quente e frio e é brisa e aragem e furacão. Vento danado que vem do céu”. (“Inveja”)

“Quem conhece de perto a emotividade de sua gente. A ternura de seu povo. Só quem viveu a vida daquelas vielas. Quem vadiou aquelas ruas e percorreu suas ladeiras”. (“Tragédia”)

E para parar: “Agora a noite chega de manso como um ladrão ciente. Lá vem a aragem do acabar da tarde mais doce que a esperança. Mais presente que a saudade. O céu nesta hora visto é muito mais belo que a ternura. E dentro em nós perdura um tanto a poesia do anoitecer”. (“Suavidade”)

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Bom seria se os textos de Vítor Gonçalves Neto fossem tão de todos quanto o são de tudo. Que fossem de conhecimento do mundo como são dos amigos e conhecidos.

Ao trazer a público mais uma mancheia de textos “vitorianos” enfeixados em livro, Quincas Vilaneto contribui para relembrar e realumbrar o grande escritor que é Vítor Gonçalves Neto.

Caxias e o Maranhão e o Brasil poderiam fazer mais pelo Vítor, o cronista, o poeta. No dia 23 de junho de 1989, às duas e meia da madrugada, meu amigo Vítor Gonçalves Neto mudava de vida. Assim, discreto.

Ou, como (d)escreveu em “Tristeza”, crônica aqui incluída, morreu “um tanto assim muito de manso”.

Saudades, Vítor.

LIVRO DO MAIS CAXIENSE DOS PIAUIENSES COMPLETOU 50 ANOS DE LANÇAMENTO EM 2013 E 60 ANOS DE ESCRITO EM 2014

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Vítor Gonçalves Neto escreveu, em 1954, romance "Roteiro das 7 Cidades", publicado em 1963

O jornalista e escritor Vítor Gonçalves Neto completaria 89 anos em 8 de novembro de 2013, mas faleceu há 25 anos, em 23 de junho de 1989, em Caxias. Ele dirigiu por décadas os jornais caxienses “Folha de Caxias” e “O Pioneiro”.

Nascido no Piauí (Teresina) em 4 de novembro de 1925 e calejado por andanças e fazimentos por todo o país, Vítor Gonçalves é autor de “Roteiro das 7 Cidades”, livro que completou – sem repercussão – meio século de lançamento em 2013. O romance, cheio de referências da realidade da época, como protagonista o Assunção, "poeta, jornalista, escritor, filósofo, boêmio, doido" e tem como majestoso cenário as Sete Cidades, formações rochosas que se estendem entre os municípios piauienses de Piracuruca e Piripiri.

Na ilustração, a capa do livro. Em (re)lembrança, colocarei aqui alguns textos para os que se interessarem em conhecer mais e melhor a vida e obra(s) de Vítor Gonçalves Neto, que, quando eu tinha 13 ou 14 anos de idade e era menor estagiário do Banco do Brasil em Caxias, me convidou para escrever no jornal “O Pioneiro” (eu à época era diretor cultural da Associação Atlética Banco do Brasil (AABB) e redigia o jornal da –entidade, "O Sabiá", de cujas edições o Vítor – que vez ou outra visitava a agência bancária -- deve ter tomado conhecimento; daí o convite).

Vítor Gonçalves Neto faleceu em Caxias em 23 de junho de 1989. Só soube de sua morte dias depois, a tempo de, eu morando fora, chegar a Caxias para a missa do sétimo dia, quando pude apresentar condolências à viúva, Dona Edna, professora, e aos filhos Jandir (meu amigo e colega de turma no ensino médio do Colégio São José), Miridan e Jorge Eugênio, jornalista, prestes a se formar em Direito, que por uns tempos seguiu o ofício – e sacrifício – do pai, ficando à frente do jornal “O Pioneiro” em heroica tentativa de mantê-lo circulando. Jorge Eugênio e sua mulher, a professora Ana Lúcia, em Caxias, desejam revitalizar a Fundação Vítor Gonçalves Neto.

* EDMILSON SANCHES

(Texto escrito em junho de 2012)