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LITERATURA MARANHENSE: “Esperantinópolis – História e Desenvolvimento”*

Com o objetivo de despertar o interesse pela leitura de textos e, principalmente, conhecer a produção de escritores maranhenses, o projeto LITERATURA MARANHENSE está abrindo espaço no BLOG DO PAUTAR... Aproveite... Boa leitura!

PREFÁCIO

(Ao livro “Esperantinópolis – História e Desenvolvimento: Minha Cidade, Meu Legado”, da professora Clara Lopes Jovita, a ser lançado em outubro, em Esperantinópolis/MA)

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“Todo mundo canta sua terra
Eu também vou cantar a minha
Modéstia à parte seu moço
Minha terra é uma belezinha”.

(João do Vale / Julinho do Acordeon, “Todos Cantam Sua Terra”)

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São muitas as formas de expressar a saudade da terra natal, o amor pelo lugar de origem.

Em uma de suas formas mais complexas, esse sentimento se revela no banzo, um processo psicológico que se instalava e se desenvolvia nos africanos retirados à força da própria terra e levados como escravos para longes lugares d’além-mares.

Muitos dos que sobreviviam às semanas de cruel tratamento e solavancos oceânicos, quando em terra se iam sendo possuídos de tantos penares e decaíres, tantos pesares e ruíres, tantos pensares e sentires que então tanto corpo quanto mente quanto alma se amalgamavam até chegar a um estado que crescia da irritação à exasperação, à destruição, à prostração pela mais profunda das nostalgias por sua mãe África, pela mais desanimadora, triste e abatedora das melancolias pela vida livre que tinham e não mais poderiam ter – e tudo isso, como um manto de chumbo, lhes pesava e os levava à falta de energia moral e física, ao abatimento, ao desânimo, à inanição, à indiferença, ao desinteresse pela vida.

Loucura, suicídio, morte – eram o resultado, ou a realização de um desejo, daquilo que a alma sentia pelo que lhe fizeram a ela...

Saudade – sabe-se – também mata...

Horácio (65 a.C.-8 a.C.), um dos maiores poetas e filósofos da Roma antiga, dirigindo-se ao amigo Virgílio, já indagava em suas odes acerca dos deslimites e despudores que a saudade de ambos poderiam ter ante a perda de outro amigo. O italiano Dante (1265-1321), em seu “Inferno”, já versejava sobre a “maior dor”: a de lembrar, nos maus momentos, “a hora feliz”. Camões (1524-1580) lamentava que, mesmo que voltassem os bons tempos, não voltariam “as idades” para curti-los (como se diria, na linguagem de agora). Shakespeare (1564-1616), o grande, o maior poeta e dramaturgo inglês, soneteava convocando as lembranças do passado e “sentindo a ausência” do que amou. Camilo Castelo Branco (1825-1890) queria para sempre, no coração, “os belos quadros da florida idade”.

Saudades, lembranças, nostalgia, praticamente todos as temos ou tivemos. E, sobre a terra de cada um de nós, a forma de expressar esse sentimento é inesgotável. Pintores pintaram, nos limites da tela, a terra natal – o catalão Joan Miró, o holandês Vincent Van Gogh, o espanhol Pablo Picasso (como nas pinturas do chamado período de azul e verde), o brasileiro Cândido Portinari (“Nenhum pintor pintou mais um país do que Portinari pintou o seu...”, disse o pintor, escritor, crítico de arte e professor universitário mineiro Israel Pedrosa, 1926-2016). Os pintores sempre entintam seus quadros de seus chãos...

Músicos compõem, cantam, interpretam sua terra... A canção é uma das formas mais completas para se extravasar as emoções que inundam coração e mente apaixonados também pelo torrão natal. Seja música sacra, erudita, clássica, folclórica, popular, não há estilo, gênero, não há limite, divisa, fronteira para a música como comunicadora, partilhadora de saudades telúricas e ufanismos pátrios.

Se os “Concertos de Brandenburgo”, de Bach, se referem ao sobrenome do colecionador que os encomendou em 1721, não há como, ao menos nominalmente, não os associar ao Portão e ao Estado de Brandenburgo e à Alemanha, já que Brandenburgo circunda completamente Berlim, a capital alemã, como o Estado de Goiás envolve a capital do Brasil. E, no Brasil, canta-se ou lembra-se o país tanto com a música clássica de Villa-Lobos que destaca a Amazônia com sua música orquestral (“Amazonas”, de 1917), piano (“Saudades das Selvas Brasileiras”, de 1927), vocal (“A Floresta do Amazonas”, de 1958, e o “Poema de Itabira”, de 1942) quanto com o romântico Roberto Carlos cantando sua Cachoeiro do Itapemirim. Agnaldo Timóteo, com “Os Verdes Campos de Minha Terra”, recantou “Green Green Grass of Home”, a clássica canção “country” de Claude Curly Putnam Jr., composta em 1965 e gravada e regravada por muitos e muitos nomes da música americana e europeia – Tom Jones, que fez muito sucesso com ela, embora morando nos Estados Unidos, nasceu no País de Gales (Europa). Julio Iglesias fez sucesso com “Un Canto a Galicia” (“[...] um canto à Galícia, terra de meu pai, minha terra mãe [...]”). O sanfoneiro Severino Januário compôs e cantou “Saudades de Montalvânia”, cidade mineira. Jussara Silveira, a mineira-baiana, que canta fado sem enfado, promete, em “Voltarei à Minha Terra”, de Armandinho e Tiago Torres da Silva: “Voltarei à minha terra / Quando já estiver cansada / Do destino que me leva / A andar de estrada em estrada”.

