DE ACADEMIA E POVO, DISTÂNCIAS E REALIDADES
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A forte chuva que se iniciou antes das 19h do sábado, 24/11/2018, e que se estendeu para próximo ou além da meia-noite, deve ter sido mesmo uma bênção dos céus para servir de desculpa a algumas autoridades de todos os gêneros e espécies que, convidadas, não deram o ar da graça na solenidade pública e festiva de posse dos primeiros 25 membros e da primeira diretoria (com oito integrantes) da Academia João-lisboense de Letras (AJL).
Entretanto, e ainda bem, o auditório do Sindicato dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino de João Lisboa (Sintejol) estava lotado, e com mais gente nos corredores. E todas aquelas pessoas -- mulheres, homens, jovens, moças, meninos e até bebês – representavam, elas sim, a verdadeira autoridade, fonte primeira do poder: o Povo, POVO grande, maiúsculo.
O povo de João Lisboa – município maranhense com 97 anos de início de sua História, com 59 anos de autonomia política, com território de 1.137 km2, com 24 mil habitantes e com economia de R$ 270,6 milhões (2021) –, o povo de João Lisboa, repita-se, avalizou, no dia 25/11/2018, todos os esforços anteriores e posteriores que tiveram como marco histórico o ato também público e solene realizado em 27 de abril de 2017, quando, na Câmara Municipal joão-lisboense (“casa do povo”), foi criada a Academia João-lisboense de Letras.
João Lisboa merecia sua Academia – até mesmo a partir do seu nome, uma homenagem ao maranhense João Francisco Lisboa, que integra a Academia Brasileira de Letras (ABL) como patrono da Cadeira nº 18, por escolha de seu primeiro ocupante, o escritor, educador, jornalista e estudioso da literatura brasileira José Veríssimo, paraense de Óbidos, considerado o principal idealizador da criação da ABL.
João Francisco Lisboa nasceu em Pirapemas (MA) em 22 de março de 1812 e faleceu na capital portuguesa, Lisboa, em 26 de abril de 1863. Foi escritor, jornalista e político combativo. É clássica sua obra “Jornal de Tímon” (Tímon – com acento agudo no “i” – era um filósofo cético grego dos séculos III e IV antes de Cristo). A cidade que lhe homenageia com o nome, João Lisboa, está a três anos de seu primeiro século de existência, a ser completado em 2025, considerada o ano de chegada – 1925 – do Sr. Joaquim Alves da Silva, o primeiro morador das terras do município, que deu ao lugar o nome de “Gameleira”, ante a existência de árvores de mesmo nome, com cuja madeira se fazem, entre outras, as vasilhas chamadas “gamelas”, de uso doméstico (banhos, por exemplo) e de trabalho (como dar de comer a porcos, muitas das vezes de pequenas criações domésticas).
Os primeiros 25 acadêmicos da AJL (do total de 40 Cadeiras) são, em ordem alfabética:
BRUNIDES QUEIROZ MOREIRA, Cadeira nº 14, patronato do escritor, jornalista e professor Josué Montello;
CLAUDYO JACKSON DAMASCENA SIMÃO, Cadeira nº 19, patronato do escritor, jornalista e teatrólogo Nelson Rodrigues;
EDMILSON SANCHES, Cadeira nº 22, patronato do professor, historiador e escritor João Renôr Ferreira de Carvalho;
EMERSON GEOVANE DO NASCIMENTO, Cadeira nº 4, patronato do militar e político Duque de Caxias;
FLÁVIA DE ALMEIDA, Cadeira nº 5, patronato da escritora e jornalista Clarice Lispector;
HERLI DE SOUSA CARVALHO, Cadeira nº 24, patronato da professora, historiadora e ativista dos direitos humanos Maria Beatriz do Nascimento;
HOLDEN FARHANY ARRUDA MARTINS, Cadeira nº 12, patronato do escritor, sociólogo e professor Antônio Cândido de Mello e Souza;
IOLÂNGELA BARRETO SILVA, Cadeira nº 10, patronato da escritora, poetisa e contista Cora Coralina;
IVAN LIMA DE AZEVEDO, Cadeira nº 2, patronado do jornalista, advogado e professor Jurivê de Macedo;
JAQUELINE BARBOSA FERRAZ DE ANDRADE, Cadeira nº 18, patronato da escritora, romancista e poeta Lucy Teixeira;
JOÃO BOSCO BRITO, Cadeira nº 27, patronato do pioneiro, empresário e empreendedor João Paraibano;
JOSÉ HUMBERTO SANTOS NASCIMENTO, Cadeira nº 28, patronato do escritor e líder religioso Estevam Ângelo de Sousa;
JOSÉ RIBEIRO DA SILVA JÚNIOR, Cadeira nº 1, patronato do historiador, jornalista e escritor João Francisco Lisboa;
JOSIANO CÉSAR DE SOUSA, Cadeira nº 13, patronato do escritor, advogado e poeta Gonçalves Dias;
LAIZA SOUZA DE LIMA CAMPELO, Cadeira nº 20, patronato do professor, pedagogo e filósofo Paulo Freire;
