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O BLOG DO PAUTAR apresenta, todas as quartas-feiras, textos de escritores maranhenses – projeto LITERATURA MARANHENSE. Essa iniciativa tem como objetivo despertar o interesse pela leitura e, ao mesmo tempo, mostrar a produção literária de nosso Estado. Aproveite... Boa leitura!

(Prefácio ao livro “Sinergia”, de Tasso Assunção)

Tantas são as palavras e abordagens sobre esta obra, que dela me restou a mim apenas sua sobra. Entenda-se por sobra aquele material que não foi ou não pôde ser avaliado, para se determinar algum aspecto – no caso, o processo de criação literária (“writing process”) nos poemas de “Simbiose”, obra de Paulo de Tasso Oliveira Assunção.

“Simbiose” é, na verdade, uma espécie de terceira edição de “Desconexos”, livro lançado em 1986 e com segunda edição em 1998, esta feita quase artesanalmente em computador e de circulação muito restrita, com exemplares personalizados distribuídos, via de regra, para amigos. Para não avolumar ainda mais as anotações, incorremos no acinte de desconsiderar a obra de 1998, atendo-nos à primeira edição e aos textos de 2004.

Tasso Assunção é pessoa exteriormente contida e poeta intrinsecamente incontido. É ele portador daquela “mão que pensa e sente”1, “mão inquieta e incontentável”2, permanentemente insatisfeito com o resultado final (!) do seu próprio texto.

Estudioso da gramática, buscador da concisão e precisão textuais, quase-verdugo de adjetivações e outros “adereços” literários, Tasso Assunção, por cerca de duas décadas, submeteu seu primeiro e único livro publicado a exame clínico e cirurgias estéticas reparadoras. E não estava de brincadeira nesse processo; fez até cirurgia da face: a capa, o rosto da obra mudou, como vimos, rebatizado para “Sinergia”, em lugar do “nome de nascimento” “Desconexos” e do nome “Simbiose”, vigente até a hora das provas finais do livro. (O autor só terminou de “mexer” no livro no fim. No último instante, provas tiradas e notícia estampada em jornal, houve a modificação do título da obra, que nascera “Desconexos”, ganhara um novo nome – “Simbiose” – e terminou como “Sinergia”, certamente um nome, digamos, mais “amplo” e que mais reflete o lógico e o psicológico, o racional e o emocional do autor e sua obra. Todo esse trabalho, toda essa busca, porque Tasso Assunção, moço pensador que é, se sentia incomodado com algo que não estava “batendo” direito, um certo quê de insatisfação ou incompletude em relação ao título do livro.

Os poemas de “Desconexos”, a obra inicial, tornaram-se, então, a massa a ser sovada na padaria intelectual de Tasso Assunção. Os textos viraram, assim, “poemas de laboratório”, por oposição a “poemas eventuales”, na confrontação de Günter Grass3, que nos fala do fazer poético mais trabalhado (e trabalhoso) desses que se tornam verdadeiros “caballeros em el laboratorio de los sueños, los caballeros com los amplios compendios de diccionarios, los caballeros – también pueden ser damas – que de la mañana a la noche trabajan com lengua, com el material del idioma (...)”4. Com adaga, lança e rédea, Tasso também já se antevia ginete do texto. Repare-se o terceto inicial de “Lazer”: “Livro aberto, / dicionário à mão, / sinônimos indefinidos”.

A recauchutagem sígnico-ideológica a que foi submetido o livro de estreia de Tasso Assunção leva à pergunta: Pode um autor refazer/desfazer a obra dada a público? Marguerite Duras, romancista francesa nascida no Vietnã, acha que não. Ela escreveu: “Nada mais pode entrar em um livro assim, terminado e distribuído”.5 Contrariamente, do outro lado, não é só Tasso Assunção que nos diz que sim, a obra publicada pode – dir-se-ia até: deve – ser reescrita, revista e revisada, ampliada, enriquecida, melhorada. Autores brasileiros de envergadura fazem isso – Josué Montello, por exemplo, que reescreve obras inteiras. Autores estrangeiros também atestam que em livros escritos também se mexe: Proust, que morreu em 1922, aos 51 anos, antes de ser vencido pela pneumonia e a asma crônica empregou os últimos meses de sua vida a fazer correções das obras que já estavam em curso de publicação. Outros textos proustianos foram localizados e neles percebeu-se que o autor fizera alterações posteriores, desconsideradas na hora da edição “post mortem” – o que não deixa de ser uma espécie de crime de lesa-intenção, um desrespeito às vontades últimas do escritor.

Surgida na França em 1968 e iniciada no Brasil em 1985, a Crítica Genética está desenvolvendo um amplo e meritório trabalho não só de desvendar e documentar o “writing process” de uma obra e de um autor, como também tem contribuído para reescrever/repor verdades literárias, por meio da colação, a comparação de manuscritos e outros prototextos com textos publicados.

Alguém poderia perguntar qual a utilidade ou “vantagem” de saber as etapas iniciais e intermediárias de um romance, por exemplo, se o que importa mesmo é tê-lo ali, na sua forma final, publicado, prontinho pra ser lido. Ora, quem pergunta isso talvez seja o mesmo tipo de gente que se pergunta pra que gastar tanto tempo, dinheiro e outros recursos com Arqueologia, Paleontologia, Biologia, Química, Astronáutica, Cosmologia, para saber a origem do ser humano, da vida e do Universo, se o que interessaria mesmo é viver – viver apenas, viver a esmo, como ser médio, mediano, senão medíocre, desconhecedor de suas origens e desatento a seus fins e finalidades.

Pois assim é a Crítica Genética: a “ressurreição” do que estava morto, a Arqueologia e Paleontologia de uma dada obra ou de um dado escritor, por meio dos “fósseis gráficos”, nos quais se podem decifrar as formas de vida primevas daquele livro ali, vistoso, capa reluzente, lombada larga, papel de primeira, com tipologia adequada, limpa. Não sabe o leitor as garatujas, os rascunhos e rasuras, os borrões, correções, alterações antecedentes e o que isso representa de silêncio, solidão, suor e sofrimento no autor.

Sim, um texto, um livro se modifica. Sim, escrever não é – na maioria das vezes – um doce ócio, um fluido ofício. É trabalho, é pauleira, é atenção, é briga. É exercício de corte e costura; é coser a roupa no corpo – ajustar a forma à ideia. É como traduzir o que o autor quer dizer. É a busca das melhores palavras e suas justaposições para expressar o turbilhão neuronal de ideias, emoções, sentidos e sentimentos do escritor. Um sufoco. Não é à toa que, para os antigos gregos, o ato de escrever, escrever poesia, era equiparado, por exemplo, ao extenuante trabalho de construir um navio. Por isso, poesia, em grego (“poiésis”), significa “fabricação”. O contrário de poesia era teoria (em grego, “theoría”, “observação”).

Sabendo ou não que estava/está autorizado a, “ab initio”, transformar sua obra em uma “metamorfose ambulante”, Tasso Assunção intuía que isso lhe era natural, o poder dispor de seu livro como bem entendesse, preferencialmente se para melhor – e outro entendimento não parece caber na prática literária tassiana. Alexandre Herculano, poeta e escritor português do século XIX, escreveu: “Eu não me envergonho de corrigir e mudar as minhas opiniões, porque não me envergonho de raciocinar e aprender”.

