Skip to content

5 horas da madrugada de 13 de março de 1901: começa o massacre de Alto Alegre*

Há 123 anos, em 13 de março de 1901, aconteceu o “massacre de Alto Alegre”, em que índios guajajaras invadiram uma colônia estabelecida por religiosos italianos (frades capuchinhos).

Ao término, a golpe de facas e tacapes e tiros de espingardas, mais ou menos 200 pessoas foram mortas, inclusive cinco padres e seis freiras e, aproximadamente, 200 leigos, entre professores, alunos e outros. O cacique guajajara Cauiré Imana, o João Caboré, líder do massacre, foi preso pelo capitão Raimundo Ângelo Goiabeira e morreu por tortura, em 1905.

Massacre de Alto Alegre – a véspera

Em 12 de março de 1901, em Barra do Corda (MA), nas imediações da Colônia de São José da Providência do Alto Alegre, estabelecida por frei Carlos de São Martino Olearo, nota-se, na tarde e noite, um movimento festivo dos índios guajajaras.

No dia seguinte, eles atacarão religiosos e leigos em um morticínio que ficou conhecido como “Massacre de Alto Alegre”.

A “evangelização civilizadora” dos capuchinhos incluía a catequização de índios e sua conversão à cultura dos brancos. Deste modo, dezenas de filhos dos índios eram objeto daquela missão religiosa... mas crianças são, como em toda cultura, seres de especial estima dos adultos, principalmente os pais. O resgate virou chacina. Cerca de duzentas pessoas foram mortas pelos índios.

O “massacre de Alto Alegre” virou tema de filme e livros. No Maranhão, sem falar nas notícias de jornais desde a época do ataque, há uma longa e detalhada reportagem do jornalista e escritor Antônio Carlos Gomes de Lima, também conhecido como “Pipoca”, ex-diretor de Redação de “O Estado do Maranhão” e meu amigo, falecido em 8 de outubro de 2023.

O frade capuchinho Aristides Arioli, em seu “Livro de Tombo”, que revisei e editei em 1993, em Fortaleza (CE), traz, em Apêndice, nove páginas sobre o assunto, inclusive uma relação com o nome de 53 vítimas.

Mais de um século depois do “massacre”, estudiosos e religiosos debruçam-se em reflexões sobre a chacina e, entre as motivações, eventuais erros ou impropriedades de abordagem dos voluntariosos capuchinhos, que, ao fazerem a “obra de Deus”, causaram um choque cultural quando “mexeram” nas estruturas do modo de ser e fazer dos índios guajajaras.

*

Repercussão

Escrito há anos e republicado ao longo dos tempos, o texto acima registra diversas manifestações. Algumas delas, via Facebook, comprovam o quanto leitoras e leitores são ricos em vivências, curiosidades, informações, imaginação, opinião. Sozinhos, os registros ofertam um mundo de possibilidades para abordagens, aprofundamento, detalhamento, pareamento... – um universo a ser considerado. Alguns comentários:

– “Espero que lá [em uma série de reportagens sobre o “massacre”] não esteja só a versão do homem branco. O massacre ocorreu e devemos lamentar até hoje, mas é necessário mostrar todos os episódios desse enfrentamento entre índios e “brancos”, inclusive os ataques sofridos pelos nativos, antes e depois do Massacre de Alto Alegre.” (PIETRO MARINO, Imperatriz/MA, 13/3/2013)

– “Bastante interessante, Sanches... Parabéns!” (JENNIFER TALIA SOARES BITENCOURT, imperatrizense, residente em São Paulo/SP, 13/3/2013)

– “Minha Avó materna era Josefa Goiabeira Ferraz, neta do Major Goiabeira, como ela mesma o retratava quando contava esta história pra nós. Ela nasceu em 1921, mas sua avó, a viúva do Major Goiabeira, contou com detalhes para ela a história do Massacre do Alto Alegre – e que, posteriormente, também foi contada aos descendentes da família (Dagma Nunes, Luzia Nunes, Iara Nunes, Tarson Nunes, Vânio Nunes, lembram dessa história?). Eu me lembro de muita coisa, pois era só tocar no assunto que a Vó recontava toda a história desde o início. Era muito bom ouvir essas antigas histórias de pessoas que estavam dentro do contexto. Por outro lado, lembro também sobre algumas divergências sobre os acontecimentos, que a Vó chegou a relatar. Lendo este trecho – “Maior tribo do Maranhão, com mais de 11 mil índios, os guajajara são ainda hoje, em consequência do episódio, tratados com desconfiança e menosprezo pelas populações dos dois municípios [Barra do Corda e Grajaú]” –,  percebo como é notável essa consequência naquelas bandas para as pessoas. As pessoas realmente desprezam muito os índios. Principalmente aqueles do tempo da minha Vó. // Grande Sanches, manda pra mim os materiais desse episódio, que eu tenho muito interesse em verificar os documentos e ver as várias versões pra ter certeza de qual é a que a história que minha Avó contava está relacionada. // Amigo Sanches, como sempre, não nos deixa esquecer os fatos importantes da nossa história local”. (LEANDRO NUNES SAMPAIO, Imperatriz/MA, 13/3/2013)

