Skip to content

“Vimarense”? “Sambentuense”? “Rondonparaense”? Tá certo isso?*

Tempos atrás, passei dois dias em Guimarães (MA), junto com pessoas de diversos países, brasileiros de diversos Estados e conterrâneos de diversos municípios maranhenses. Participávamos do “Projeto Gonçalves Dias 190 Anos”, uma iniciativa do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão, em conjunto com a Federação das Academias de Letras do Maranhão e a Sociedade de Cultura Latina, do Brasil e do Maranhão, além do apoio e participação da Academia Caxiense de Letras, Universidade Federal do Maranhão, Universidade Estadual do Maranhão, prefeituras de Caxias e Guimarães, Câmara de Dirigentes Lojistas de Caxias e outros. O Projeto comemorou os 190 anos de nascimento do poeta Antônio Gonçalves Dias, ocorrido em Caxias (MA), em 10 de agosto de 1823.

Fui perguntado sobre o adjetivo gentílico que se lia aqui e acolá na cidade de Guimarães: “vimarense”. Respondi que era uma forma paralela, reduzida – por síncope – do adjetivo “vimaranense”, este que veio junto com o nome “Guimarães” de Portugal. Também há o gentílico “guimarantino”.

“Mas tá certo isso?” – insistiu meu interlocutor. A insistência permitiu-me lembrar de alguns casos de formação “espontânea”, “popular”, de adjetivos para designar aquele que nasce em, que habita em ou que é natural de um determinado lugar.

Uma das primeiras formas – que testemunhei – de desenvolvimento “espontâneo” de um adjetivo para qualificar o morador de um município foi o termo “rondonparaense” [“sic”], com que a maioria dos filhos ou habitantes de Rondon do Pará (PA) querem ser (re)conhecidos. Até onde fiquei sabendo, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), órgão oficial do governo federal, nem tomou conhecimento dessa opção e frequência vocabular. Ele dá, para o município paraense, o gentílico “rondonense”. (Não confundir com “rondoniense” – com a vogal “i” após a consonantal “n” –, que se refere a um distrito de Porto Velho (RO) e ao Estado, ambos nominados “Rondônia”.

Prefeitura de São Bento (MA)

Outro caso é “sambentuense”, adjetivo para os nascidos e para os moradores de São Bento (MA). Até a Academia de Letras do município, do alto de seus quase 18 anos de existência, se assina “sambentuense” [“sic”] e registra, em escritas, notícias, “são-bentuense”. O IBGE dá “são-bentoense”, que, apesar da proximidade de pronúncia com "são-bentuense" e “sambentuense”, guarda mais aproximação com o padrão do idioma na formação de adjetivos gentílicos. O que se estranha, no caso do adjetivo do município maranhense, é este adjetivo não ser o mesmo para, pelo menos, outras seis cidades brasileiras também chamadas “São Bento”. Pernambuco, Santa Catarina, Rio Grande do Norte e Paraíba têm cidades chamadas “São Bento”; entretanto, o adjetivo para elas é “são-bentense”. Para confundir ainda mais, a uma cidade de São Bento em Minas Gerais deu-se o gentílico “são-bentista”!...

Creio que o IBGE e a Academia Brasileira de Letras deveriam se juntar e traçar algumas regras mais uniformes ou mais claras para o caso específico de formação de adjetivos gentílicos. Claro que nessas regras haveria espaço para a tradição, o uso e costume popular, ainda que estes destoassem do que seria o óbvio gramatical, a norma culta, a gramática normativa, a regra padrão, o sistema linguístico etc. etc. Caso, por exemplo, do topônimo “Bahia”, que preserva grafia histórica e tradicional, embora retorne à grafia padrão quando da formação do adjetivo gentílico: “baiano” – sem o “h”, evidentemente.

Tenho para mim que, se a população de Guimarães usa intensiva e resolutamente o adjetivo “vimarense”, caberia uma formalização mínima. Sei que não se criam palavras por decreto, nem por este se impõe um uso ou costume, mas poderia a Câmara Municipal (ou a prefeitura ou a população, por indicação) iniciar uma lei que, em sua justificativa, dissesse que, em razão do uso massificado da forma contraída “vimarense”, com que se autodesignam os habitantes de Guimarães, fica adotada a forma paralela “vimarense” como opcional para o próprio qualificativo gentílico, além das formas históricas “vimaranense” e “guimarantino”. Pronto! Simples assim. Após a sanção ou promulgação da lei, a Municipalidade enviaria uma cópia do documento para o IBGE (no Rio de Janeiro), para que esse órgão federal incluísse nos seus registros o adjetivo nascido da própria fala e da própria vontade e da própria prática dos filhos de Guimarães.

Lembre-se de que “vimarense” é forma contrata de “vimaranense”. “Vimaranense” é adjetivo derivado de “Vimaranes”, nome que vem de Vimara Peres, o fidalgo da Galícia (comunidade autônoma da Espanha; sua capital é a célebre Santiago de Compostela) que, no século IX, fundou uma localidade a que, em homenagem ao fundador, foi dado o nome de “Vimaranis”, depois chamada, por evolução fonética, “Guimaranis” e, por fim, “Guimarães”, considerada a cidade-berço de Portugal. O nome “Vimara”, por sua vez, tem origem em “Vigmarr”, que significa, em antiga língua germânica, “famoso na batalha” (“vig” = “batalha”; e “marr” = “famoso”).

Sou da opinião de que os adjetivos “rondonparaense”, “sambentuense” e “vimarense” têm uso corrente e cada um deles, em sua respectiva comunidade, tornou-se a opção majoritária. Se isso ainda não ocorreu, os tempos vindouros confirmarão a preferência.

A questão de fixação ortográfica e gramatical seria o passo seguinte. Para a adoção formal dos adjetivos de origem popular, pequenas concessões devem ser feitas e cobradas. Por exemplo, São Bento admitiria as formas “são-bentoense” e “sambentoense” (sem “u”) e Rondon do Pará conviveria com “rondonense” e “rondon-paraense” (com hífen).

Parece-me que a índole da Língua Portuguesa e o amparo etimológico se mantêm nesses designativos.

O povo sabe. O povo tá certo. O povo merece.

* EDMILSON SANCHES