Perceber e documentar o frenesi da reescrita deste livro só foi possível porque acompanho de perto o trabalho do autor. De alguns autores imperatrizenses tenho guardados manuscritos, originais de textos e de livros inteiros, segundas edições e, até, obras publicadas com ulteriores anotações, alterações, revisões, correções à mão.

Já foi dito: o livro “Desconexos”, hoje redenominado “Sinergia”, é de 1986. Ainda me lembro do autor, naqueles meados da década de 1980, parado em frente ao balcão do banco onde trabalhei, olhando para mim como quem pede permissão para entrar. Autorizado, Tasso Assunção veio até a mim e, meio reticente, falou que acompanhava meu trabalho cultural e jornalístico e me entregou seu livro, com dedicatória tão contida quanto o autor: “Ao Edmilson Sanches – Tasso Assunção.” (Assim mesmo, com travessão e ponto, que Tasso é de escrever escorreito).

Uma olhadela rápida num e noutro texto e pude perceber a consistência de expressão formal e ideológica do autor. No mesmo instante, sabendo-o desempregado, encaminhei-o a um jornal da época, onde desempenhou com honra e competência a função de revisor e copidesque. Meses depois, passamos a trabalhar juntos em publicações e instituições que fundamos ou administramos em Imperatriz.

Conheci, desse modo, muito do processo criador e criativo de Tasso Assunção, das leituras que fez e faz, das longas conversas pessoais e por telefone acerca das coisas que ele escrevia ou pensava ou fazia. Tanto que, ao longo destes quase vinte anos, ele concedeu-me um certo “droit d’ingérence”, um ir além dos sapatos, quando da leitura e/ou revisão de seus trabalhos.

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“Sinergia” tem 31 poemas, dois a menos que a obra antecessora, “Desconexos”. Além de lhe mudar o título e cortar a introdução e dois poemas (“Atualidades” e “O filho da máquina”), Tasso Assunção promoveu mais de duas centenas de intervenções (contei 205) em trinta poesias. Apenas a poesia “Anverso” não recebeu qualquer alteração, seja de uma vírgula ou ponto (os poemas “Sobre o autor”, “Desilusão”, “Autocrítica”, “Rotina”, “Caos”, “Ocaso” e “Ilusões” receberam apenas pontuação e uma ou outra letra maiúscula, além do encurtamento do título de “Ilusões”, antes “Filme de ilusões”).

Mas, em Tasso Assunção, a intervenção de um ponto, uma vírgula, um dois-pontos, um hífen, reticências ou travessão não podem ser vistos como meras pontuações, até porque esses sinais, como os diacríticos, estabelecem relações, digamos, ideológicas, além de facilitar o diálogo entre o imobilismo gráfico, o dinamismo da leitura e a apreensão do sentido.

Logo no poema inicial, “Papel em branco”, Tasso maneja cirurgicamente o afiado bisturi de escritor: o primeiro dístico, que era “Vi no meu espaço / a ilusão de liberdade”, terminou ficando “Vislumbrei em nívea lauda / o prenúncio de liberdade”. Esses dois versos tiveram uma redação intermediária, que não chegou ao conhecimento do leitor: “Vi no meu espaço / o prenúncio de liberdade”. Uma correção anterior, feita à mão pelo autor, incluía uma vírgula após “liberdade”. Assim, para a Crítica Genética, três variantes antecederam a forma atual desse dístico. Nos dois versos seguintes do poema temos: “Espaço para o verbo, / a palavra, a voz, o grito...”. O que estava em “Desconexos” era: “espaço para o poema, / a palavra, a voz, o grito” – com minúscula inicial e sem pontuação ao final, justificada pela conjunção “e” do verso seguinte. O terceiro e último dístico ficou: “E vi o quanto é poética / uma página de silêncio!” Afora o “E” maiúsculo, praticamente nenhuma alteração... porque o leitor não sabe que o autor, intermediariamente, chegou a substituir o adjetivo “poética” por “lírica”, palavra que é, visivelmente, mais restritiva e menos... poética. Ao final desse poema, catorze alterações de percurso ocorreram entre a publicação inicial de 1986 e a forma atual, dezoito anos depois.

Para não cansar o leitor com minúcias e minudências de Crítica Genética, apenas listemos que, no poema “Palavra”, o terceiro verso da terceira estrofe (“A memória tece o elo”) era, antes: “No pensamento acontece o elo”. Nesse poema, corretamente, Tasso Assunção faz o crédito da frase-verso “a palavra não é coisa” ao seu autor, o sábio indiano Jiddu Krishnamurti, falecido em 1986, aos 90 anos.

Em “Autoconsciência”, “reflexos” vira “emanações”. Em “Sangue”, o verso inicial “Um grito de dor” substituiu a “O uivo de um lobo, um urro”. Nesse mesmo poema, o que era “preto” virou “negro”.

O poema “Farsa” era antes “Poeminha veloz” e o primeiro verso do segundo quarteto, agora “jejuns em devoção ao Salvador”, é a reescrita de “jejuns em respeito à morte de Jesus”.

Em “Continuidade”, o segundo verso do segundo dístico (“buscando a evasão”) e o primeiro do terceiro (“agrilhoado ao pensamento”) trocaram de posição, um ficando no lugar do outro, em relação ao livro de 1986.

No poema “À Teresa”, o poeta deixa de ser “talvez esquizofrênico” (edição de 1986) e admite-se “certamente incompreendido” (2004). Também tem outra certeza: deixa de ser “assaz apaixonado” e entrega-se: é “sem dúvida apaixonado”. O amor é lindo.

Em “Fantoches”, o que era “São (somos) levados de roldão / pelos tristes da vida” transformou-se em “Narcotizados por quimeras, / são levados de roldão pelos reveses da vida”. A aliteração “Artificiais, atores, atrozes, atrizes” foi precavidamente alterada, por receio de plágio, para “Artificiais, atônitos, soberbos, servis”..

No poema “Em relevo”, o terceto “Nossos corpos em sincronia, / energias se expandem, se deslocam, / delírio psicobiofisiológico” era anteriormente “Nossas vidas se misturam / energias se entrechocam, se deslocam / delírio fisiológico”.

Como visto, alguns poemas receberam novos títulos. Outro exemplo: o título do poema “Contracultura” era “Anos 80”. “Reminiscências” (que anteriormente se intitulava “Sombras”) teve três verbos “pensar” substituídos por sinônimos ou equivalentes: “aflorar”, “assomar” e “rememorar”. Os versos “recordações tornadas vívidas. / Artificialmente enaltecidas” são a reelaboração de “lembranças tornadas vividas. / Enaltecidas”. (Atente-se para o detalhe: com um simples acento agudo, o que era verbo – “vividas” – passou a adjetivo (“vívidas”) e deu mais leveza e riqueza ao poema). Outras alterações foram processadas nesse poema: onde está “Exatamente” era “Simplesmente” e onde se registra “renitentes” lia-se, antes, “revividas”.

Em “Pressentimento”, esse poema que nos deixa meio-sei-lá-assim-não-sei-o-quê, o verso “algo de infinito, de fundo-profundo” é a versão contracta de “Existe alguma coisa de infinito, de fundo-profundo”.

Por fim, em “Fé”, Tasso Assunção chegou à forma final do último terceto – “Crer ou não crer... / Mas não há ressurrectos, / quer creiam, quer não” – após tentar uma variante para o verso do meio: “Mas a morte sobrevém,”. O verso de 1986 era: “Mas a morte não crer [sic] na ressurreição”.

