Skip to content

O abandono da musa*

Com a voz enrouquecida de implorar o verso,
sinto que a Musa de há muito já me fez disperso.

Nas noites mouras ninguém me dá caso e ouve,
e não há por esta Pátria vivalma que me louve.

Deporei também o meu triste e desafinado canto,
porque me faltam engenho e arte para tanto.

Aquele outro poeta, com a deusa em terna avença,
entra solene no épico, e por pouquíssima tença,

de dez cantos e cento e quarenta e cinco estâncias,
pede que o sirvam, por seu gênio e grã constância,

já com ela prostrada a seus pés, torpe e avassalada,
o canto que abandonou Camões na Lira Destemperada!

* Fernando Braga, “Poemas do tempo comum”, São Luís, 2009.