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Brasil tem cerca de cem candidatos a santos católicos

Guido Schäffer, seminarista e surfista

Florianópolis, 18 de outubro de 1991. O papa João Paulo II cumpria uma maratona no país — em dez dias, visitou dez capitais. Na capital catarinense, aproveitou a celebração da beatificação de Madre Paulina para encaixar uma opinião pessoal: “O Brasil precisa de santos, de muitos santos!”.

Foi a senha para o início de uma força-tarefa que está inserindo cada vez mais compatriotas na fila pelo título mais prestigiado da Igreja Católica. Por enquanto, poucos conquistaram a canonização.

Até o ano passado, o único brasileiro a ser declarado santo, com decreto assinado em 2007 pelo papa Bento XVI, havia sido o Frei Galvão. O jejum acabou quando Francisco deu a mesma honraria a 30 mártires do Rio Grande do Norte.

Também são considerados santos nacionais a Madre Paulina, nascida na Itália, e o espanhol São José de Anchieta, mas o país corre atrás de mais reconhecimentos. Por isso, hoje, estima-se que cerca de 90 comissões postuladoras da causa dos santos estejam montando processos de quase cem candidatos à canonização.

Odete Vidal de Oliveira, a Odetinha

Os passos para a santidade

É um caminho complexo e demorado. Normalmente, o postulante se torna um “servo de Deus”, com a abertura do procedimento. Se ele apresentar as virtudes necessárias, é proclamado “venerável”. Caso se prove um milagre por sua graça, é beatificado. A canonização acontece com a comprovação de um segundo milagre.

Hoje, mais de 130 brasileiros são considerados pela Igreja servos de Deus, veneráveis ou beatos.

— O Brasil, um imenso país católico, olha para o exterior e ignora que também abriga santos — avalia o português Miguel de Salis Amaral, consultor da Congregação da Causa dos Santos do Vaticano. — a Igreja e a população devem assumir o desafio de identificá-los. E não se deve procurá-los apenas entre padres e freiras. Até crianças podem inspirar devoção.

É o caso de Odete Vidal de Oliveira, a Odetinha, uma menina que viveu na década de 1930, em Botafogo, na zona sul do Rio. A menina, morta aos 9 anos de paratifo, uma doença de origem bacteriana, impressionou os católicos por suas obras de caridade. Organizava refeições beneficentes, fazia doações para mendigos e convenceu os pais a começar uma obra social para meninas órfãs. Hoje, ela é considerada serva de Deus.

Odetinha chegou ao Vaticano graças à dedicação do padre João Cláudio, que passou quatro anos montando sua biografia, baseado em entrevistas com testemunhas, pesquisas de campo e análise de documentos. E assegura que está pronto para levar o caso a um tribunal eclesiástico, que investigará a santidade da menina.

— Uma pessoa só pode ser canonizada se for comprovado que ela cumpriu dois milagres. Vi centenas de relatos interessantes, como pessoas que, após orarem por ela, curaram-se de câncer terminal e sobreviveram a acidentes e a atos de violência, como tentativas de assassinato — explica.

João Cláudio integra a Comissão da Arquidiocese do Rio de Janeiro para a Causa dos Santos, presidida por dom Roberto Lopes. A equipe, formada em 2011, também conseguiu o título de servo de Deus para Guido Vidal França Schäffer. O médico e seminarista atendia, gratuitamente, a moradores de rua. Ele morreu afogado aos 34 anos, enquanto surfava, em 2009.

— Entrevistamos mais de 30 pessoas para mostrar o caso de Guido ao Vaticano e, depois, será montada sua biografia oficial. E estamos recebendo milagres que serão apurados por uma equipe científica. Esperamos que ele e Odetinha sejam os primeiros beatos do Rio, o último passo antes da canonização — diz dom Roberto. — Nossa equipe conversa praticamente todos os dias e, uma vez ao ano, há a reunião nacional das comissões postuladoras de santos.

Dom Roberto assinala que as dioceses estão, cada vez mais, organizadas, formando padres e trazendo leigos especificamente para organizar os trabalhos de canonização.

Princesa Isabel em 2019

No ano que vem, a comissão pode iniciar a candidatura à canonização da Princesa Isabel, que assinou a abolição da escravatura no país, em 1888. Mas o processo já provoca controvérsias, porque uma corrente de historiadores defende que outras pessoas, que não tiveram uma posição privilegiada na sociedade, foram mais combativas na libertação dos escravos. Desta forma, seriam mais dignos de reconhecimento.

(Fonte: Portal Globo.com)