Como se vê, é longo, quase fastidioso, o processo de aperfeiçoamento de um trabalho literário (assim também na pintura, na arquitetura, na escultura, no cinema etc., com seus estudos, rascunhos, borrões, “storyboards”...). Nos “Meus Verdes Anos”, de José Lins do Rego, os estudiosos registram alterações interessantes: “aqueles estropiços do marido”, expressão que estava no manuscrito, virou “aqueles ‘gritos’ do marido”; a frase “até barão encheu o rabo com a desgraça do povo” transformou-se, no livro, em “até barão encheu o ‘papo’ com a desgraça do povo”.

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Renomeando poemas, reduzindo versos, reestruturando estrofes, encolhendo sílabas, escolhendo palavras, Tasso Assunção vai agregando qualidade aos textos. A contenção é com tensão – e isso não se dá sem que o texto poético “haja sofrido um longo e não raro atormentado processo de gênese e modelagem”, no dizer do paulista Alfredo Bosi6, professor, crítico e historiador da literatura.

Alerte-se que a poesia de Tasso Assunção nem sempre é de fácil apreensão, não é linear. Mais que saber ler, é preciso ler com saber: “Historicamente o conceito de literatura está inextricavelmente envolvido com a presunção de qualidade tanto do texto quanto do leitor”, constata Frank Kermode, no prólogo a seu livro “Um Apetite pela Poesia”7. Por sua vez, bem-humorado e ferino, Georg Christoph Lichtenberg, físico, professor e escritor alemão do século XVIII, escreveu: “O livro é um espelho: se um asno o contempla,
não se pode esperar que reflita um apóstolo”.

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Seria necessário muito tempo e espaço, além de disposição, para, mais que listar prototextos e versos modificados, garimpar e avaliar as razões das modificações. Isto exigiria fôlego para um mergulho em profundidade nas águas do processo de criação, ou, nas palavras de Cecília Salles, “entrar na complexidade e fascínio do labirinto que guarda alguns dos segredos de como ideias são geradas, são desenvolvidas, são escolhidas, são rejeitadas, são retomadas e são transformadas”8.

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Se o homem é um rascunho de Deus, o livro é um rascunho do homem. Ambos, homem e livro, são um ser-a-vir no vir-a-ser da vida e do tempo. Do ser humano, o cientista Darwin dizia ser uma espécie em mutação que a natureza ainda não terminou. Do livro, o poeta inglês Auden dizia que era algo que não se terminava – abandonava-se. Portanto, a obra divina e a obra humana são assim marcadas por uma ética da incompletude, uma “estética do inacabado”9. Eterna gestação.

De qualquer forma, ainda que quantitativamente menor, o livro de Tasso Assunção está qualitativamente melhor. Beleza feita na mesa – de trabalho. É a estética da criação levando à criação da estética. Tasso é um grande poeta.

Poetasso.

* Edmilson Sanches

(1), (2), (8), (9) Cecília Almeida Salles, professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, em palestra em Paris (1995).

(3), (4) GRASS, Günter. “Ensayos sobre Literatura”. México, Fondo de Cultura Económica, 1983.

(5) DURAS, Marguerite. “Escrever”. Rio de Janeiro, Editora Rocco, 1994.

(6) Na apresentação ao livro “Universo da Criação Literária: Crítica Genética, Crítica Pós-Moderna”, de Philippe Willemart.

(7) Publicado no Brasil pela Editora da Universidade de São Paulo (EDUSP), em 1993.

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OBS. 1 – No ano de circulação da obra, o prefaciador era presidente da AIL.
OBS. 2 – Na 3ª edição de “Sinergia”, este prefácio foi publicado como posfácio.

(Coelho Neto, 9 de março de 1939 – São Luís, 4 de gosto de 2020)

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Mílson de Souza Coutinho morreu nesta terça-feira, em São Luís (MA). Era advogado, depois de ter sido procurador e de há dez anos (2009) aposentar como desembargador do Tribunal de Justiça do Maranhão, do qual foi presidente.

Além de homem do Direito, foi homem do fato – jornalista, deixou impresso seu trabalho de redator em páginas de jornais como “Diário da Manhã”, “Diário do Norte”, “O Imparcial”, “Jornal do Dia” e “Jornal Pequeno”, colaborador de “O Estado do Maranhão” e “O Debate”, além de, na segunda metade da década de 1960, assessor de Imprensa da Prefeitura de São Luís. Pertenceu aos quadros da Associação de Imprensa do Maranhão e do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de São Luís.

No Direito, Mílson Coutinho trilhou consistente e reto caminho em várias funções de homem da Lei, aplicando o conhecimento que amealhara antes, durante e depois de seu bacharelado na Universidade Federal do Maranhão, em 1972: foi assessor ou consultor jurídico de prefeituras e câmaras (inclusive câmaras constituintes) dos municípios de Buriti, Caxias, Coelho Neto, Coroatá, Duque Bacelar, Lago do Junco, Pedreiras e São Luís, além de, em 1989, assessor jurídico da Assembleia Estadual Constituinte. Foi conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MA) por três mandatos. Foi membro da Associação dos Procuradores do Estado do Maranhão.

Na Magistratura, sua carreira foi cheia de responsabilidades profissionais e representações institucionais: foi vice-presidente e presidente do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) do Maranhão, membro do Colégio Brasileiro de Presidentes dos TREs; vice-presidente e presidente do Tribunal de Justiça, membro do Colégio Brasileiro de Presidentes dos Tribunais de Justiça.

Na política, não se omitiu; pelo menos tentou: foi suplente de vereador em Pedreiras (MA) e deputado estadual.

Na História, já não fosse Mílson Coutinho ele próprio um arquivo vivo, foi diretor do Arquivo Público do Estado do Maranhão. Sem esquecer que em sua história no Serviço Público, além das elevadas funções na Justiça, da assessoria e consultoria aos Poderes Legislativo e Executivo, Mílson também foi fiscal de Rendas, claro, cargo a que chegou também por concurso público. Foi membro do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão (Cadeira 6) e do Instituto Histórico e Geográfico de Caxias (Cadeira 24) e correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal.

Assim, Mílson Coutinho, com mérito e garbo, serviu aos três Poderes e ao maior dele: a Sociedade, para a qual deixou como herança uma rica bibliografia, onde aspectos ou estratos dessa mesma Sociedade foram o objeto de inspiração e transpiração, da lida e leitura, do cortejo e cotejo, da pesquisa e composição dos inúmeros trabalhos históricos, a que tanto dedicou tempo, talento, esforço e a própria saúde.

Como homem das Letras e Literatura, Milson de Souza Coutinho, já não bastassem as Letras jornalísticas e jurídicas, foi, na Prosa, consistente ensaísta e articulista, e, na Poesia, quiçá não tenha cometido seus versos... Era membro da Academia Maranhense de Letras (Cadeira 15), eleito em 10 de setembro de 1981 e empossado em 13 de maio de 1982, sucedendo ao meu conhecido, o gênio da Rua do Apicum, José Erasmo Dias (ou, “nobiliarquicamente”, como ele queria, José Erasmo de Fontoura e Esteves Dias, falecido em 1981) e sendo recepcionado pelo amigo escritor, editor e advogado Jomar Moraes (falecido em uma manhã de domingo, 14 de agosto de 2016). Seu legado bibliográfico é volumoso, tanto em livros quanto em jornais; nestes, a História é a grande homenageada pelas histórias de cidades, do Estado do Maranhão, do Poder Judiciário, da vida de pessoas...

