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Panteão dos Incomuns*

Todos cometemos nossas loucuras. Quantos de nós conhecemos nossos loucos?

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Um grupo de WhatsApp que reúne a chamada “Velha Guarda” caxiense tornou-se uma verdadeira “Arca de Noé” de nomes de pessoas, de fatos a elas relacionados, de coisas e loisas da vida de cada um ou da vida de cada um e seus conhecidos e da vida de cada um, de seus conhecidos e suas interações com a vida da cidade, da nossa Caxias.

Para mim, então, com olhar de caxiense apaixonado e de jornalista e pesquisador que tanto já descobriu e escreveu sobre pessoas, causas e “coisas” caxienses, aquele grupo (e outros também) é uma mina!...

No dia 15/4/2019, um dos membros da Velha Guarda, o Arnaldo, inicia um assunto que eu já havia debatido na página “Caxienses Mundo Afora”, no Facebook, em 15 de dezembro do ano passado: os loucos de nossa cidade.

Talvez dizer “louco” ou “doido” ou “maluco” já seja, a esta altura dos tempos, “politicamente incorreto”... Até porque, como alguns caxienses se apressaram em desfazer, diversas das figuras que foram citadas não seriam propriamente “loucas”; no máximo, apenas inveterados bebedores de cachaça. Ou "perturbados". Não teriam um parafuso a menos; no máximo, uma porca estaria desatarraxada – ou uma rosca desenroscada, uma junta desjuntada, um pino empenado, um rebite arrebitado...

A Ludce Machado, da direção da Associação da Velha Guarda Caxiense, ao ver tantos nomes de pessoas “incomuns”, gravou, com bom humor, áudio dizendo que ela teria nascido em Caxias, e não no Meduna.

Para quem não se lembra, o Sanatório Meduna foi um dos primeiros hospitais psiquiátricos particulares do Brasil. Funcionava em Teresina (PI), acolhia até 200 pacientes e fechou em maio de 2010, após quase 60 anos de existência – sua construção iniciou-se em 1943, mas a inauguração só ocorreu em 1954. (O nome “Meduna” é o sobrenome do psiquiatra Ladislau Meduna, nascido na Hungria e refugiado nos Estados Unidos, onde, na época da 1ª Guerra Mundial, se naturalizou).

Os registros escritos e em áudio do grupo da Velha Guarda Caxiense no WhatsApp sugerem mais de 40 pessoas “incomuns”, quatro dezenas de “loucos”. Antes de nominá-los, expliquemos o título deste texto (“Panteão dos Incomuns”):

– como se vê em definição no monumental “Dicionário Houaiss”, “panteão”, além de templo dos deuses, significa também o conjunto de figuras públicas, célebres em determinado lugar e que perduram na memória individual ou coletiva (e todos nós temos ou tivemos nossos “doidos” na infância e/ou adolescência, que ainda residem em nossas lembranças);

– “incomuns” são as pessoas que, por qualquer razão ou motivação, causa ou etiologia (psicológica, social etc.) desenvolvem ou adotam comportamentos que não são comuns em relação ao usual das demais pessoas ou conjuntos de pessoas de uma dada sociedade.

De qualquer modo, temos de lembrar que ser diferente é da natureza de todos e de cada um de nós.

Dos 41 nomes listados na conversa do dia 15/4/2019, pelo menos cerca de 15% receberam ressalvas de que não seriam propriamente “loucos”, entre eles: Carlos Bombeiro, Juca Pau de Lata, Maria Poquinho, Miguel Fala Fina (Miguel Arcanjo Rocha), Paulo Bigode no Cu (Paulo Augusto Queiroz Baima Pereira; estudamos juntos o ensino médio no Colégio São José e sempre o vi igual a todos os demais colegas de turma).

Da minha infância e adolescência, lembro-me de que conheci, razoavelmente, o Feijão, o Frota, a Maria Poquinho, o Miguel Fala Fina, o Pedro e o Zé Merda e tenho algumas recordações da Boi Te Come, do Juca Pau de Lata e do Sertão.

