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De SÁLVIO DINO e das obras físicas e não físicas*

(Trechos do prefácio a “Louvação a Grajaú”, o livro que Sálvio Dino deixou inédito)

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(OBSERVAÇÃO PRÉVIA: Nas imagens, o advogado, historiador e escritor Sálvio Dino, à maneira da Velha Guarda intelectual, mas sem tecnofobia, está em sua máquina de datilografia marca Olivetti, em pleno trabalho de transposição das anotações e redação de seu discurso e futuro livro “Louvação a Grajaú”. A pedido de Sálvio Dino, Edmilson Sanches escreveu o prefácio, já aprovado por Sálvio, para o livro ainda inédito, por ele considerado seu “canto do cisne” [última obra]. O livro já está diagramado e foi impresso um exemplar, que Sálvio Dino recebeu e examinou no hospital. Alguns excertos do prefácio é o que se publica abaixo. As quatro ilustrações deste texto são fotogramas capturados por Edmilson Sanches de um curtíssimo vídeo feito por Soraida Nava, secretária de Cultura de Grajaú (MA), em visita ao ilustre grajauense Sálvio Dino, em sua residência em João Lisboa (MA), em junho de 2019. Sálvio Dino, falecido em 24/8/2020, era presidente da Academia Grajauense de Letras e Artes.)

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[...]

A obra maior torna grande o homem menor. Foi e é assim na Religião, na Política, na Economia...

Na Cultura, geralmente seus “construtores” não se (pre)ocupam com dimensões quilométricas e aparências nobilíssimas. Por exemplo, na Literatura, Camões precisou, só, de 34 – trinta e quatro! – exemplares iniciais de um livro de 20 centímetros – “Os Lusíadas” – para começar sua perpetuidade (do autor e da obra).

Nas Artes Plásticas, a imensurabilidade do gênio leonardesco coube direitinho em uma pintura – a “Mona Lisa” – de meros 77cm x 53cm, menos de um metro de altura e um pouco além do meio de largura... (E a gente é que fica pequeno frente à “Gioconda”, que reina absoluta entre as cerca de 40 mil peças em exposição, selecionadas entre as 400 mil do Museu do Louvre).

Como se sabe, o que tem essência não precisa ser grande e o que é essencial – com licença, Exupéry – sequer precisa ser visível aos olhos...

Mas se o talento humano pode acomodar-se tanto na tela de uma pintura quanto nas páginas de um livro ou nos “frames” de um filme, o ser humano precisa de mais espaço para si e, até, para a guarda, exibição e administração das “coisas” geradas, gestadas e geridas por seu talento. E assim – voltando ao início – constroem-se prédios, erguem-se edificações para servir também à Cultura. Como um prédio para uma Academia de Letras.

Das tradições que replicam e que proporcionam uma certa distinção (diferenciação, nobreza), as Academias literárias, em especial as ocidentais, do século XVII para cá, viram que não podiam seguir todas elas, todos os exemplos da instituição “mater” grega, como aquele em que a Academia ateniense, de Platão, se fazia, se dizia, existia, enfim, se realizava em espaço aberto e era distante, pelo menos topograficamente, da população (daí “aká-“, longe + “demos-”, povo – o que projetou uma imagem de afastamento elitista da Instituição acadêmica do comum do povo).

Ter um lugar – de preferência, um bom lugar – para chamar de seu (e de sede), com possibilidade de aproximar(-se) (d)o povo, esse tem sido sonho sonhado insonemente por gestores e membros de Academias por todo canto dos quatro cantos do mundo.

No mundo mais perto de nós, no Maranhão, em Grajaú, Sálvio de Jesus de Castro e Costa, o Sálvio Dino, vinha sonhando um sonho sem sono – vigilante, expectante. O advogado, jornalista, escritor, político (foi vereador, deputado estadual – orgulhosamente cassado – e prefeito duas vezes), pesquisador, orador e tudo o mais que as muitas Musas cantam, cheio de valores que, nele, mais altos e camonianamente se alevantam – ele, Sálvio, sabia do simbolismo e, sobretudo, da necessidade de uma sede para a mais representativa das Instituições culturais de Grajaú, terra mãe da Literatura sul-maranhense, ante o pioneirismo e talento de Manoel de Sousa Lima (1889-1941), grajauense que sabia escrever prosa e escandir versos e que sabia (de)cantar de seu pago os valores e primores que ele gonçalvinamente não encontraria em nenhuma outra parte.