Mílson Coutinho era também da Academia Imperatrizense de Letras, como sócio correspondente e da Academia Sambentuense de Letras. Na Academia Maranhense de Letras Jurídicas, ocupa a cátedra do magistrado maranhense João Inácio da Cunha (1781-1834), o Visconde de Alcântara, que advogado formado em Coimbra, foi ministro da Justiça e, antes, ministro do Supremo Tribunal de Justiça (hoje o Supremo Tribunal Federal) e senador.

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Mílson de Souza Coutinho tinha 81 anos e cinco meses. Era filho ilustre do município de Coelho Neto, a antiga Curralinho, cujo território, depois de pertencer a Brejo e a Buriti, fora ancestralmente de Caxias.

Mas as relações de Mílson Coutinho com minha cidade natal, Caxias, não se davam apenas pelo mesmo solo que fisicamente pisamos ou pelo idêntico barro ancestral que animicamente amalgamos.

Além de a área de sua cidade, em priscas eras, ser ou ter sido uma extensão geográfica da minha, Mílson já tinha sido procurador da Câmara Municipal caxiense, escreveu dois citados livros sobre minha cidade (“Caxias das Aldeyas Altas” e “Caxienses Ilustres”) e, além de colega no Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão, era meu Confrade como membro da Academia Caxiense de Letras – ACL (Cadeira 10, patroneada pelo poeta Déo Silva e fundada pelo escritor Rodrigues Marques) e do Instituto Histórico e Geográfico de Caxias – IHGC (Cadeira 24, patroneada por Sinval Odorico de Moura).

Por algumas boas vezes nos encontramos, Milson e eu, em Caxias e em São Luís. As conversas eram demoradas. Uma vez, falamos acerca da descendência (netos, bisnetos...) do escritor Coelho Netto, tema que havia trazido de viagem ao Rio de Janeiro, a pedido da minha amiga escritora e advogada Leila Miccolis, também roteirista de novelas de TV. Como nem o Tobias Pinheiro, em cujo apartamento carioca almoçamos, nem o Jomar Moraes e até mesmo Josué Montello conseguiram debulhar esse milho histórico, tratei disso com o Mílson, que lamentavelmente tampouco possuía informações sobre a família daquele conterrâneo comum e muito ilustrado.

Certa feita, em 2008, Mílson e eu nos encontramos em um mesmo evento, em São Luís. Ocorreu que eu fora eleito “Jornalista que Marcou Época”, com diploma expedido pela Universidade Federal do Maranhão, Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Associação dos Correspondentes Estrangeiros, Sindicato das Agências de Propaganda do Maranhão, Associação dos Cronistas e Locutores Esportivos (Aclem) e Associação Brasileira de Imprensa (ABI). No hotel onde ocorria a solenidade, encontro Mílson, sozinho. Enquanto o evento ainda se estendia após a praxe cumprida, fomos conversar, os três – Mílson, eu e o cigarro dele em largos movimentos dos dedos à boca.

Em janeiro do ano passado, conversávamos eu e o conterrâneo caxiense e confrade de academias Jacques Inandy Medeiros, médico-veterinário, escritor, historiador, que, entre outros títulos, foi reitor da Universidade Estadual do Maranhão, secretário de Educação de Caxias, presidente da Academia Caxiense de Letras (ACL) e vice-presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Caxias. Meu amigo Jacques Medeiros me pedia que enviasse para ele cópia do discurso com que, em 29 de julho de 2000, no Hotel Alecrim, eu recepcionara seu irmão, o desembargador Antônio Carlos Medeiros e o amigo de ambos – Mílson Coutinho. Jacques, que, por sadio escrúpulo, foi amoroso mas econômico nas qualidades do próprio irmão, em relação a Mílson Coutinho elencou-lhe os muitos méritos. Jacques Medeiros, falecido em outubro de 2019, era homem de poderosa memória; precisava-se ouvi-lo em agradável rodada em mesa à frente do Excelsior Hotel, em Caxias, destilando e desfilando capitais, países e suas áreas territoriais, além de precisas informações históricas...

Por esses paradoxos que a existência e seu contrário alimentam, a morte de Mílson Coutinho é sua ressurreição em cada um de nós, os que interagimos com ele, de acordo com a quota de intensidade dessas interações.

Cada um tem um morto que vive diferentemente nas lembranças de cada um...

Como dito, fui, por designação, o acadêmico encarregado de fazer o discurso de recepção na solenidade de posse dos desembargadores e escritores Antônio Carlos Medeiros e Mílson de Souza Coutinho, há exatamente vinte anos – toda uma geração...

Com um travo na garganta e uma travessa no coração, reproduzo, a seguir, algo do pronunciamento com que, oficial e solenemente, Mílson Coutinho adentrava o pórtico da Casa de Letras caxiense naquele 29 de julho de 2000:

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“Quando Academias se reunissem em uma comunidade, sinos deveriam repicar, fogos deveriam espoucar, fogueiras deveriam crepitar, padres e pastores deveriam bendizer, coros e corais deveriam cantar e aleluias e hosanas se deveriam proclamar! Pois eis que, também quando Academias se reúnem, é quase certo, homens e mulheres se estão aproximando mais da imagem e semelhança daqueles que os criou – Deus. Pois o que é a Literatura, senão, mais que vaidade intelectual humana, permissão para exploração do potencial divino que está em cada um de nós?

“Por mais belos que sejam os vestidos e ternos, longos e ‘smokings’, por mais que se farte a gula de salgadinhos e se mate a sede de bebidas, por mais brilhos que tenham as joias, por mais beleza que tenha a eventual decoração, algo mais belo, mais alimentador e mais brilhante está neste instante sendo homenageado e fortalecido: o espírito humano.

“Mesmo que não o sintam os insensíveis, por mais que não acreditem os céticos, ainda que não vejam os cegos, algo provindo de nós (mas muito maior e melhor que nós) aqui nasce, ou renasce, aqui reina, aqui ‘rola’ – como diria nossa juventude em sua linguagem curta e carregada –: o espírito caxiense de amor ao Belo, à Cultura, à Arte e, claro, à Literatura, esta que é, literal e literariamente falando, a mais respeitada, a mais permanente, a mais charmosa das artes do Espírito: Literatura, o espírito da Arte!

“A Academia Caxiense de Letras reúne criaturas e criadores, autores e leitores, poetas e musas, para anunciar aos quatro ventos caxienses e maranhenses e brasileiros e universais – já que ventos não têm pátria –, que a Casa está em festa: chegaram novos velhos irmãos. E esta é a missão deste que lhes fala: saudar, com a pobreza vocabular dos limitados, a riqueza de espírito de iluminados. Meus Senhores: Caxias e sua Academia de Letras recebem, pródigos em sabedoria, seus filhos Antônio Carlos Medeiros e Mílson Coutinho.

“Mílson Coutinho, aliás, não é apenas filho, pois que assim ele se considera (e nós o consideramos também), filho de Caxias: ele é neto. Sim, antes de proclamar seu acendrado amor a Caxias, antes de merecer a maior láurea da terra – o título de cidadania caxiense –, antes de escrever, entre tantos livros que tem escritos e publicados, livros e textos muitos sobre a nossa cidade, Mílson Coutinho, por essas benquerenças do destino, veio a nascer em Coelho Neto. E quem nasce em terra de um filho de Caxias, é, no mínimo, filho duas vezes, é neto. E quem escreveu, há exatos 20 anos, uma obra como ‘Caxias das Aldeyas Altas’, é também irmão nosso”.

