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Somos água, somos rios*

Edmilson Sanches e o Rio Sena (dia), em Paris

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– “Eu sou a fonte da água viva! Quem beber desta água que eu dou, nunca mais terá sede, tornar-se-á nele uma fonte de água jorrando para a vida eterna” (Bíblia, João 4,10.14).

– “Se alguém tem sede, venha a mim e beba. Quem crê em mim, de seu seio jorrarão rios de água viva” (Bíblia, João 7,38).

DA CHINA PARA IMPERATRIZ – Um dia meu amigo Josué Bezerra (Josh Bez), irmão de ideias e ideais, que tanto me puxa a orelha para eu sair de Imperatriz e mudar-me para outros mundos, um dia ele – internacional que é, pós-doutor, morando nos estrangeiros, imperatrizense cidadão de três países –, um dia ele mandou-me uma carta da China, onde dava uma palestra. Uma foto tipo cartão-postal, com Josué olhando o Rio Amarelo, trazia no verso algo como: "Sanches: Saudades do rio Tocantins". Só isso... mas quanto dizem essas poucas palavras!...

BERÇO – As cidades, vale dizer, as civilizações têm nos rios o berço líquido e certo de suas histórias. O Rio Amarelo (a cor vem de lodo e partículas de areia fina, em suspensão) é o rio por onde a China começou. O segundo maior da China, duas vezes maior que o nosso Tocantins, o Amarelo irriga terras, aduba pastos, tem e transporta minerais.

PIA BATISMAL – Imperatriz também tem em um rio sua pia batismal. Pelas águas caudalosas e, à época, piscosas, a canoa de frei Procópio deu início à cidade iniciada por mãos sagradas e manchada por mãos sangradas. O Tocantins é cidadão de vários Estados, tem fonte goiana e foz paraense. No percurso, banha, leva, lava, limpa outros quatro – Mato Grosso, Tocantins, Maranhão e Distrito Federal.

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MUITOS RIOS – Rios existem muitos -- tanto quanto nossa ignorância em destratá-los... Aprendi – aprendemos – na infância sobre o Amazonas, os históricos Tigre e Eufrates, o Nilo berço de civilizações, o Mississipi que se espalha e se espraia por quase metade do território norte-americano, os sagrados Jordão, Ganges e Indo; e, ainda, o Congo, o Volga, o Azul, o Danúbio – igualmente azul –, inspirador de valsa, o Yukon, o Orinoco também (de)cantado; e mais o Senegal, o Reno, o Tejo, o Douro, o Elba, o Níger, o Mekong, o Tibre, o Tâmisa... e o Sena, visto nas fotos, passando pela capital francesa, à noite e de dia.

ONDE CORREM OS RIOS – São rios que passaram e se depositaram na vida humana. Cada pessoa carrega, em seus 65% de água de que é formado o corpo, milhões de átomos do óxido de hidrogênio (H2O) dos nossos rios de todo o mundo. Os rios correm em nós...

LÍQUIDO – Somos água, somos rios. Somos líquidos – e, como água, também nos transformamos em pedras, também viramos vapor e, quintessencialmente, nos tornamos éter.

INCOLOR – Somos água, somos rios. Somos incolores – e, por isso, como prismas, nos decompomos em muitas cores multicores.

INODORO – Somos água, somos rios. Somos inodoros – e, por isso, com glândulas e como frascos, produzimos, retemos e espalhamos odores, aromas, perfumes.

INSÍPIDO – Somos água, somos rios. Somos insípidos – e, ainda assim, nada como nós, a partir do jardim edênico, deu tantos sabores – e dissabores... – ao mundo que nos foi dado.

Edmilson Sanches e o Rio Sena (noite), em Paris

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SOMOS ÁGUA – Nossa história reflete nosso ser: somos água. Na ciência, antes de sermos terrestres, fomos aquáticos. Na gestação, idem: nove meses submerso no líquido amniótico materno. Na religião, procedemos do sopro cálido, cálido e úmido, do Criador.

HERANÇA – Os rios somos nós. Deles herdamos a sinuosidade e a adaptação. A limitação das margens e a rebeldia das inundações.

DOCE E SALGADO – Somos água – doce na umidade do beijo; salina na lacrimação do choro.

Somos água.

* EDMILSON SANCHES