Autor de dezenas de livros, cuja feitura tanto o afadigou e cuja leitura tanto o apraz, Sálvio Dino mantinha-se meninamente inquieto, juvenilmente disposto a realizar uma obra que, ele sabia, não dependeria só de sua mão e mente. Do “insight” ou da inspiração até à realidade de cada um de seus livros, o “modus faciendi” de Sálvio Dino é quase sempre presencial, realizando pesquisas, entrevistando pessoas, “sentindo” lugares e ambientes, garatujando anotações, verificando e reconfirmando informações. Sálvio foi, esteve, andou e, quando preciso, até nadou. Os livros de Sálvio, muitas das vezes, não são “Meninos, eu li”, mas, sim, timbiramente, “Meninos, eu vi!”

Nesse tempo todo, o Sálvio escritor alimentava, estimulava o Sálvio gestor, aliás, experiente gestor, desde a administração de coisas e causas da Advocacia, do Direito e da Justiça até a presidência de Entidades e chefia de Poder Executivo e condução dos destinos de uma cidade. O acumulado dessa “expertise”, direcionado à realização de uma obra para além da celulose e tinta gráfica, só poderia dar no que deu.

[...]

Mas foi quando Sálvio Dino adentrou na História e Cultura de Grajaú que a população e os convidados se extasiaram. Nada como falar – bem – da própria terra na própria terra. Falar das coisas e causas que todos, presume-se, conhecem. Nada como, com motivos, ufanar-se dos próprios pagos. Versejar do começo ao fim com Bilac, dodecassilabicamente: “Ama, com fé e orgulho, a terra em que nasceste! / [...] imita na grandeza a terra em que nasceste!”

E Sálvio Dino disse e redisse com fé, orgulho, grandeza e amor. Ele foi grande... porque é grande.

Sálvio não fez apenas um discurso. Fez um cântico.

Entoou um hino.

Rendeu um tributo.

Bendisse uma louvação à sua cidade. Louvação a Grajaú.

Um litúrgico glória.

Sálvio Dino escreveu com imagens e desenhou com palavras.

Cultivou a História e historiou a Cultura.

Deu-nos de presente o Passado e também nos presenteou com o Futuro.

Passado, Presente, Perspectivas.

Lembranças e Esperanças.

Para o pesquisador, estudante e professor, jornalista e escritor, o discurso salviano traz rica Onomástica, onde viceja mais de uma centena de nomes próprios, que nos leva do “A” de “Abrão” ao “Z” de “Zé” e nos envolve com intelectuais sofisticados daqui e d’além-mar e com representantes do povo simples como a fazedora de bolos e o foguista de lancha [...].

[...]

Grajaú, naquela noite sabática de julho de 2019, em vez de uma, ganhou duas obras: uma entrava pelos olhos, pela beleza das linhas arquitetônicas; a outra, entrou-nos pelos ouvidos, pela suntuosidade do Verbo e pela majestade do Orador. Não é sem razão que o livro bíblico de João sentencia que “no princípio era o Verbo” e que este se fez carne; e, em um grande discurso, a carne, o homem, quando fala, novamente se faz verbo.

Se quiser ser grande, faça algo maior – disse-o no início.

A obra física, a sede da Academia Grajauense de Letras e Artes, será grande por muito tempo.

Já o discurso de Sálvio Dino, será grande todo o tempo.

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Grajauenses, eis uma declaração de amor à sua terra.

Outros leitores, eis uma demonstração de louvor à História e à Cultura.

Em ambos os casos, o zelo pelos fatos e pela forma de escrevê-los.

Porque Sálvio Dino, advogado, legislador – conhece a letra das Leis.

Porque Sálvio Dino, jornalista, escritor – conhece a lei das Letras.

Louvado seja.

* EDMILSON SANCHES