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A Independência do Brasil está marcada pela complexidade dos atores políticos como dom Pedro I e Maria Leopoldina. “O que mais me atrai nessas histórias são esses personagens envolvidos nesse processo da Independência. Poderia ter acontecido tudo ali”, confessa Paulo Rezzutti, escritor de biografias do período colonial.

Pedro chegou criança (7 anos de idade) à nova terra. “Depois de 12 anos no país, ele já era mais brasileiro do que português”, diz Rezzutti. A esposa, Maria Leopoldina (da Áustria), chegou ao Brasil em 1817 e foi só então que conheceu o marido (em um casamento acordado por procuração). Ela, aliás, revelou-se uma articuladora hábil e se liga a movimentos autonomistas, que desejavam que a situação permanecesse como estava. Uma personagem determinante para a mudança da rota da história.

“A situação se acirra. Se por um lado, Pedro está preocupado com os acontecimentos em Portugal, Leopoldina estava ligada à manutenção do trono no Brasil. Pedro considerava ficar desde que pudesse nomear os próprios ministros. Isso acontece no dia 9 de janeiro de 1822, o Dia do Fico”, conta o biógrafo, que já escreveu livros sobre dom Pedro I, Leopoldina, Marquesa de Santos, dom Pedro II, entre outros.

A decisão de dom Pedro I ficar no Brasil cai como uma bomba em Portugal. “As Cortes revogam tudo o que dom Pedro faz. Mas o navio com essa comunicação só chega em 28 agosto de 1822”, explica Rezzutti.

Depois de tanto tempo, as ordens de Lisboa determinavam ainda que Pedro e família deviam voltar para a metrópole imediatamente, e os auxiliares, como José Bonifácio e Clemente Pereira, que participaram do aconselhamento deviam ser demitidos, presos e levados para Lisboa. A reação no Brasil desencadeia uma sucessão de acontecimentos com as características da velocidade da época. “Até reunir o conselho de ministros, foi 2 de setembro. Os auxiliares levam a dom Pedro I a ideia de declarar a independência. José Bonifácio manda oficial de chancelaria encontrar dom Pedro urgentemente. Isso acontece em 7 de Setembro, no Ipiranga, em São Paulo. Até Portugal saber o que estava acontecendo, também demora”, destaca Rezzutti.

Leopoldina, a articuladora

Um detalhe ressaltado pelo biógrafo de Maria Leopoldina é que ela tem participação determinante no conselho de ministros em relação à declaração formal da Independência. “Ela era articuladora hábil. Tinha conhecimento de política e funcionou como uma mediadora importante nos bastidores do palácio para encontrar uma solução adequada”.

Após a independência, a situação continuou efervescente. A professora de história da Universidade de Brasília (UnB) Teresa Marques destaca que a decisão pela independência também não era consensual. “De fato, existem protestos no Nordeste do país que se levantam contra a Corte. Em Pernambuco, em 1817 e em 1824, há manifestações contra a Constituição imposta”.

Ela explica que a forma de lidar com as províncias era conturbada. “As pessoas comuns não entendiam direito o que estava acontecendo. Nem sempre dom Pedro se aconselhava com mentes mais moderadas. Quem dera ele ouvisse mais a esposa”.

As províncias reagiram a ter que obedecer ao Rio de Janeiro e não mais a Portugal. Pelo caminho da diplomacia, a independência só foi reconhecida pela Europa em 1825 mediante o pagamento de duas milhões de libras esterlinas para Portugal.

Independência x Brasilidade

O conceito de brasilidade acontece em não menos do que duas décadas depois, segundo os pesquisadores entrevistados. Teresa Marques destaca o papel da imprensa que, a par das dificuldades de dar conta de explicar o tempo presente, traz discussões relevantes para os jornais.

Para o historiador Deusdedith Rocha Junior, o 7 de Setembro, em boa parte pelo império português, não era tratado de forma importante. “Quando destacamos a independência como fruto da ação determinada de uma pessoa que é, no caso o imperador, abafam-se os interesses dos poderosos e também a ideia de que essas elites e dom Pedro tomaram todo cuidado para que a população não participasse disso”. Ele cita que as manifestações na Bahia e no Pará foram tratadas com violência policial, incluindo centenas de mortes.