LUIZ CARLOS FERREIRA CEZAR, Cadeira nº 25, patronato do escritor, jornalista e memorialista Graciliano Ramos;
MARCELO BITAR LOBO JÚNIOR, Cadeira nº 8, patronato do escritor e cordelista Manu Rolim;
MARIA DA CONCEIÇÃO MEDEIROS RODRIGUES FORMIGA, Cadeira nº 21, patronato da escritora, historiadora e professora Edelvira Marques de Moraes Barros;
MARIA LOZA DA ANUNCIAÇÃO SILVA, Cadeira nº 9, patronato do compositor, cantor e músico João do Vale;
MARIA NATIVIDADE SILVA RODRIGUES, Cadeira nº 36, patronato da escritora, romancista e professora Maria Firmina dos Reis;
MARICÉLIA RIBEIRO DE MENEZES ROCHA, Cadeira nº 39, patronato do escritor, jornalista e dramaturgo Machado de Assis;
MÔNICA MONTEIRO, Cadeira nº 6, patronato do escritor, jornalista e cineasta Fernando Sabino;
NERY BARRETO SILVA, Cadeira nº 7; patronato do escritor, advogado e diplomata Ruy Barbosa;
RAIMUNDO NONATO CABELUDO VIEIRA, Cadeira nº 31, patronato do empresário e político João Menezes Santana;
REGIVALDO ALVES, Cadeira nº 34, patronato da professora e servidora pública Darcy Fontenele Cruz de Queiroz;
SÁLVIO DINO JESUS DE CASTRO E COSTA (“in memoriam”), Cadeira nº 32, patronato do professor, jornalista e empreendedor João Parsondas de Carvalho;
SÔNIA MARIA NOGUEIRA, Cadeira nº 17, patronato do escritor, jornalista e poeta Francisco Sotero dos Reis;
VALDIZAR FERREIRA LIMA, Cadeira nº 3, patronado do jornalista, escritor e editor Adalberto Franklin; e
ZENEIDE MARIA PEREIRA, Cadeira nº 15, patronato do escritor, dramaturgo e professor Ariano Suassuna.
A primeira Diretoria eleita tem oito membros: JOSÉ RIBEIRO DA SILVA JÚNIOR, presidente; IVAN LIMA DE AZEVEDO, vice-presidente; VALDIZAR FERREIRA LIMA, diretor-geral; EMERSON GEOVANE DO NASCIMENTO, vice-diretor-geral; JOSIANO CÉSAR DE SOUSA, diretor financeiro; MARIA DA CONCEIÇÃO MEDEIROS RODRIGUES FORMIGA, vice-diretora financeira; João Bosco Brito, diretor de Comunicação; HOLDEN FARHANY ARRUDA MARTINS, vice-diretor de Comunicação.
Por decisão dos acadêmicos da AJL, fui escolhido para presidir tanto os atos de criação da Academia, em 27/4/2017, quanto os atos de posse solene dos acadêmicos e da primeira Diretoria em 24/11/2018.
Nesses dois momentos da história inicial da AJL, além da parte protocolar, formal, oficial, ousei concitar e incitar a todos, em especial convidados e demais pessoas presentes, para um novo olhar sobre as funções e a importância latente, potencial, de entidades do gênero das Academias de letras e culturais em geral.
Com efeito, Academias de Letras não mais devem ser vistas como apenas um ambiente intelectual, mas, também, como espaço social, fórum político (sociopolítico) e agente econômico.
Recordo-me de que, quando criei a Academia Imperatrizense de Letras (AIL) neste mesmo dia e mês, há 33 anos (27 de abril de 1991), fui “atacado”, questionado. Argumentavam, as forças contrárias, anônimas, que “Imperatriz não precisava de Academia”, que “o povo precisava era de comida e dinheiro”. Entre outras coisas, respondi, em contundente artigo, que “pessoas não são só bucho e bolso”. Na minha segunda gestão como presidente da AIL (2003/2005), criei a Semana Imperatrizense do Livro (SIL), anual, que mais tarde seria redenominada Salão do Livro de Imperatriz (Salimp), que, há anos, consta do calendário do governo federal para eventos do gênero e que é, com certeza, um fator econômico ante o movimento financeiro de alto vulto proporcionado pelo consumo das dezenas de milhares de pessoas físicas e jurídicas que dão tamanho e grandiosidade ao evento e que se abastecem com a compra de milhares e milhares de livros e outros suportes de informação, conhecimento e cultura, além de alimentos, lazer, “shows” musicais etc.
Assim, uma academia novel como a de João Lisboa tem de ter, em seu início, apenas essa primeira preocupação: existir. Existir legalmente. Existir enquanto determinada quantidade inicial de pessoas unidades sob mesmos propósitos. A partir de sua existência oficial, com os devidos registros legais (cartório, Receita Federal...), dão-se os primeiros passos rumo aos projetos. Como um ser recém-nascido, vai-se crescendo e vai-se fortalecendo com o decurso dos dias. Desprezam-se, olímpica e majestosamente, bílis e azedumes, invejas e ressentimentos. A energia intelectual, emocional e operativa deve ser dirigida ao SABER FAZER (realizar) acompanhado do FAZER SABER (comunicar, divulgar).