– “E as perdas dos índios, ninguém sabe ler a tradução, pra ver o lado deles”. (ELVIS NASCIMENTO, 13/3/2013)

– “Ainda muito criança, com o papai (“in memoriam”) e a mamãe visitei a igreja onde os padres foram mortos. Parabéns, Edmilson Sanches, por mais um precioso registro”. (CARLOS BRANDÃO, Imperatriz/MA, 14/3/2013)

– “Belo relato.👏Não lembro de ter visto sobre o assunto nas escolas em que passei, apenas comentários vagos colocando os índios como assassinos. Ninguém questiona a forma como queriam “catequisar” eles, não respeitando suas crenças e costumes”. (EUNICE ERDMANN, 13/3/2018)

– “Na companhia dos meus pais e do Bertoldo, dono de ônibus (pau de arara) que fazia a linha Imperatriz a São Domingos, visitamos a igreja citada nos seus escritos, meu caro e estimado Sanches.” (CARLOS BRANDÃO, 13/3/2018)

– “Fiz uma visita em Alto Alegre, hoje só ruínas. Tive uma boa conversa com o cacique de lá.” (JACKSON PEREIRA SILVEIRA, Imperatriz/MA, 13/3/2018)

– “Quando tive a honra de receber o “Livro de Tombo", com dedicatória de Frei Aristides, relendo textos grifados, comentei com o autor a questão cultural vista segundo o Catolicismo”. (MARIA LEDA DE SOUZA GOMES, Brasília/DF, 13/3/2018)

– “Por favor... sou de Barra do Corda [MA}... Gostaria muito de conseguir esse “Livro de Tombo”, para biblioteca da Academia de Letras... Como consigo...????” (TÂMARA PINTO, Barra do Corda/MA, 14/3/2018)

– “Tâmara, até volume com dedicatória pra meus pais (Alice / Boaventura) foi roubado da residência deles em Montes Altos. Vamos reeditar esta obra-prima?! Foram queimados/destruídos por nossos conterrâneos, que criticaram/criticam os relatos verídicos descritos pelo autor... PAZ E BEM. // Este volume faz parte de minhas memórias, em Brasília/DF”. (MARIA LEDA DE SOUZA GOMES, Brasília/DF, 14/3/2018)

– “Tâmara Pinto: Fui editor de dois dos livros do meu amigo, de saudosa memória, Frei Aristides Arioli. Há uma terceira obra (“A Floresta Chama”), que iniciei os trabalhos, mas o Frei morreu. Já houve aqui nesta rede social [Facebook] um movimento (ou manifestações) para se reeditar essa obra. Mas ainda não saiu do reino da vontade... (EDMILSON SANCHES, Imperatriz/MA, 14/3/2018)

– “Edmilson Sanches, esse movimento vai ter êxito. Montes Altos deve muito ao frei Aristides Arioli, pois ele nos deixou um grande legado, o maior conjunto arquitetônico do Município. Deus vai nos ajudar!” (JÚLIA GOMES, Montes Altos/MA, 16/3/2018)

– “Massacre foi o que o governo do Maranhão mandou a polícia militar fazer com os Índios depois, foi um massacre total”. (JACKSON PEREIRA SILVEIRA, Imperatriz/MA, 13/3/2018)

– “Segundo o trecho de livro que li, aproximadamente 400 indígenas foram mortos...” (MARIA BETÂNIA BARROS, 16/3/2018)

– “Ouvi muito sobre esse acontecimento! Os índios, coitados, tinham suas crenças e só se defenderam!” (CLEUDMAR FREITAS GOMES, imperatrizense, residente em São José do Rio Preto/SP, 13/3/2018)

– “Já tinha visto falar, só que vagamente, esses pontos da história; mas para os índios agirem assim tiveram seus motivos; não que esses motivos justifiquem esse massacre, mas, por outro lado, quantos índios também foram e continuam a ser massacrados e a história também não é contada”. (MARIA JOSÉ AQUINA, Imperatriz/MA, 13/3/2018)

–- “A História tem vários sujeitos e cabe a todos conhecer as várias versões”. (EUNICE MENDES DOS SANTOS, Araguatins/TO, 13/3/2018)