Não sou candidato a santo, mas a nenhum desses eu “entiquei”, provoquei, aborreci. Não os detratava e saía correndo. Ao contrário: por exemplo, com o Feijão (cujo nome era Antônio) eu e o Walburg Ribeiro Gonçalves Filho conversávamos, perguntávamos como estava a situação, arriscávamo-nos a dar alguma orientação e, às vezes, dávamos algum dinheiro. Quando a conversa incluía o Walburg (subgerente do Banco do Brasil, meados da década de 1970), ela se dava ali no Senadinho, “point” localizado ali na pracinha onde está o icônico prédio do BB em Caxias.

Eis, em ordem alfabética, do “A” da Arroz Não Deu ao “Z” do Zé Arigó / Zé Dadá / Zé Merda, a lista com o nome pelo qual era conhecido cada um desses personagens incomuns de Caxias:

– Arroz Não Deu, Bianô, Boi Te Come, Bola Sete (B7), Caburé, Cagão, Carlos Barbeiro, Catumbi/Catimbó, Django, Feijão (Antônio Feijão), Freguim, Frota, Gavião, Goiaba, Gobilão, Gogó da Ema, Jabota, João Doido, João Golinha, Juca Pau de Lata, Manga Rosa, Maria Fulô, Maria Poquinho, Maxixe, Mel Com Água, Miguel Fala Fina, Pachola, Paulo Bigode no Cu, Pedro, Porco-Espinho, Raimunda Grude, Rosa Doida, Sertão, Tá Na Hora, Tenente, Tomé, Velha Debaixo da Cama, Volnei Cabeça de FNM, Zé Arigó, Zé Dadá, Zé Merda.

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Precisamos recuperar e (re)escrever a história dessas pessoas excepcionais (sem trocadilho). Fizeram/fazem parte da realidade e da história de Caxias e, como se lê, ainda hoje fazem parte do imaginário de nós caxienses.

De minha parte, lembro-me do Frota, com seus bregueços.

Conversava com o Antônio Feijão; sendo bem tratado, ele não machucava ninguém, mas, se o chamassem de “Ladrão da Romcy”, podia sair da frente e correr – era banda de tijolo e pedrada para todo lado. (A Romcy era a maior rede de lojas do Ceará. Começou a vender carnês de um tal "Plano Romcy da Sorte"... e aceitaram o Antônio Feijão como vendedor... O Feijão talvez gastasse o dinheiro e aí deve ter sido dispensado e passaram a apelidá-lo de “Ladrão da Romcy”. Era tiro e queda; ele passava da calma à fúria em milésimos de segundo).

Como morador, inicialmente, da Palmeirinha e da Galiana, conheci o Pedro, que desenhava bem, ali pelas bandas da Estação Ferroviária (hoje o Instituto Histórico e Geográfico de Caxias, de que sou membro e diretor). Pedro era calado, quieto, e quando ganhava um dinheirinho pelos desenhos que fazia no chão, ia ao mercado comprar comida. Com sua voz mansa, pedia: “Concita, cem de pegado com osso!”). Lembro-me de que, eu criança, pedia ao Pedro para desenhar o mapa do Continente Americano impresso nas antigas embalagens (“carteira”) dos cigarros “Continental”.

Conheci bem a Maria Poquinho (ou Poquinha ou Poquim). Minha mãe – uma dessas “almas boas” que Deus colocou na terra – cuidou do filho dela, o Antônio Poquim, que teria morrido de hanseníase. Na foto do velório dele, em 21 de dezembro de 1967, que aqui se vê, está presente minha mãe, Dona Carlinda (primeira à esquerda, mãozinha no queixo, pensativa). Também, a menininha Fátima, sua irmã Santa (com a mãe, Maria Poquinho, recostada ao ombro) e a menina Mariman – três filhas e a mãe, todas olhando o filho e irmão. Ainda na foto, meu tio Raimundo João Gama Soares (o J. Gama) e o amigo Cacá, morador daPalmeirinha, ambos no final da foto, à direita.

Quem tiver ressalvas, consertos, alterações, sugestões ou mais depoimentos e documentos sobre nossos “loucos”, aceitaria que me enviassem. Pretendo elaborar uma matéria jornalística sobre esses personagens transcendentais que, de algum modo, deixaram marcas eternas em nossas lembranças.

Uma cidade é também seus loucos e nossas loucuras...

Todas as guerras genocidas e os mais monstruosos crimes e os mais nazistas dos preconceitos foram ou são cometidos por “não loucos”, os humanos classificados como “normais”...

Quem disse que somos mais sãos que nossos “loucos”?

* EDMILSON SANCHES