As Academias de Letras, pelas obras (sem trocadilho) e serviços tornam-se parte dos agentes da chamada Economia Criativa, segmento econômico que tem, como matéria-prima e mãe, o talento, a inteligência, a criatividade e outros recursos que, trabalhando sobre recursos outros, produzem desde literatura, música, pintura, programas de computador (“softwares”), artesanato e um sem-número de produtos e serviços cuja classificação ainda depende do estudioso ou da instituição que a faz. Por exemplo, as Nações Unidas (ONU), por meio da sua Conferência para o Comércio Internacional e o Desenvolvimento (UNCTAD) classifica a Economia Criativa em quatro grandes grupos: Herança ou Patrimônio (artesanatos, festivais e celebrações; sítios arqueológicos e culturais, como museus, bibliotecas, exposições etc.); Artes Visuais (pintura, escultura, fotografia e antiguidades) e Artes Performáticas (música ao vivo, teatro, dança, ópera, circo, marionetes etc.); Mídia e Produção Editorial (imprensa, livros e outras publicações) e Produção Audiovisual (cinema, televisão, rádio etc.); Criação Funcional: atividades como “design” (de interior, gráfico, moda, joias, brinquedos); a “nova mídia” (“software”, “videogames” e conteúdo criativo digitalizado); e outros serviços de criação intelectual (Arquitetura, Publicidade, Recreação, Pesquisa & Desenvolvimento etc.).
De modo oficial, o Brasil tem no seu Ministério da Cultura uma Secretaria de Economia Criativa e, também oficialmente, com o Decreto 7.743, de 1º de junho de 2012, listou, pelo menos, vinte segmentos: animação, arquitetura, artesanato, artes cênicas, artes visuais, audiovisual, cultura popular, “design”, entretenimento, eventos, “games”, gastronomia, literatura e mercado editorial, moda, música, publicidade, rádio, “software”, televisão, e turismo cultural.
É nessa realidade institucional e até oficial, advinda de uma realidade antecedente – o poder criativo das pessoas – onde uma Academia de Letras deve-se inserir, se manter e transformar e ampliar (para melhor). Evidentemente, nem de longe se está aqui preconizando a ascendência do econômico sobre o criativo. Obrigatoriedade não combina com liberdade. Não se trata de um CONTRA o outro, mas de um COM o outro. A criação com liberdade e, por que não, também com lucro, com resultados culturais, identitários, e também econômico-sociais ou socioeconômicos.
A compreensão do novo “modus vivendi” e “modus faciendi” de uma Casa de Letras tem a ver com o assumir papeis sociais cujas ações – de pensar, de expressar o pensamento, de realizar eventos e produzir “coisas” – contribuam para reduzir os graus das diversas carências para cuja debelação as autoridades tradicionais se mostraram/se mostram ainda poucas e incapazes, sobretudo ante as práticas de corrupção, que consomem ou para as quais se desviam enorme quantidade de esforço, de tempo, de talento, de dinheiro e de outros recursos, tão essenciais, tão fundamentais, tão vitais ao suprimento de obras e serviços para o povo.
A Academia João-lisboense de Letras é lugar de pessoas ocupadas. Todos os seus membros trabalham, têm suas atividades, além da prática e/ou do gosto pelas coisas e causas da Cultura, da Arte, da Literatura. São professores, comunicadores, gestores, empresários e empreendedores, servidores públicos, entre outros afazeres. Pessoas ocupadas são as mais indicadas para realizar “novas” tarefas... pois, as outras, não têm tempo – o “otium sine dignitate” consome talento e horas...
Portanto, integrada por trabalhadores, a AJL nasce com uma boa característica: responsabilidade, que deve gerar planejamento, que deve gerar foco, resultados, realidades – novas realidades.
A palavra grega “academia” é formada pelos antigos elementos de composição “aká-” e “-demos” e significa “lugar distante do povo”, pois a Academia original – criada pelo filósofo Platão por volta de 387 antes de Cristo – localizava-se nos arredores de Atenas (Grécia), em lugar afastado dos locais de acesso mais comum da população.
De certo modo, por modos incertos, à origem da palavra agregou-se um viés sociológico de elitismo, de distanciamento do comum da população. As Academias, todas elas, têm de remarcar-se, posicionar-se, espacial, intelectual e operacionalmente para ocupar o lugar de proximidade que seu nome e os novos tempos impõem.
Pois, na palavra “academia”, a maior parte (“-demia”) é povo.
Sem o povo, não é – não há – Academia.
Viva a Academia João-lisboense! Viva ao povo de João Lisboa!
E vamos ao trabalho, pois, como lembra o também grego Hipócrates, pai da Medicina: “Ars longa, vita brevis”.
A arte é longa, a vida é breve.
* EDMILSON SANCHES
Ilustração:
Logomarca da Academia João-lisboense de Letras.