– “Concordo com você, Eunice Mendes dos Santos. Sou filha de Barra do Corda [MA] e sempre ouvi as histórias do massacre. Não tirem conclusões; existe toda a história, com toda certeza, nalgum lugar lá na Barra!!! Historiadores, procurem contar com veracidade!!!” (CLAUDETE BILIO, Bacabal/MA, 14/3/2018)

– “É a dura realidade do choque de culturas. // Resumindo, mexe com quem tá quieto, mexe!” (FRANCISCO MENDES AGÜERO, Itatiaia/RJ, 14/3/2018)

– “Jamais foram relatados esses pedaços de nossa história nas escolas”. (Celson C. Mattos, 14/3/2018)

–- “Quando vivi em Barra do Corda, um amigo Guajajara disse que a UNESCO estava estudando essa possibilidade. Tem tanta coisa que a história não conta!!! Apenas o conveniente se revela...😥”. (MÅRIPE PACÍFÍCO, Dili, Timor Leste, 15/3/2018)

– “A triste história do massacre que o Maranhão não pode esquecer...” (FERNANDO CUNHA, Imperatriz/MA, 14/3/2018)

– “Estes que morreram serão justificados pela fé.” (CLETO BERTRAND, Imperatriz/MA, 14/3/2018)

– “Ainda criança ouvia minha mãe e os mais velhos contarem essa história. Ou seja, esse massacre. Era de arrepiar ao ouvi-la. Foi marca de uma tragédia, que iniciou com um novo século [1901], lamentavelmente”. (JOSÉ EMIVALDO CARVALHO LIMA, Imperatriz/MA, 14/3/2018)

– “Caro Edmilson Sanches, vivi alguns anos em Barra do Corda/MA, convivi com comunidades indígenas daquela região, especialmente os Guajajara, etnia onde tenho grandes amigos-irmãos (Dilamar Pompeu, José Raimar Pompeu, Raimundo Carlos da Silva Guajajara, Dulcemar Pompeu, Lalakaobama Pompeu, entre tantos outros amigos). Nessa convivência de amizade tive acesso à versão indígena do Massacre, muitos fatos que a história não revela. Espero que este filme-documentário esclareça os reais motivos daquela tragédia anunciada. Quando eu for ao Brasil (*), quero muito ver esse filme!😥” (MÅRIPE PACÍFÍCO, Dili, Timor Leste, 15/3/2018)

– “Lamentável! Ouvi falar bastante sobre esse ocorrido, cheguei a conhecer esse povoado!” (EBENÉZER MACÊDO, Marabá/PA, 15/3/2018)

– “... Cresci ouvindo relatos e lendas sobre o ‘Massacre de Alto Alegre’ contados por minha mãe e beatas que frequentavam nossa casa. Só pude ler um relato mais sólido e saber detalhes do ocorrido através do texto do jornalista Antônio Carlos Lima. Pretendo adquirir livros sobre este fato histórico do nosso estado. Sobre isto, se possível for, gostaria de uma sugestão sua, caro Edmilson Sanches.” (ALBERTO SAMPAIO, Açailândia/MA, 15/3/2018)

– “É uma denominação extremamente incômoda (sobretudo aos índios), a de ‘massacre’, conquanto não seja relativizada a ação dos Tenetehara-Guajajara como um levante diante de todos os abusos cometidos pela missão e pelas autoridades, inclusive no processo de repressão aos índios envolvidos naquele conflito. O ‘massacre’, por outro lado, continua a ocorrer com as populações nativas excluídas e marginalizadas, através de ações, discursos e lugares de memória que consolidaram um silenciamento dos indígenas e sua culpabilização pelo ocorrido. É necessário que haja, urgentemente, mais espaços disponíveis para a circularidade do discurso e imaginário dos Tenetehara-Guajajara acerca desse acontecimento. Inclusive, não fosse essa reação, talvez essa etnia já teria sido exterminada na região do Centro maranhense”. (CARLOS EDUARDO PENHA EVERTON, Barra do Corda/MA, 16/3/2018)

– “Obrigada por mais uma postagem interessante”. (ANTÔNIA CUNHA DE OLIVEIRA, Imperatriz/MA, 16/3/2018)

– “Professora Diquinha me contou essa história. E o que aconteceu com Perpetinha? O índio afilhado a matou ou eles fugiram?” (SUELY MEDEIROS, Barra do Corda/MA, 16/3/2018)