“Não é uma história pacífica. Isso tudo cai no esquecimento para confirmar uma ideia de mansidão do brasileiro”. Os pesquisadores avaliam que não é possível entender aquele período apenas por uma ideia de “grito”, como se fosse o último episódio.

A história barulhenta, cheia de nuances, inclusive de silêncios, ainda vai ecoar pelos séculos.

Leia as outras matérias desta série no BLOG DO PAUTAR:
Independência: histórias de antes e depois do grito
Para escritores, Revolução do Porto estimulou Independência no Brasil

(Fonte: Agência Brasil)

A Independência do Brasil parece enredo de ficção com várias reviravoltas antes e depois de 7 de setembro de 1822. Para compreender essa história, é preciso rever causas, efeitos e eventos antecedentes e efeitos. Entre esses eventos, escritores sobre a relação entre colônia e império destacam a Revolução do Porto, que completou 200 anos em 24 de agosto. A revolta liberal provocou a queda do absolutismo em Portugal e provocou diferentes ecos nos principais personagens históricos da regência portuguesa no Brasil.

Para o pesquisador Paulo Rezzutti, que escreveu biografias de personagens complexos como dom Pedro e Maria Leopoldina, é necessário quebrar estereótipos sobre as figuras poderosas do Brasil e de Portugal na época.

Para Rezzutti a chegada dos lusos vai provocar impactos econômicos para o Brasil, que era antes uma espécie de “propriedade privada de Portugal" e virou a sede do império, enquanto a metrópole se afundava entre guerras. Os conflitos em Portugal somente diminuíram quando os ingleses conseguem expulsar os franceses do seu território. Assim, os recursos financeiros passam a abastecer mais o reino britânico, e os portugueses começam a sentir os mesmos efeitos da colônia.

Enquanto dom João decretava abertura dos portos do Brasil às nações amigas (entende-se, particularmente, a Inglaterra), do outro lado do oceano a história é de sufoco, com menos dinheiro circulando com a burguesia, uma reviravolta que a elite portuguesa não imaginava.

“O que é essa revolta do Porto? Esses comerciantes se revoltam porque Portugal está à míngua. Pouco dinheiro circulando. Caem impostos. Como o Brasil abriu os portos para Inglaterra, a elite comercial não atravessa mais as negociações com a colônia”, avalia o biógrafo.

O impacto também chegou aos tribunais de Lisboa e demais instituições que antes lidavam, na metrópole, com as burocracias da colônia. Afinal, o aparato jurídico havia mudado de terra na sede. “Eles sentem na pele o que o Brasil passou por 300 anos”.

A Revolução do Porto espalha-se por Portugal inteiro e acaba, na prática, com o regime absolutista. Ao serem criadas as cortes constitucionais, o rei perde o poder. A elite portuguesa no Brasil, que passava a experimentar uma liberdade diferente nos últimos 12 anos da chegada da família real, sente a mudança dos ventos.

200 anos de Revolução do Porto

Para o professor José Manuel Lopes Cordeiro, da Universidade do Minho, e pesquisador do período, a Revolta do Porto pode ser caracterizada como um “pronunciamento militar”, e não como uma revolução popular.

“Os militares saem do quartel e são lidas as proclamações para o novo regime. Raízes do sistema constitucional que vivemos em Portugal datam desse período”, disse à Agência Brasil em chamada de vídeo.

O assunto foi minuciosamente investigado pelo escritor portuense em obra lançada no mês passado em mais de 500 páginas. O livro “1820: Revolução Liberal do Porto” foi escrito durante 15 meses com buscas a documentos inéditos sobre o episódio. “Procuramos dar uma visão abrangente do que aconteceu naquele ano, porque o pós 24 de agosto (de 1820) foi desprezado ou nem sequer abordado pela historiografia”.