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Descanse em paz, Mílson.

A Academia Celeste acaba de ganhar um sócio especial...

* EDMILSON SANCHES

O Ministério da Educação autorizou as instituições federais de ensino médio técnico e profissional a suspenderem as aulas presenciais ou substituí-las por atividades à distância até 31 de dezembro de 2020, em razão da pandemia de covid-19. A portaria de autorização foi publicada hoje (4), no “Diário Oficial da União” e entra em vigor amanhã (5).

As instituições que optarem pela suspensão das aulas presenciais deverão repô-las integralmente, para cumprimento da carga horária total do curso, e poderão alterar os seus calendários escolares, inclusive os de recessos e de férias.

Já aquelas que optarem por atividades não presenciais deverão disponibilizar aos estudantes o acesso às ferramentas e material de apoio e às orientações para a continuidade dos estudos “com maior autonomia intelectual”. As atividades poderão ser mediadas ou não por tecnologias digitais.

De acordo com a portaria, os estágios e práticas de laboratórios também poderão ocorrer à distância desde que garantam a replicação do ambiente de atividade prática ou de trabalho, propiciem o desenvolvimento das habilidades e competências esperadas no perfil profissional do técnico, estejam de acordo com a Lei do Estágio sejam passíveis de avaliação de desempenho e aprovadas pela instituição de ensino.

Os estudantes de cada curso deverão ser comunicados sobre o plano de atividades com antecedência mínima de quarenta e oito horas da execução das atividades.

Em julho, o Ministério da Educação já havia estendido a autorização de aulas a distância em instituições federais de ensino superior até 31 de dezembro de 2020. A medida também flexibilizava os estágios e as práticas em laboratório, que podem ser feitos a distância nesse período, exceto nos cursos da área de saúde.

(Fonte: Agência Brasil)

O Ministério da Educação divulgou, hoje (4), as listas dos estudantes pré-selecionados na segunda chamada do Programa Universidade para Todos (Prouni). O resultado está disponível na página do Prouni. O prazo para comprovação das informações também começa hoje e vai até o próximo dia 11.

Os estudantes pré-selecionados devem comparecer às instituições de ensino e entregar os documentos que comprovem as informações prestadas no momento da inscrição. Quem perder o prazo ou não comprovar os dados será desclassificado.

Os candidatos que não foram pré-selecionados em nenhuma das duas chamadas do Prouni ainda podem disputar uma bolsa por meio da lista de espera. O prazo para que o candidato inscrito manifeste interesse nessa última etapa da seleção é de 18 a 20 de agosto. Nesse caso, o resultado será divulgado no dia 24 de agosto, e as informações devem ser comprovadas até o dia 28 do mesmo mês.

Bolsas de estudo

O Prouni é o programa do governo federal que oferece bolsas de estudo, integrais e parciais (50%), em instituições particulares de educação superior. Nesta edição, 440,6 mil estudantes inscritos disputaram 167,7 mil bolsas em 1.061 instituições.

Para concorrer às bolsas integrais, o estudante deve comprovar renda familiar bruta mensal, por pessoa, de até 1,5 salário mínimo. Para as bolsas parciais (50%), a renda familiar bruta mensal deve ser de até três salários mínimos por pessoa.

Podem participar estudantes brasileiros que não possuam diploma de curso superior e que tenham participado do Exame Nacional do Ensino Médio mais recente e obtido, no mínimo, 450 pontos de média das notas. Além disso, o estudante não pode ter tirado zero na redação.

(Fonte: Agência Brasil)

A partir desta terça-feira (4), o Ministério da Educação (MEC) divulga o resultado dos candidatos pré-selecionados no Fundo de Financiamento Estudantil (Fies). A complementação da inscrição desses estudantes começa hoje mesmo e continua até as 23h59 de quinta-feira (6). Nesta edição, 107.875 inscritos disputam 30 mil vagas, ofertadas em mais de 1,3 mil instituições de ensino superior.

Lista de Espera

Quem não foi selecionado na chamada única do Fies ainda pode disputar uma das vagas ofertadas por meio da lista de espera, em que a inclusão é automática. Nesse caso, o prazo de convocação continua até as 23h59 de 31 de agosto.

Programa

O Fies é um programa do MEC que concede financiamento a estudantes em cursos superiores não gratuitos, em instituições particulares de educação superior. O fundo é um modelo de financiamento estudantil moderno, dividido em diferentes modalidades, podendo conceder juro zero a quem mais precisa. A escala varia conforme a renda familiar do candidato.

(Fonte: Agência Brasil)

Nascimento Moraes, na capa de “Vencidos e Degenerados”

Manoel Caetano Bandeira de Melo: Caxias (MA), 30 de julho de 1918-Rio de Janeiro, 8 de maio de 2008.

Há um confinamento mais que existencial entre a prosa de Nascimento Moraes e a poética de Manoel Caetano, foi o que me despertou a leitura do livro “Esferas Lineares”, de Nauro Machado, tão belo ensaísta quão poeta, a nortear-me com seu valioso instrumental, condições para que eu ratificasse nestes apontamentos ser José Nascimento Moraes, o velho, o maior polígrafo maranhense do século passado, [lê-se séc. XIX] e Manoel Caetano Bandeira de Melo, como é vezo ser do conhecimento de quem estuda e tem intimidade com a literatura, ser um dos maiores poetas brasileiros.

A época de Nascimento Moraes foi toda ela vivida no prumo do cientificismo de Darwin, e no historicismo de Spencer, o pai do Darwinismo Social, em contraponto ao pessimismo de Shopenhauer, filósofo da corrente irracionalista.

Na esteira dessa epistemologia, Manoel Caetano Bandeira de Melo seguiu a trilha do evolucionismo, fortificado pelo entusiasmo do velho mestre Nascimento. Abro aqui um parêntese para dizer que, talvez, esteja nesta caminhada a chave misteriosa da poesia de Caetano, trabalhada com os dois opostos, vida e morte, que o levaram à elaboração de imagens completamente desnudas ante o salvar-se e os estigmas em chamas, ante o bem e o mal, como resultados apurados do possível concreto na teoria do evolucionismo, por onde seguiu contrário ao princípio cristão do criacionismo.

No seu livro “A Neurose do Medo”, Nascimento nos revela a essência de uma consciência nascida da revolta de um homem tocado pela injustiça e ferido na sua sensibilidade pelos golpes do arbítrio, vez que tinha um caráter analítico de tendências dialéticas como se pode constatar no outro seu livro “Vencidos e Degenerados”, onde se vislumbram aqueles personagens dostoieviskianos, como os muitos encontrados em “Humilhados e Ofendidos”, no “Idiota”, no “Jogador” e em “Crime e Castigo”.

O cenário desse estudo romanceado de sociologia foi a nossa São Luís do passado, a Praça João Lisboa em particular, com cafés e boas livrarias, como se fosse uma cidade culta da Europa, onde Nascimento buscou o substrato social de seu tempo, para usá-lo em “Vencidos e Degenerados”, o irmão topofísico, em síntese, de “O Mulato”, de Aluízio Azevedo.

Nascimento foi realmente “Um Lutador” como diz o epíteto traçado ao longo de sua história, cujo emblema estende-se a dois dos seus filhos: Nadir Adelaide, educadora emérita, e Paulo Augusto, este, o autor imortal de “Aquarelas de Luz”.