– “Eles fugiram. Meu pai comprou uma fazenda que tem o nome ‘Juçaral do Bomfim’, [onde] até hoje tem árvore com o nome: “Aqui passou a Perpetinha”, pois [ela] sabia escrever. Meu pai disse: ‘Tinha muita árvore com o nome dela”. (SOCORRO BOMFIM, 17/3/2018)

– “Minha mãe sempre me contou essa história. Perpetinha era freira, madrinha de um índio, certo? E que fora morta pelo próprio. Os guajajaras já assassinaram muitas pessoas não indígenas na região de Barra do Corda, por motivos fúteis”. (ELITÂNIA FRANCO, Redenção/PA, 17/3/2018)

–- “Os frades só queriam civilizar os índios, como hoje são civilizados. Tem gente que tá colocando nos comentários que os índios queriam se defender”. (MARCOS DE SOUSA OLIVEIRA SOUSA OLIVEIRA, Grajaú/MA, 17/3/2018)

– “O documentário de Murilo Santos sobre o tema é muito bom. Tem no YouTube”. (Ramssés de Souza Silva, São Luís/MA, 17/3/2018)

– “Isso mesmo, Ramssés. Esse documentário e outros vídeos sobre esse levante estão lá no YouTube: https://www.youtube.com/watch?v=_Ez4to9RWGU . ((EDMILSON SANCHES, Imperatriz – MA, 17/03/2018)

– “Muitas pessoas diziam que os padres pegavam as crianças para civilizar e eram escravizadas para trabalhos pesados. Não sei até onde é verdade”. (CONCEIÇÃO ALVES MOTA, Imperatri/MA, 17/3/2018)

– “O meu avô falava muito dessa história. Ele era de Barra do Corda”. (AGRIPINO MARTINS, Estado do Tocantins, 17/3/2018)

– “Lembro, eu criança, meus pais e pessoas mais velhas comentarem sobre esse dia muito triste. Também tive a oportunidade de ver fotos – ou santinhos, como falamos hoje – dos padres e freiras que morreram. Lembro o nome de uma das freiras que diziam, na época, que tinha sido levada pelos índios: Irmã Perpetinha. Tive também a oportunidade e prazer de conhecer a Igreja, onde tudo aconteceu”. (NAZARÉ PINHEIRO, GrajaúMA, 3/4/2018)

– “Aprendo muito com você”. (MARCOS JOSÉ DE SOUSA, Caxias/MA, 13/3/2020)

– “Uma história que ainda tem muitos reflexos na sociedade indígena de Barra do Corda e Grajaú, muito preconceito ainda”. (FRANCISCO HUDSON FROTA, Imperatriz/MA, 13/3/2020)

– “Morei em Barra do Corda, convivi com as comunidades indígenas de todas as etnias da região, mais ainda o povo Guajajara, onde tenho amigos muito queridos. Os descendentes indígenas vêm lutando para apresentar a sua versão dos fatos, ainda sem sucesso”. (MÅRIPE PACÍFÍCO, Lago da Pedra/MA, 13/3/2020)

– “Salvo engano, as freiras estão enterradas numa igrejinha no Barra do Corda”. (WALMIR LIMA, Imperatriz/MA, 14/3/2020)

– “Walmir Lima. os ossos estão conservados em jazigos de mármore dentro da igreja Matriz, no centro da cidade... e na parede estão retratos de todos eles. Se não me engano, é isso...” (MOHARA VIEIRA, Canaã dos Carajás/PA, 14/3/2020)

–- “Desde pequena ouvia falar desse massacre em Barra do Corda, mas sempre foi um assunto sigiloso, principalmente para as crianças; mas escutei minhas avós contarem história duma moça que foi levada pelos índios no dia desse massacre. Diziam que ela se chamava Perpétua, moça de beleza encantadora, que nunca foi encontrada! // Contam que ela deixava pedaços das suas roupas amarradas nas árvores das florestas do nosso sertão!!” (MARIA ITELVINA RESPLANDES GOMES, Imperatriz/MA, 14/3/2020)

– “Excelente matéria e um exemplo de que a história deve ser contada e recontada para gerações atuais”. (HUMBERTO BARCELOS, Imperatriz/MA, 14/3/2020)

– “Vivi até os 7 anos na pequena comunidade Alto Alegre. De lá tenho doces memórias de uma infância cheia de alegrias, imaginário alimentado pelas fartas histórias...” (LÍLIA DINIZ, Imperatriz/MA, 15/3/2020)

* EDMILSON SANCHES

ILUSTRAÇÕES:

Cartazes anunciando o filme documentário “O Massacre de Alto Alegre” e as obras “Livro de Tombo”, de Frei Aristides Arioli, e “O Massacre de Alto Alegre”, do Padre Bartolameo da Monza. (Da biblioteca de Edmilson Sanches)