Uma das descobertas trazidas à luz da história por José Manuel foi o “Livro de Vereações” (Livro de atas), que contém a posse da Junta Provisional do Governo Supremo do Reino. “Ou seja, a fundação do regime liberal do país aconteceu na Câmara do Porto, em 24 de agosto de 1820. Sempre me surpreendeu porque é que esse livro de atas nunca foi mostrado e nem sequer é referido pelos historiadores”.

Por causa da passagem dos 200 anos do evento, o assunto tem atraído mais atenção da sociedade portuguesa. O pesquisador é o comissário responsável pela exposição sobre o tema no Museu Casa do Infante na cidade do Porto. A mostra começou em fevereiro, foi interrompida por três meses devido à Covid-19, e está em cartaz até janeiro de 2021. Para o historiador, o furor absolutista está marcado para sempre no próprio livro de ata. Em reação contra os liberais naquele país, o livro de vereações foi rasurado com tinta corrosiva em uma tentativa de apagar os registros em uma reviravolta de lideranças absolutistas.

Ao mesmo tempo em que ocorrem as transformações liberais em Portugal, José Manuel Cordeiro considera que a sociedade brasileira encontra-se em uma “efervescência” cultural, política e ideológica", além de já possuir uma infraestrutura de Estado. Os revoltosos na Europa reivindicam que dom João retorne à metrópole. Em fevereiro de 1821, uma manifestação no Rio de Janeiro exige que o rei jure obediência à Constituição.

Os acontecimentos de 26 de fevereiro de 1821 traduzem o momento. Não se sabia qual seria a reação de dom João VI. Foi a contragosto, segundo os historiadores, que o rei volta para Portugal intimado pela elite do seu país. Inclusive, ele chegou a anunciar que mandaria o filho Pedro para “ouvir as queixas” e tranquilizar os revoltosos. Nada feito. Quem retornou a Portugal foi o próprio dom João VI.

Antes de zarpar, ele orientou o filho sobre a instabilidade entre coroa e colônia. Ao chegar a Portugal, João descobriu, da pior forma, que não é mais ele quem dava as cartas: precisava de autorizações para descer do navio e tomar decisões.

Na opinião da professora Teresa Marques, da Universidade de Brasília, a Revolta do Porto é um movimento que mostra o ressentimento e o mal-estar da elite portuguesa.

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Independência: histórias de antes e depois do grito
Os papéis de Dom Pedro I e Leopoldina na Independência do Brasil

(Fonte: Agência Brasil)

O Brasil no século XIX poderia ser roteiro de uma série de época com ingredientes típicos de ficção. Cenas de aventura nos mares e na terra, ameaças de invasão e violência, medo, fuga, tiros, pedras, disputas pelo poder, relações de família, personagens controversos, cenas à beira do rio, homens em cavalaria, enlaces entre povos, novos ajustes e um grito de vida ou morte para chamar outras temporadas.

O enredo só parece de ficção. Pesquisadores em história do Brasil e de Portugal constroem diferentes olhares ao contexto da Independência do Brasil, que instiga o público há praticamente dois séculos.

Desde o ensino fundamental, aprende-se que essa "série" não está relacionada unicamente à celebração do 7 de Setembro, motivo de feriado nacional. Para compreender esse marco histórico, garantem os especialistas, é preciso rever causas, eventos antecedentes e efeitos. Enfim, “maratonar” os eventos que precedem e sucedem a alegoria do grito do Ipiranga, registrada pelo pintor Pedro Américo décadas depois de 1820.

São tantas reviravoltas que renderiam episódios agitadíssimos e à moda antiga: sem telefonemas ou mensagens instantâneas para organizar os atos entre pessoas que estão distantes. As ordens e os documentos do Brasil Colônia atravessam os caminhos entre metrópole e colônia por cartas depois de meses de navio pelo Oceano Atlântico e ao sabor do vento já que o barco a vapor ainda era um experimento incapaz de enfrentar os mares.

O tempo é um tempero a mais nesta história: a distância entre os países criava ruídos e diminuía o peso de decisões, decretos feitos entre as cortes no Brasil e em Portugal. Todos falavam português, mas a demora com que as informações atravessavam os mares, em geral, de dois a três meses, retirava as informações de contexto.