E nem se fale da música que abre este prefácio. Composta pelo maranhense João do Vale e o acordeonista e maestro cearense João Aguiar Sampaio, o Julinho do Acordeon, falecido em 2008, “Todos Cantam Sua Terra” tem gravação de 1960, com o potiguar Aldair Soares, e com a maranhense Alcione Nazareth, cantora, compositora e instrumentista, que, além de agregar a sua maranhensidade, deu a voz mais conhecida à música, gravada no disco “Alerta Geral”, de 1978. Registre-se que, como todos cantam a própria terra, os dois primeiros versos da canção de João do Vale e Julinho – “Todo mundo canta sua terra / Eu também vou cantar a minha” – recantam e praticamente repetem, exatos cem anos depois, os versos iniciais do poema “Minha Terra”, do poeta carioca Casimiro de Abreu: “Todos cantam sua terra, / Também vou cantar a minha”. Casimiro, por sua vez, escreveu esse poema inspirado na “Canção do Exílio”, do grande poeta maranhense de Caxias, Antônio Gonçalves Dias, que dá a epígrafe ao poema casimiriano, publicado em 1859, na obra “As Primaveras”. Conhecido por fazer poemas sobre lembranças da casa dos pais e de saudade de sua terra, Casimiro José Marques de Abreu viveu apenas 21 anos, de 1839 a 1860.

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Esse apanhado, quase aleatório, de referências sobre a permanência da terra natal naqueles que saem dela, reforça que Clara Lopes Jovita, com “Esperantinópolis – História e Desenvolvimento: Minha Cidade, Meu Legado”, traz mais um atestado de compromisso de um ser com o solo que o viu nascer e crescer, sem deixar de a ele pertencer, mesmo quando, no caso de Clara, a terra não a podia ter todo dia.

De sua terra, Clara Jovita, sim, trouxe saudades mas nenhuma culpa por ter se “aventurado”, franzina e sozinha, por outras terras. Muito ao contrário, a saudade alimentava o amor – e o orgulho – pela própria terra. E aqui e acolá se reforçavam os laços de filiação, seja presencialmente, pelas viagens, seja à distância, pelos contatos com familiares e amigos.

Com este livro, guardadas as proporções, Clara Lopes Jovita materializa seu desejo de legar para Esperantinópolis um trabalho específico, todo voltado para os aspectos que, de regra, são os mais presentes na existência de uma comunidade: a História, que tem a ver com o passado até ontem, e o Desenvolvimento, que é o próprio povo em movimento, no aqui e agora, presente e futuro sendo construídos, ambos deixando, como rastro, o passado.

Os esperantinopenses (ou esperantinopolenses) podem ficar certos de que um livro – este livro – estará presente até mesmo quando muita coisa, e muita gente, não estiver. É a sina ou destino dos livros: embora aparentemente frágeis, resistem ao tempo, como se fossem diamantes cristalizados, endurecidos à base de celulose e tinta.

Quando muitos não puderem ser, o livro – este livro – o será. Será a testemunha de um recorte de tempo absolutamente único, que reúne a singularidade de tornar-se a conexão entre algumas décadas, dois séculos e três milênios. Realmente, é um tempo deveras rico em simbolismo e História.

E neste tempo, embora carregando mais de três gerações e meia nos couros, Clara Lopes Jovita, olhando para o futuro, não se furta como ente presente.

“Esperantinópolis – História e Desenvolvimento: Minha Cidade, Meu Legado” convida estudantes, professores, jornalistas, pesquisadores, políticos, investidores e todos em geral para que, com calma, como deve ser a ingesta de alimentos para a alma e a mente, folheiem e leiam as palavras e os números, vejam as imagens e sintam, a partir disso, que a cidade, o município, ficou um pouquinho mais conhecido de cada um.

O papa João Paulo II, em um momento de angústia, disse que não se devem arrancar as raízes de onde viemos.

De quantas maneiras pode-se homenagear a terra natal? De muitas. Uma delas é ser boa pessoa, honesta e trabalhadora. A outra, é fazer o bem para outros. E uma terceira, entre tantas maneiras, como a aprofundar – e não arrancar – as próprias raízes, é lançar um livro sobre sua cidade.

Professora, religiosa, devotada aos seus alunos, dedicada a ações caritativas que não divulga, Clara Lopes Jovita vem, há muito, homenageando sua cidade sem esta o saber.

Como se fosse aquela montanha de gelo (o “iceberg”), que só deixa ver a pontinha e não mostra o tamanhão que existe abaixo, o trabalho, a espiritualidade e as ações voluntárias de Clara Jovita são, na verdade, senão a grande herança, o maior exemplo que pais, família e uma cidade deveriam esperar dessa filha, irmã e cidadã.

O legado, agora se sabe, não é só este livro.

O legado também é sua autora.

Na memória, para os seus.

E na História... para sempre.

* EDMILSON SANCHES