Da eugenia professoral do velho lutador ainda tinham Raimundinho, Talita e Nascimento Moraes, o filho, este, ainda a carregar no seu bravo peito a angústia dos mártires na ressonância imortal do “Clamor da Hora Presente” que estremeceu a Geração de 45 com seu grito libertário.

A viagem estava contida no húmus de Manoel Caetano. Ouçamo-lo: “... As maiores viagens são as íntimas, / através dos países que imagino. / Das Cordilheiras d’alma, ainda que ínfimas, as estradas das estrelas descortino”.

Aticei o parental darwinista de Manoel Caetano com Nascimento Moraes, no conteúdo epistemológico da evolução das espécies que os dois defendiam. Esse mesmo confinamento dá-se na expectativa laboral da criação artística. Se em “Vencidos e Degenerados”, Nascimento traça à luz da sociologia seus personagens como se pinçados dos textos de Dostoievski, Manoel Caetano, no “Soneto de Díptico” revela a sedução dos sapos da morte com os dramáticos sortilégios de “O Corvo”, de Edgard Allan Poe, tenebrosos, sombrios e incandescentes.

“Canções do Amor e da Morte”, de Manoel Caetano Bandeira de Melo

Têm o “Soneto de Díptco”, também, a cadência rítmica sentida na nódoa maldita e singular de Augusto dos Anjos, único entre nós nessa modalidade simbólica. No “Soneto de Díptico”, ainda, o poeta inscreve o nome de seu pai, o magistrado Públio Bandeira de Melo naquela tábua primitiva com a intenção de fazer-lhe a oração final, já nos momentos em que a monja da morte lhe rodeava. Estes versos têm um corte puramente modernista e são trabalhados em forma fixa, o que me faz dizer que no gênero estão entre os mais belos e perfeitos da Língua Portuguesa: “São os sapos da morte que coaxam / Vieram buscar-me no alto do edifício / não sei como fugir ao malefício / dos sapos que me buscam e que me acham. / Para o salto mortal eles se agacham / os olhos saltam no gelado ofício / de paredes sem luz que não se racham / desabaremos pelo precipício / Percorrendo a torre natural / que rasga o horizonte invertido / navegando voltada para o fundo / aprisionado espaço pela mesma urna / me sentirei de novo protegido / contra esta sensação de ser imundo”.

Oswaldino Marques, professor de Teoria Literária da Universidade de Brasília (UnB), querido amigo, um dos maiores críticos brasileiros, colega de bancada no Liceu Maranhense de Caetano, deixou-nos essa sentença sobre sua poética: “Manoel Caetano faz uma empolgante exibição de sua mestria no domínio da traiçoeira forma fixa. Desde o mais rigoroso soneto canônico, sem desdenhar do molde inglês, até o que eu chamaria de soneto desintegrado, onde, como na música concreta, as palavras são mais unidades de uma montagem verbal do que condutos do fluxo discursivo, em que tudo confirma o acabado do mínimo formal do poeta”.

O nosso saudoso poeta e ensaísta Carlos Cunha, acende, num rasgo crítico dos mais luminosos, em seu livro “Lâmpadas do Sol”, esse facho sobre a poética de Caetano: “Na poética de Manoel Caetano Bandeira de Mello, à maneira clássica, ele estabelece uma conexão visceral entre os dois maiores termos universais, cantados e decantados permanentemente. O sentimento do amor para o poeta tem algo de trágico, conflituoso. Ele não enxerga outra perspectiva que não sejam os conflitos que desencadeiam o amor. A partir de tal angústia que lhe é quase imanente, orgânica, o escritor atinge outras emoções graves e sinistras, percorrendo a mesma trilha que o conduz a apreender à vida”.

Por fim, Carlos Cunha, o fantástico declamador dos nossos saraus e madrigais, conclui: “Manoel Caetano Bandeira de Mello, ao lado de indiscutíveis dotes intrínsecos, construiu uma cultura humanística, mais particularmente poética, nas fontes perenes dos escritores clássicos”.

Épica e romântica, metafísica e mística, a poesia de Manoel Caetano personifica-se por uma forma individualizada, com uma grande carga de signos e símbolos a conduzi-la para um subjetivismo dentro daquela estilística hermética de que “a palavra sozinha inventa uma realidade”, como defende o poeta e crítico francês Marlamé.

Em “Tríptico”, creio que, à maneira de um painel devocional, contém-se num poema-balada e vale-se do emprego da metalinguagem o que lhe dar força, melodia e, sobretudo, uma elegante e fina essência verbal, onde existe aquela síntese em que Carlos Drummond de Andrade diz que “as palavras são puras, largas, autênticas, indevassáveis”. Ouçamo-lo: “O homem e sua essência / No corpo da mulher. / Como não amar, amada, / esta língua em que tu falas? / Palavra nossa que estás na terra, tanto buscada, quão pouco achada”. Manoel Caetano, aqui, faz-me lembrar à moda de Thomas Mann que as coisas mais belas desta vida são “os seios da mulher amada e o cérebro do pensador”.

O poeta americano T.S. Eliot, a exercer uma influência e um fascínio em todos nós, benditos pela poesia, ascendeu em Manoel Caetano, como não poderia ser diferente, seu ânimo, quer nas metáforas, nos paradoxos, nas antíteses, nas afirmações abstratas, quer na tensão rítmica, principalmente quando Caetano se apega a visões sombrias a respeito da vida e da morte, vereda já trilhada por Eliot, assim, considerada o reflexo poético do “Ulisses”, de James Joyce.

A isso discorremos, para dizer que, tanto o autor de “Os homens ocos”, quanto Caetano, têm empatia intelectual pelas alegorias da “Divina Comédia”, por Beatriz, principalmente. Nessa epopeia Caetano incursionou por toda sua poética. Sob o olhar dantesco, diz o crítico Haroldo Bruno: “(...) Inquietante pela fusão de elementos sensualistas e de carga ideativa ou sublimadora do real, de paixões terrenas e apelos de evasão, ele quer constituir-se, nos limites de nosso tempo, de nosso espaço cultural, numa espécie de reflexo da divina comédia do século. Projeto ambicioso, mas que representa a intencionalidade de todo poema que procura traduzir o quadro objetivo, em função de um pensamento voltado para os signos permanentes da estada do homem no mundo”.

Caetano sabia como poucos que a poesia é a maior mágica da comunicabilidade entre palavras e ideias, entre valores sonoros representativos de amplitudes emotivas que transcendem as possibilidades dos meios de transverbalização, como também sabia que a poesia é a mais autêntica orgia do homem, e que está na razão de sua emoção exaltante, mesmo sendo transitório, como o sonho de uma doutrina, e uma criação divina.

Foi por isso que Deus quis que Manoel Caetano viesse ao mundo no galope dessa “Humana Promessa”, para que ele cumprisse com dignidade e competência o roteiro de sua “Viagem Humana”.

* Fernando Braga, in jornal “O Estado do Maranhão’, São Luís, 14/12/08, originais in “Conversas Vadias”, antologia de textos do autor.

São Paulo é o primeiro Estado brasileiro a construir e homologar o novo currículo para o ensino médio, documento determinado pela lei de reforma do ensino médio, sancionada em 2017. O currículo foi aprovado dia 29 de julho, por votação unânime, pelo Conselho Estadual da Educação de São Paulo. A homologação foi anunciada, nesta segunda-feira (3) pelo governador João Doria durante entrevista coletiva.