O pertencimento à Independência

Para os especialistas entrevistados, os episódios desta série da vida real, estão todos associados uns aos outros, enlaçados em seus significados. Inclusive, aos sentimentos de brasilidade do público. “Quando pensamos ter a necessidade de tratar do que aconteceu com o Brasil há 200 anos, é porque encontramos algum laço entre o presente e o passado. Esse vínculo se estabelece como forma de comemorar e de lembrar. A razão para contar essa história é para criar vínculos de pertencimento”, afirma o historiador Deusdedith Rocha Junior.

Os referenciais desse “pertencimento”, conforme explica Deusdedith, devem levar em conta que o que vai ser lembrado nesse roteiro é fruto de uma “disputa”. O conflito permanente está na raiz de todo o processo. A disputa entre os poderosos da época tem diferentes marcos, como a fuga da família real portuguesa nos dias finais de novembro de 1807, para a colônia Brasil, aonde chegaria somente em 22 de janeiro de 1808. Dom João VI, o príncipe-regente português, não viu outra saída, depois que o país foi ameaçado de invasão pelas tropas do imperador francês Napoleão Bonaparte, já que Portugal não havia aderido ao bloqueio continental contra a Inglaterra.

Dom João resolveu apostar em uma aventura e embarcou a família inteira, incluindo a mãe Maria, a esposa, Carlota Joaquina, os filhos, Pedro e Miguel, e outros integrantes da corte em navios e rumaram para o país desconhecido. Ao saber que os poderosos fugiam, a população teria atacado os navios reais inclusive com pedras. Para os pesquisadores, os caminhos da independência brasileira começam a tomar forma nesse episódio inusitado.

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Os papéis de Dom Pedro I e Leopoldina na Independência do Brasil

(Fonte: Agência Brasil)

1

– É ainda possível escrever algo inédito?
– Quem é o autor da frase que está na Bandeira do Brasil?
– 5 de setembro de 2020: 163 anos de falecimento de Auguste Comte

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– A APROPRIAÇÃO DE TEIXEIRA MENDES
– A INSPIRAÇÃO EM AUGUSTE COMTE
– E A “MEDITAÇÃO” DE GONÇALVES DIAS
– Gonçalves Dias escreveu “ordem e progresso” seis anos antes do francês Auguste Comte.

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Quem é o autor da frase que está na Bandeira Nacional do Brasil?

Dois nomes logo são lembrados na resposta: o primeiro é o de Raimundo Teixeira Mendes, escritor, filósofo, maranhense de Caxias, que, em novembro de 1889, repassou, para os governantes da época, o modelo da Bandeira brasileira, prontamente adotado e elogiado (claro, registraram-se algumas insatisfações).

O segundo nome vinculado ao lema “Ordem e Progresso” é o do francês Auguste Comte, escritor e filósofo, que queria uma “religião da Humanidade”, criou o Positivismo – filosófico-religioso ou religioso-filosófico – e, em seus textos sobre a causa, cunhou a frase: “O Amor por princípio e a Ordem por base; o Progresso por fim”. Em francês: “L'Amour pour principe, et l'Ordre pour base; le Progrès pour but”.

É patente que o caxiense Teixeira Mendes, à época morando no Rio de Janeiro (RJ), inspirou-se na frase do francês Comte quando pensou no dístico que integraria a Bandeira brasileira, que ele, Teixeira Mendes, criou – e que substituiu a “cópia servil” da bandeira americana então adotada (por quatro dias) como bandeira da novel República sul-americana, em 1889.

Alguns creditam a frase como constante no livro “Testament d'Auguste Comte”, 570 páginas, de novembro de 1896.

Fui pesquisar. Fui ver. Realmente, está ali, na página 90 do “Testament”. A frase francesa distribui-se pela oitava e nona linhas da página e inicia o segundo parágrafo (ou o primeiro, já que as sete linhas anteriores são continuação de parágrafo da página 89).

