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LITERATURA MARANHENSE: Que caminhos levam até você?*

O BLOG DO PAUTAR continua publicando textos literários de escritores maranhenses. Todas as quartas-feiras, o projeto LITERATURA MARANHENSE apresenta um “cardápio” para você... Aproveite... Boa leitura!

(Prefácio ao livro “O CAMINHO DAS ESTRELAS – Mistérios, Aventuras e Aprendizados no Caminho de Santiago de Compostela” [Editora Viseu], de Luiz Vieira)

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O Caminho de Santiago como nunca antes visto e escrito. A partir da França, aos pés dos Pireneus, a rota mais desafiadora, os encontros mais improváveis.

Um homem e suas dúvidas. As aflições. Os momentos em que realidade e sobrenatural se confundem. Reflexões e lições. Amor, dor e esperança no diálogo com outros peregrinos. No fim da terra, o fim das angústias e o melhor encontro: consigo mesmo.

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Este livro vai revelar a você dois caminhos: um que leva a Santiago de Compostela; o outro, que conduz ao coração de um homem.

Todo ser humano que sai à procura de alguma coisa já a carrega dentro de si. Por isso que uma busca não é uma busca – é uma revelação. Como aconteceu a Cristo, que muito pregou – mas só após a cruz fez a ascensão. Ou com Buda, que tanto caminhou – mas sentado é que chegou à iluminação.

A imagem da busca é a de alguém que segue um caminho. A realidade da busca é a de um caminho que prossegue em alguém.

Mas os caminhos – de chão, de pedra..., existentes ou a se criarem – são necessários. Pois o que eles são, feitos em terra, e como eles estão, delineados em nossa mente, contribuem fortemente para sensibilizar, energizar e motivar o ser para a jornada.

Os bons caminhos raramente são fáceis. No percurso deles, há sempre obstáculos – geralmente muitos, frequentemente grandes. O das Índias, tinha o Atlântico. O de Ícaro, o Sol. O de Drummond, a pedra.

O caminho de Vieira – o Luiz, professor, não o Antônio, padre – tinha tudo isso e muito mais. Para Luiz Vieira, autor deste “O Caminho das Estrelas”, o problema não era o oceano (que ele venceu de avião), nem o sol (que chapéu e protetor anteparavam) ou a multidão de pedras (de que se desviava). O problema eram os “outros” problemas: o desconhecido, a inexperiência, o(s) idioma(s), os costumes e até o antinatural, quando não o sobrenatural... Sem falar nas ansiedades, nas angústias, nas inquietações, no autoquestionamento (tipo “O que é que eu estou fazendo aqui?”). E o que dizer dos sonhos e pesadelos e das estranhas situações ou sensações de irrealidades e pararrealidades, quando não se sabe se se está desperto ou se se delira, quando não se sabe se pessoas e animais, ambientes e cenários são coisas reais dentro de um sonho ou se são fantasias e fantasmas dentro de uma realidade...

“Nenhum homem é feliz sem um delírio de algum tipo. Os delírios são tão necessários para a nossa felicidade quanto a realidade”, reconhecia Christian Nestell Bovee, escritor americano. Não creio que Luiz Vieira delirava quando, após ler um livro sobre o Caminho de Santiago, prometeu-se a si mesmo percorrê-lo – e, agora, muda da condição de leitor para a de autor de uma obra compostelana.

Vieira – ele mesmo escreve – queria aventura. Outros fazem o Caminho pela História, pela Cultura, pela Mística, razões bem mais humanistas do que as humanas esperanças e o pagamento de promessas ligadas a dinheiro e poder, saúde e prazer; e bem mais pias que as caridosas – e caras – indulgências com que, desde o século III “et multa saecula”, pecadores ganhavam oportunidade de reparar os males advindos de seus pecados para, lá adiante, limpar a própria alma e ganhar um terrenozinho no bem loteado Céu daqueles idos...

Se era aventura o que inicialmente desejava Luiz Vieira, ele recebeu muito mais. Parte desses ganhos ele guarda consigo; outra parte, e não é pouco, ele a divide aqui com os leitores. Divide sua ansiedade inicial, feliz, e os iniciais “tropeços” de primeira viagem, porém firme no propósito, empedernido igual a “burro xucro”.

