Tinha nele um amigo. E a cidade nele um jornalista dentro das suas limitações. A gente pobre, humilde, desesperada, encontrava nele um defensor.
Muitos anos na área oposicionista. Esteve com Neiva Moreira em todas as crises políticas desta nossa “política de aldeia”. Era uma inteligência viva. Um espírito inquieto.
Sabia resistir. Sabia ser corajoso. Enfrentava qualquer situação. Um corpo magro, uma alma liberta. Um espírito lúcido. Fez-se jornalista dentro da oficina do “Jornal do Povo”. Primeiro, as notas policiais. Depois, a notícia. Depois, estreou na reportagem. Cresceu na sua especialização. Sentia-se que lhe faltava o adubo fertilizante.
Com ele, talvez, a “pintura das primeiras letras”. Talvez, tivesse cursado o primário. Nunca lhe perguntei nada sobre isto. Sabia-o inteligente. Uma vontade firme para realizar, para fazer qualquer coisa, para sair do anonimato, sair da noite, da noite escura. E saiu. Venceu as primeiras dificuldades. Estava na Imprensa. No jornalismo. Estava na luta oposicionista. Uma vida útil.
Com ele, sempre a disposição de enfrentar a fúria, o ódio dos maus governos, dos péssimos administradores. Muito tempo vivendo assim. Ganhando um vencimento fome. Mas estava vivendo. Vivia a sua vida. Ia suportando o máximo.
Brigou com muita gente. Insultou muitos políticos. Despiu muitas “virtudes”, desmascarou muitos tabus. Trazia, nos seus informativos, a caricatura moral de muita gente de BEM. “Gente da elite”, como ele me dizia.
Estava em dia com os acontecimentos políticos do Maranhão. Estava em dia com os fatos mais escabrosos, afirmava-me ele, “da sociedade maranhense”. Conhecia “o podre de muitos políticos”. Esteve na oposição todo um tempo, o melhor tempo da sua vida. Passou fome. Às vezes, não tinha onde dormir. Dormia na polícia. Dormia na noite.
Havia nele um pouco de boêmio. Uma vibração de sentir a vida a sua maneira. Tinha defeitos? Não. Tinha virtudes. Tinha a grandeza de ser BOM, de ser Amigo. De defender os interesses do povo.
Trabalhou em todos os jornais de oposição da terra. Fazia a oferta da sua colaboração. E, já por último, anunciara a publicação de um livro. Um livro que ele vinha escrevendo sobre aspectos da vida social da cidade, o lado ruim da cidade. Registro de observações suas. Um livro dele. Seus amigos esperavam este livro. Um ensaio talvez. Seria a marca da sua vida na imprensa. Seria a sua presença na vida intelectual da cidade.
E ele estava na vida. Pensava assim. Mas ele estava hospitalizado. Estava num leito da Santa Casa de Misericórdia. “Uma doença pertinaz” acabou por afastá-lo da vida. No sábado, Ilmar Furtado deixou de existir para a Vida, para a cidade, para a sua terra natal.
Seu coração parou. Seus olhos se fecharam para sempre. Eu não sabia de Ilmar doente. De Ilmar morrendo. De Ilmar na Dor e no Sofrimento. Não. Não o vi um só instante. Domingo, uma notícia do “Jornal do Dia”, jogada na quarta página, em destaque, dava-me a notícia da morte de Ilmar Furtado. Só li uma vez. Meu pensamento foi para ele. Ele na Vida, ele no último encontro, ali na Rua Joaquim Távora. Estivemos juntos alguns instantes. Conversamos e ele se foi.
Ali, sem que eu sentisse, Ilmar Furtado se despedia de mim. Ali, com ele, sem que ele soubesse, a “vigília da morte”. Ela na ronda da vida do jornalista Ilmar Furtado. Sim, foi isto. Faltava a desculpa, e esta veio, a doença! Uma pertinaz doença... e um coração deixa de bater, uma vida sai da Vida. Um amigo se ausenta para não mais ser encontrado. Só a notícia: morreu. Morreu... estava doente. Só isto. Sempre isto assim.
Mas, seu Ilmar Furtado, eu estou aqui sentindo a sua ausência. E esta ausência tem um nome: SAUDADE. E, até logo, Ilmar.
* Paulo Nascimento Moraes. “A Volta do Boêmio” (inédito) – “Jornal do Dia”, 8 de novembro de 1966 (terça-feira).