Segundo Doria, o objetivo é criar uma escola que dialogue com a realidade atual da juventude. “E que se adapte às necessidades dos estudantes e os prepare para viver em sociedade e enfrentar os desafios de um mercado de trabalho dinâmico. Essa é a proposta do novo ensino médio de São Paulo”, disse.

O currículo está alinhado à Base Nacional Comum Curricular (BNCC) do ensino médio, homologada pelo atual secretário estadual de Educação, Rossieli Soares, quando ocupou o cargo de ministro da Educação, em dezembro de 2018. Durante a coletiva, Rosseli disse que São Paulo sempre foi referência quando se fala em construção curricular e vai servir de grande exemplo. “Nosso bônus demográfico acaba agora, entre o final do ano de 2022 para 2023. Começamos a virar a chave e teremos menos jovens. Por isso, formá-los cada vez melhor será ainda mais importante para o nosso país”, disse o secretário.

O novo currículo terá 12 opções de cursos, chamados de itinerários formativos e permitirá aos alunos escolher as disciplinas com as que mais se identifiquem. A previsão é que o currículo seja implementado progressivamente aos alunos da 1ª série do ensino médio em 2021. Em 2022, para os estudantes da 2ª série, e para a 3ª série, em 2023.

Rossieli disse que, se não houver uma das opções perto da casa do estudante, ele poderá fazer uma parte em outra escola. “Estamos falando de um leque de opções, onde as escolas poderão trabalhar. Estamos trabalhando em modelo em que o jovem poderá fazer parte em uma escola e parte em outra. Mas a criação dos itinerários é para atender a esse tipo de demanda. Existem itinerários que são previstos como unificados. Isso vai depender do projeto de cada uma das escolas”, explicou.

O processo de construção do currículo foi iniciado em 2019 com uma pesquisa entre 140 mil estudantes e 70 mil profissionais da rede. Também foi debatido em seminários e por meio de consulta pública. “Somente no período da pandemia, tivemos seis seminários, com 70 mil profissionais da rede participando, e uma consulta com 397 mil contribuições, ou seja, um documento construído coletivamente com muitas críticas e sugestões”, enfatizou o secretário.

Novo currículo dá autonomia

O currículo do ensino médio paulista está estruturado em 3.150 horas, distribuídas em um período de três anos. Do montante total da carga horária, 1.800 horas são destinadas à formação básica, e o restante, 1.350 horas, é referente aos itinerários formativos. Esses itinerários terão mais do que a carga mínima prevista na legislação, que é de 3 mil horas.

Na formação geral básica, os estudantes terão os componentes curriculares divididos em áreas de conhecimento como linguagens e suas tecnologias (língua portuguesa, artes, educação física e língua estrangeira); matemática; ciências humanas e sociais aplicadas (história, geografia, filosofia e sociologia); e ciências da natureza e suas tecnologias (biologia, química e física).

Na carga horária referente aos itinerários formativos, o estudante precisa escolher uma ou duas áreas de conhecimento da formação geral para aprofundar seus estudos, ou ainda, a formação técnica e profissional para se especializar.

Os componentes do programa Inova Educação também farão parte dos itinerários formativos, com as disciplinas eletivas (educação financeira, teatro, empreendedorismo), projeto de vida (aulas que ajudam o estudante na gestão do próprio tempo, na organização pessoal, no compromisso com a comunidade) e tecnologia e inovação (mídias digitais, robótica e programação).

“Incluímos algo que é inovador e fundamental para o nosso país. Precisamos, desde o ensino médio, incentivar mentes para serem professores para a transformação do país. Precisamos atrair talentos, teremos itinerário formativo para incentivar também a formação de professores”, destacou Rosseli.

Formação de professores

Durante a coletiva, foi apresentada a nova coordenadora da Escola de Formação de Professores de São Paulo, Raquel Teixeira, que foi deputada federal e secretária de Educação de Goiás. Raquel enfatizou a importância dos professores. “Se havia alguma dúvida da importância do papel dos professores, essa pandemia escancarou a essencialidade desses profissionais. Assumir a escola de formação de professores num momento de profundas mudanças, é uma tarefa que assumo com enorme entusiasmo”.

Raquel disse ainda sobre o desafio de treinar os professores para tantas novidades, no meio de uma pandemia: “Formação é a essência de estarmos preparados para os novos desafios. A reforma do ensino médio começa no ano que vem, por algumas escolas de forma gradual. Com o retorno presencial, poderemos avaliar o que alunos aprenderam, ou não, com ensino remoto e daremos maior apoio ao professor para o reforço e reconquista das aprendizagens perdidas”.

A professora, que é formada em letras, mestre pela Universidade de Brasília (UnB) e doutora em linguística pela Universidade da Califórnia, Estados Unidos, assume a Escola de Formação e Aperfeiçoamento dos Profissionais da Educação Paulo Renato Costa Souza (Efape) de São Paulo.

(Fonte: Agência Brasil)

Mesmo com a autorização da prefeitura e da Justiça para o retorno às aulas presenciais nas escolas particulares, para estudantes dos 4º, 5º, 8º e 9º anos do ensino fundamental, os estabelecimentos de ensino não reabriram hoje (3).

O Sindicato dos Estabelecimentos de Educação Básica do Município do Rio de Janeiro (Sinepe) informou que, no levantamento feito pela manhã com as escolas afiliadas, não foi constatado o retorno às atividades presenciais em nenhuma delas.

As aulas presenciais estão suspensas desde março, por causa da pandemia de covid-19, e a rede particular manteve as atividades de forma remota, com aulas “on-line”. O Sindicato dos Professores do Município do Rio de Janeiro e Região (Sinpro-Rio) informou que a categoria está em greve, confirmada em assembleia no sábado. A entidade disse, ainda, que teve notícia de apenas uma escola retornando com os alunos de forma presencial, na Freguesia de Jacarepaguá.

Ontem, o Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) e a Defensoria Pública entraram com uma Ação Civil Pública na Justiça para impedir a reabertura das escolas particulares na capital, com pedido de tutela antecipada. Mas o pedido e o recurso foram negados no plantão judiciário.

A Prefeitura do Rio de Janeiro autorizou, no dia 20 de julho, o retorno às atividades presenciais nas escolas privadas a partir de hoje, dando aval quanto à Vigilância Sanitária para o retorno voluntário dos estabelecimentos.

Data indefinida

No entanto, o governo do Estado afirmou que cabe à Secretaria de Estado de Educação (Seeduc) a decisão sobre o retorno das aulas nas escolas particulares, e que ainda não definiu data para o retorno das aulas.

As medidas restritivas em vigência no Estado para evitar a propagação do novo coronavírus valem até, pelo menos, 5 de agosto, incluindo a suspensão das aulas presenciais das redes de ensino estadual, municipal e privada.

Segundo a Seeduc, o protocolo de retorno às aulas terá duração de 15 dias e será iniciado assim que a Secretaria de Saúde informar que há condições de voltar.

(Fonte: Agência Brasil)

A Justiça negou pedido de tutela antecipada feita pelo Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) para impedir a reabertura das escolas particulares na capital, fechadas desde março por causa da pandemia de covid-19. O órgão entrou com Ação Civil Pública ontem (2), e o pedido de urgência foi negado no plantão judiciário do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ), pela juíza Márcia Alves Succi.

Novo recurso apresentado, ontem, pela Defensoria Pública foi negado hoje (3). Na ação, o MP-RJ e a Defensoria pediram a suspensão do decreto municipal que autoriza a reabertura das escolas privadas a partir de 1º de agosto. Segundo o órgão, a decisão da prefeitura traz risco à vida e saúde da coletividade, além de promover desigualdade de acesso à escola.