O livro conduz o leitor a vivenciar o Caminho a partir do frio de zero grau nas montanhas franco-espanholas; a caminhar toda a Zubire, uma cidade de só duas ruas; a ver/ouvir o burburinho da trimilenária Pamplona.

Mais adiante, ficamos sabendo da pessoa do autor e da pessoa de outras pessoas. Do autor, seus sonhos e sofrimentos; de outros, saberemos de “Seu” Franco e sua sabedoria franca, seu sorriso franco. Saberemos de “Seu” Paulo, fadiga e fome, pão e palavras.

À medida que caminha, Luiz Vieira nos encaminha, empresta-nos seus olhos, entreabre a mente, apresenta-nos de mais de perto quem ele viu, conheceu, conversou pelo Caminho: por exemplo, nos deixa saber, em Torres del Rio, de uma bruxa no quarto; da dor e redenção nas histórias de Maria, 80 anos; de uma neoamiga neozelandesa.

Em Azofra, apresenta-nos melancolia, desânimo... e Papai Noel. Mostra-nos os pés muito feridos e relata uma cura inesperada. O encontro com um espanhol bom de prosa. A catedral de Burgos, onde Luiz concorda com a beleza da igreja mas, cabreiro, discorda do “pay to pray” (pagar para rezar).

À medida que caminha, o autor mais nos encaminha. Quando seus olhos perscrutam o Caminho, eles nos dizem de natureza e vastidão, beleza e solidão. Quando passa por lugares e se assenta em restaurantes e bares, quando faz pouso em beliche coletivo ou repouso em cama individual, quando se abanca em bancos de praças e ruas... de tudo isso dá conta o olhar vieirano.

Mas o radar humano do autor gosta mesmo é de emitir ondas emocionais, permeáveis às cargas de energia e sensibilidade emanadas de gente. É como se Luiz Vieira fizesse coro Públio Terêncio Afro, poeta e dramaturgo da Roma de 22 séculos atrás: “Sou humano, e nada do que é humano me é estranho...”

E é nas histórias humanas que o autor vai (se) desentranhando e “desestranhando”. Luiz Vieira se junta a outro ser para com ele sentir e para dele saber. E para nos contar colorida e doloridamente da história de Lorenzo, em León, onde o autor vivenciou a mendicância e por horas, entre uma esmola e outra, ouviu relatos de uma vítima de crises econômicas além-Atlântico, crises que teimam em tornar coletivas as dores que são vividas individualmente, cotidianamente.

Outros relatos levam a experiências com personagens misteriosos (que nem a enigmática Ana, com seus exercícios e lições) e até o que não é “persona”, como o estranho cão no caminho de Palas de Rei.

Particularmente sensível à beleza, Luiz Vieira se deixa levar e enlevar pelo que lhe entra pelas vistas como imagens e lhe sai pelos dedos em palavras: a simplicidade do quarto e catre onde ele dormiu e onde o santo de Assis pode ter estado; o castelo de Gaudí, de 120 anos; a tradição do ritual da queimada; e o alumbramento com a “imponência” da catedral de Santiago de Compostela, onde abraços se deram e lágrimas se derramaram ao som de hinos e cheiro de incenso.

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Este livro nos leva, literalmente, ao fim do mundo – como o acreditavam os viventes do século XV, tanto que deram o nome de Finisterra (“fim da terra”) a um lugar para além de Compostela. O autor foi até lá, e nos levou a esse fim – que ele não é de deixar nada pelo meio do caminho...

Há muito se sabe que nem todo caminho leva a Roma. Diversos levam a Jerusalém, e alguns poucos verdadeiramente levam à maior das distâncias e ao mais desconhecido dos destinos: o interior de si mesmo.

A partir de um caminho exterior, Luiz Vieira fez sua jornada mais íntima. E chegou à Galícia, a Compostela, por uma das rotas mais desafiadoras, oitocentos quilômetros a pé, começando na França, nas faldas da cordilheira dos gelados Pireneus.

Não são muitos os caminhos que levam a Santiago de Compostela.

O mais novo deles é este livro.

Mais novo – e melhor.

Deixe-se levar...

* EDMILSON SANCHES