E o domingo é nosso. E, para longe, os comentários. Para longe, a crise política do Rio Grande do Sul. Para longe, esta complicadíssima político-revolucionária do marechal Castelo Branco, esta confusa e escorchante política econômico-financeira da dupla Campos-Bulhões. Para longe, a presença de Ademar de Barros na Suíça, afirmando que breve estará de volta e dizendo que não desistiu da sua vontade de alcançar o poder “pelo voto direto do eleitorado”. Para lá, Juscelino, pousando em frente do edifício da ONU, afirmando que “o difícil no exílio é a solidão”.
Para longe, esta candidatura Costa e Silva empurrada por um processo político esquisito, sem identificação democrática, jogada que foi para aquela confusa Convenção Nacional do partido governista. Para lá, este partido de oposição que ainda está submetido a um processo interno de timidez, de receios e de cuidados. Para lá, tudo isto que é política revolucionária com as suas complicações e implicações, com as suas tolerâncias e conveniências, acendendo uma vela para Deus e outra ao Diabo. Para lá, tudo isto que está evoluindo ou não no cenário desta chamada política nacional.
Agarremos este domingo para o encantamento de nós mesmos, do nosso espírito liberto, iluminado de idealismo, enamorado do Belo, esbanjando a poesia sentimental dos nossos sonhos, das nossas esperanças. Agarremos este domingo para está com os amigos, amigos bons, simples, almas simples e boas, felizes como nós, independentes como nós. Agarremos este domingo para viver um pouco de nós mesmos. E há, em tudo, a beleza da paisagem geográfica da Ilha. Da cidade Capital. Da cidade tradição. Da cidade com restos de seu colonialismo. A cidade vestida de ontem. A cidade antiga, a cidade da nossa juventude, da nossa mocidade. A cidade eterna e enamorada eterna deste Atlântico que a abraça, que a possui, que a beija nas areias alvas das praias distantes. E há, em tudo, lembranças e recordações.
Agarremos este domingo para andar pela Ilha, olhar o povo da Ilha, os caboclos da Maioba, do Turu, do Cutim, São José dos Índios, Rio São João etc. Gente boa, vivendo a vida na tranquilidade das suas preocupações. Vivendo a seu modo, comendo a seu modo, indiferente a tudo isto que fica nas limitações das etiquetas sociais. Gente de alma pura, de coração bom. De pensamentos límpidos. Gente romântica, debruçada nos seus sonhos de esperança e de felicidade. Gente que não reclama nada. Mas que diz pra gente: “Sim, senhor, meu branco, tudo tá caro mesmo”. E não vai além disso. Gente na resistência, na cooperação e na ajuda espontânea, gente pobre, vestida de farrapo, iluminada de sol, banhada de chuva, vivendo os seus hábitos e os seus costumes.
Agarremos este domingo para sair dos comentários, sair das observações, fugir um pouco das nossas obrigações profissionais. Sim, o domingo, hoje, é nosso. E nós o estamos aproveitando. Tudo pompudo, tão bonito. E nunca a felicidade foi tão bem sentida. Nunca. A gente andando por aí, andando sem pressa, ficando na noite. Tudo tão bom. Alma quieta, alma em contemplatividade. Emoções. Surpresas. Um realismo vivendo instante no rosto, no riso duma mulher, uma mulher que não é de ninguém, mas que passa, passa deixando a sua presença neste domingo de sol que é nosso, bem nosso.
Tudo assim. Suavidade em tudo. E, fora de nós, as agitações políticas, a trama das cassações, a luta política no Rio Grande, os políticos cedendo, acocorando-se na noite escura, uma noite agoureira, indecisos... Tudo isto fora de nós e ouvindo de nós: que tudo isto “vá pro inferno”. Mora. E nós, neste domingo, nós; nós e os amigos. E... amanhã já é segunda-feira...
* Paulo Nascimento Moraes. “A Volta do Boêmio” (inédito) – “Jornal do Dia”,17 de julho de 1966 (domingo).