“A ação destaca estudo publicado pela Fundação Oswaldo Cruz em 20 de julho que considera prematura a abertura das escolas no atual momento da pandemia. Considerando ainda o alto índice de contágio, tal estudo estima que são previstas 3 mil novas mortes no Rio de Janeiro com um possível retorno das aulas em agosto”, afirma o MP-RJ.

Em sua decisão, a juíza Márcia Alves Succi alegou que, na análise preliminar dos autos, não encontrou “prova inequívoca capaz de convencer acerca da verossimilhança das alegações e o risco de dano irreparável ou de difícil reparação” pretendido na ação.

A juíza afirmou que não se trata de matéria recente, visto que o decreto é do dia 22 de julho, e que o Supremo Tribunal Federal já decidiu que as regras de isolamento devem ser definidas pelos Estados e municípios.

“O STF já decidiu que compete aos Estados e municípios definir regras sobre isolamento, pois, as regras constitucionais também visam à racionalidade coletiva de modo que o ente público seja capaz de coordenar as ações que se façam necessárias para o retorno das atividades presenciais sem restrições de funcionamento. E, em sede de plantão, não ficou demonstrada a extrapolação de limites de segurança e cumprimento de regras pelo município”.

Segundo a prefeitura, o aval para a reabertura inclui apenas a parte da Vigilância Sanitária, e cabe aos proprietários dos estabelecimentos a decisão sobre o retorno ou não das aulas presenciais. “Destaca-se que não cabe à prefeitura essa regulação sobre reabertura de escolas particulares nem creches privadas. A posição da Prefeitura do Rio é apenas autorizativa quanto aos protocolos e ao cumprimento deles por parte da Vigilância Sanitária”, destacou o órgão em nota.

Greve

Diante da possibilidade do retorno às aulas presenciais, os professores das escolas particulares decidiram, em assembleia no sábado, manter a greve iniciada no dia 6 de julho. O Sindicato dos Estabelecimentos de Educação Básica do Município do Rio de Janeiro (Sinepe) deve divulgar um balanço ainda hoje sobre quantas escolas reabriram.

Não há data definida para retorno das aulas nas escolas municipais.

(Fonte: Agência Brasil)

Nauro Diniz Machado [São Luís, 2 de agosto de 1935 – São Luís, 28 de novembro de 2015].

É bem difícil ficar-se sem dizer nada diante da beleza estético-formal contida na poemática de Nauro Machado.

Acabo de receber “Percurso de Sombras” [lê-se 2014], que só pelo oferecimento e pela generosidade do poeta, já quebraria por si, qualquer resistência de silêncio... Irresistível provocação sentimental de um irmão de estrada, de sombrios sonhos e de terríveis sombras, a ferir, chagar mesmo minha saudade de tantas lonjuras...

Apressei-me de logo a registrar a chegada de seu livro em minha página no Facebook, sem a surpresa de continuar a ver o poeta ainda em seu barro cru, como se recém-saído de uma olaria de pesadelos... E uterino como sempre em seu estar-se divino, o satânico sobrepõe-se e faz-me publicar “Réquiem para uma Mãe”: “Tudo já entrado em ti, tudo, / enfim estás em ti, / como os pés nos seus sapatos, / dizendo ser a tua morte. / Viúva da eternidade / a se fazer como um sonho / da carne imune ao real. / Dor: arranca a tampa da água / a um náufrago marinheiro, / e o telegrama do fêmur /à volúpia do ovário, / morto ventre de onde eu vim / com meus calos e naufrágios. / Dor: inverte os lábios da água / dando de beber a mãe / pela boca de um cadáver”.

A lavoura do léxico nauromachadiano nos atordoa pela sua precisão e pelo seu fôlego a resistir seu canto-lógico e a dispor-se cartesiano, quando, assim, tira a prova dos “Noves fora”: “Não necessariamente / é igual uma cama / a outra cama, como / uma noite é de outra / feita a mesma noite [...] E até mesmo à soma / que nos subtrai, / nós, humanamente, / somos desiguais”.

E o poeta segue pelos becos e ladeiras de São Luís a soltar balões de eternas infâncias, pelas sombras das noites, balões que se soltam de suas mãos carregadas de trevas e furadas pelos pregos do tempo, até chegar a um dezembro festivo a renascer no peito ferido do poeta, onde se aninham flores no seu esôfago, como se fossem miolos de um pão sagrado que Nauro tivera de engolir um dia, para arrebentar-lhe e lhe arrematar o grito: “Minhas netas da luz, / do meu filho o retrato, / iluminando os olhos / da minha mãe sem pálpebras”.

E sereno continua a ouvir as “Vozes do Natal” que lhe chegam assim: “Cristo do anverso, / em minha costa, / durante séculos / dizendo a Lázaro: / – Vem para fora! / – Vem para fora!...”.

E ainda, no percurso do Advento, clama aos “Milagres Natalinos”: “Porque só tu não me apartas, / boneca da minha mãe, / da infância do meu pai / imputrescível nos anos [...] Todo Natal, como mar, / volta sempre à mesma praia, / enchendo as eternas águas / com o choro dos meus pais...”.

Assim o “Pássaro de Deus” alça voo para o percurso das sombras, como se bebesse o nepente benfazejo para esquecer, não a imagem de Lenora, mas “as cáries da carne na boca dos vocábulos” e ainda com o mesmo ritornelo canto igual ao daquele corvo agourento, pousa nos umbrais do poeta Nauro Machado para ouvi-lo dizer que “há coisas que assustam / sem palavra alguma, / assim como as há, / como nossos cúmplices, / pela indiferença / na boca de um morto” [...] “quebrei-as nas mãos / desse estéril poema / de cisne nenhum, / entre o pão e o vocábulo / as virtudes dos pássaros / de nossa inocência”.

E diante da “Praça de um poeta” onde se materializa sua memória de carne e verbo, há tempos, périplo indesejável entre esse espaço e a “Casa das Tulhas”, solene no seu comum de “Feira da Praia Grande”, Nauro revive o cancro de dolorosos dias a ressuscitar quase apodrecido pelos muitos açoites que o fazem agora justificar-se diante de um vazio que lhe deflora: “Sabendo olhar / na escuridão, / o povo vê / que não sou nada, / e nem serei / até morrer. / E embora diga / o inverso disso, / o povo sabe / que sou igual / ao mais comum / de todos eles... [...] Alguma coisa, / depois de eu morto, / me habitará / vivendo ainda”.

“Naurito” velho de guerra, enfim chegamos naquele estágio em que não mais reconhecemos nossas visões, porque nosso passado não é mais nosso companheiro, parafraseando Mário de Andrade... Aqui estão alguns traços sobre o belo miolo do teu livro, muito bem apanhado graficamente pelas ilustrações do artista Pedro Meyer... Dize-me que Deus haverá de salvar-te, ainda que andes pelo vale das trevas... É belo o salmodiar de David quando se tem coragem, principalmente embalado pela fé que tens... Agradeço-te o alimento espiritual que tanto agradaria a Verlaine ou a Paul Valéry, tenho certeza, porque mesmo na brenha de um “percurso de sombras”, os teus cantos “são enredos de aranhas costurando os verbos...”.

* Fernando Braga, in jornal “O Estado do Maranhão”, 4 de janeiro de 2014, original in “Conversas Vadias”, antologia de textos do autor.