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O último evento “Declama Poesia” do ano, da Associação Brasileira de Imprensa do Rio de Janeiro (ABI-RJ), foi realizado na tarde de quinta-feira (14/12/2023), no edifício-sede da entidade, na Rua Araújo Porto Alegre, no centro da capital fluminense.
Sob a responsabilidade do jornalista Carlos Alberto da Rocha Carvalho, o “Declama Poesia” é realizado todos os meses há nove anos. A ABI é entidade de mais de um século de existência, fundada em 7 de abril de 1908, há 115 anos. Atualmente é presidida por Octávio Floro Barata Costa, que foi editor de política no “Jornal do Brasil”.
Durante o evento, foram lançados os livros “Poetando” e “A Energia Reiki”, de Vera Regina Carvalho, escritora e artista plástica, natural de Minas Gerais, há 40 anos residente no Rio, graduada em Administração e em Desenho e Artes Plásticas estudiosa da terapia de cura tibetana e japonesa reiki (palavra que significa “energia vital universal”). Também presentes, entre outros, a acadêmica Vera Figueredo e o dicionarista Wagner Azevedo, que acaba de lançar sua 15ª obra de referência.
Convidado por Carlos Rocha para participar do “Declama Poesia”, o jornalista maranhense Edmilson Sanches prendeu a atenção dos presentes quando, solicitado para dar exemplos de algumas de suas composições poéticas, leu poemas de instigação político-social, feitos há décadas (leia abaixo). Sobre os poemas, Rita de Paula Oliveira, diretora do grupo Iniciativas de Mudanças, de Petrópolis (RJ), disse: “Nunca tinha ouvido tantas verdades juntas”. O grupo Iniciativas de Mudanças tem origem na Suíça e “trabalha para inspirar, equipar e conectar pessoas a trabalharem pelas necessidades mundiais, começando por elas mesmas, nas áreas de construção de confiança, liderança ética e vida sustentável”.
Durante três horas, poetas e admiradores da poesia fizeram leitura de composições autorais ou de sua preferência. Ao término, houve o coquetel e congraçamento de fim de ano. O responsável pelo Declama Poesia, Carlos Rocha, convidou Edmilson Sanches para lançar alguns de seus livros ainda no primeiro semestre de 2024. Abaixo, alguns dos poemas do escritor caxiense apresentados no Declama Poesia.
O ENCONTRO DAS PEDRAS
E agora, José?
No meio do caminho
tinha uma pedra. Aliás,
uma pedrada,
que é uma pedra
movimentada.
Dizem que a coisa
foi orquestrada
teleguiada.
Mas, Zé, compreenda:
há muita insatisfação,
e o povo passa fome, arrocho,
precisão.
Você, não.
É preciso se-
parar o joio
do trigo.
Mas onde está o trigo, meu Deus?!
Ele já não é subsidiado
– só o povo continua
subalimentado.
E o povo, já sem razão,
responde
com quatro pedras
na mão.
José, você que é,
que é católico, rezador,
talvez diga que nem só de pão
vive o “home”;
entanto, ouça:
acima da guerra,
há o grito da fome.
José, sabe como é:
o povo se contenta
com pouco.
Boca cheia
não grita.
Bucho vazio
deixa louco.
Sei, não precisa repetir:
atiraram a primeira pedra.
Mas, José, e por que a outra?
Lançada de catapulta,
com destaque em jornal,
apedrejaram o povo com a Lei
de Segurança Nacional.
Lei de Talião,
pagou-se com a mesma moeda.
Ou pedra.
(Mas, José,
duro
com duro
não faz
bom muro).
Não sei, José,
não sei como é.
Tudo serve
de exemplo.
E com pedras também
se constrói
um templo.
Vamos juntar todas essas pedras
e talvez, quem sabe, um dia
com ela terminaremos,
“não mais que de repente”,
o prédio transparente
da democracia.
E aí, povo forte,
Nação em pleno viço,
botaremos uma PEDRA
em cima disso.
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MENTE, MENTIRA
Contra o cidadão,
o pior dos males é a violência.
A pior violência, a mentira.
A pior mentira, a mentira política
– pois dela derivam todos
os outros males e mentiras.
Sei, bem sei, que se mente
até involuntariamente
inocentemente
inconscientemente.
Mente-se religiosamente.
Mente-se jornalisticamente.
Mas, principalmente, mente-se
politicamente
– e, politicamente, mente-se
frequentemente.
E porque mente assim assiduamente,
já não mente o político sorrateiramente,
“respeitosamente”:
ele mente deslavadamente
descaradamente
de-sa-ver-go-nha-da/mente.
E por mentir – politicamente –
tão repetidamente,
tão constantemente,
o político mente... impunemente.
E porque se mente – especialmente politicamente –
tão impunemente,
chegamos à conclusão de que
– paradoxalmente –
já não vivemos em um País de mentira:
vivemos em um País... demente.
Cidadão,
na hora da verdade,
ao votar em eleição,
não minta para você mesmo.
Vote com consciência.
Vote verdadeiramente.
Vote como quem dá uma porrada.
Pois pelo jeito, só assim, um dia,
toda mentira será castigada.
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PRESOPOEMA
Hoje, que desgraça farei:
mato o presidente
ou me proclamo rei?
Faço desvio de influência?
tráfico de (oh!)posição?
sinto alta a indecência
livre na contramão?
Meto a mão no fundo bolso
pesquisando uma rima,
tirando dinheiro falso
e dando-o ao cego da esquina?
Critico a “democracia”?
sequestro meu país?
rezo o pai/pão do dia
sugando o infeliz?
Tisno-me de branco?
atendo o bicha num rogo?
procuro meu canto
ou vira ficha do jogo?
Reclamo do salário
ou peço minha demissão?
(Não tem garantia meu trabalho
nem fundos a rescisão.)
Hoje, que desgraça farei:
mato o presidente
ou me proclamo rei?
(Faço charada:
Envernizei um pouco
o homem público. 2-2)
Proclamo-me rei
ou mato o presidente?
(Alguma desgraça farei
durante a noite silente.)
Que faço da roupa?
(Eu não nasci assim.)
Que faço da pele?
Que faço de mim?
Pinto o sete?
Toco em banda?
Dobro o frete?
Vou pra Uganda?
Processo o modo general?
Condeno a (falta de) União?
(Pleito e/lei/mortal litoral,
promessa é treva e aguilhão.)
Torno-me criança em cabaré?
Elejo cavalo “Seu Dotô”?
Trepo morro pensando em muié?
Ponho barba preta no meu vô?
Sou preso residente
fé esporte sé nado
preso/e/dente
generalizado.
(Depois vieram.
Vou preso prum cubículo:
Salafrário!
E compuseram
o orgulho dum currículo
literário.)
Censurada a minha mente,
meu escrito.
Mas, conquanto rudemente,
tenho dito!
(1976)
Imagens:
O prédio da ABI, em foto de Donatas Dabravolskas, e Edmilson Sanches na Associação, com a escritora Vera Regina Carvalho e com o jornalista Carlos Alberto da Rocha Carvalho, em evento no Rio de Janeiro.