O “Testament” tem, na verdade, nome mais longo; intitula-se: “TESTAMENT D'AUGUSTE COMTE AVEC LES DOCUMENTS QUI S'Y RAPPORTENT PIÈCES JUSTIFICATIVES PRIÈRES QUOTIDIENNES, CONFESSIONS ANNUELLES, CORRESPONDANCE AVEC Mme. DE VAUX PUBLIÉ PAR SES EXÉCUTEURS TESTAMENTAIRES, CONFORMÉMENT À SES DERNIÈRES VOLONTÉS”.

Como diz o título, foi publicado de acordo com as “últimas vontades” de Comte. Mas o ano de 1896 refere-se à segunda edição. A primeira é de 12 anos antes, 1884. A obra foi publicada por um “fundo tipográfico” da “execução testamentária de Auguste Comte” (“Fonds typographique de l'exécution testamentaire d'Auguste Comte”).

Fui adiante nas pesquisas. A citação constante da edição de novembro de 1896 do “Testament” não caberia, pois a proclamação da república no Brasil dera-se sete anos antes, em 1889 (coincidentemente, em novembro também). Portanto, repita-se, foi neste ano, 1889, que o caxiense Teixeira Mendes apresentou o desenho do nosso pavilhão. Mas como a primeira edição do “Testament” comtiano é de 1884, cinco anos antes da proclamação da república brasileira, a fonte poderia ser essa.

Como disse, fui adiante. Fui ao “site” do prestigioso jornal francês “Le Monde”, um dos mais importantes e mais respeitados do mundo, publicado há 76 anos, desde 19 de dezembro de 1944. Pois bem: no “site” encontro a frase de Comte e o crédito de que ela vem do livro “Système de Politique Positive”, daquele autor. O próprio “site” registra a data de publicação do livro: 1852.

Se forem considerados apenas esses registros, poder-se-ia reivindicar que o caxiense Antônio Gonçalves Dias escreveu a expressão “ordem e progresso” seis anos antes de aparecer, em 1852, a obra “Sistema de Política Positiva”, do francês Auguste Comte.

Com efeito, no dia 8 de maio de 1846, na sua obra “Meditação”, Gonçalves Dias escreveu:

“E não pelejais por amor do progresso, como vangloriosamente ostentais.

“Porque a ORDEM E PROGRESSO são inseparáveis: – e o que realizar uma obterá a outra”. (Destaque meu).

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Portanto, façamos a cronologia:

– 1846, 8 de maio: Gonçalves Dias escreve “ordem e progresso” em seu livro “Meditação” (43 anos antes da proclamação da república no Brasil). A frase é: “Porque a ORDEM E PROGRESSO são inseparáveis: – e o que realizar uma obterá a outra”;

– 1852: publicação do livro “Système de Politique Positive”, de Auguste Comte, onde originalmente está a frase inspiradora do lema “Ordem e Progresso”, constante na Bandeira do Brasil. A frase comtiana, seis anos após a de Gonçalves Dias, é: “O Amor por princípio e a Ordem por base; o Progresso por fim";

– 1884: primeira edição do “Testament” do francês Auguste Comte;

– 1889, 15 de novembro: Proclamação da República no Brasil;

– 1889, 19 de novembro (depois oficializado como o Dia da Bandeira brasileira): o caxiense Teixeira Mendes apresenta o desenho da Bandeira brasileira por ele idealizada. Sua sugestão foi imediatamente adotada e não foi demovida por insatisfações de alguns políticos e outros movimentos;

– 1892, novembro: segunda edição do “Testament” de Auguste Comte.

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No último 5 de setembro de 2020, completou-se 163 anos da morte do escritor e filósofo francês Auguste Comte, ocorrida em Paris em 5 de setembro de 1857. O nome completo do talentoso francês era Isidore Auguste Marie François Xavier Comte, e ele nasceu em Montpellier, em 19 de janeiro de 1798. Assim, neste ano de 2020, são 222 anos de nascimento do criador do Positivismo.

Este é um texto aligeirado sobre “anterioridades” relacionadas ao lema “Ordem e Progresso”, que foi apropriado pelo caxiense Raimundo Teixeira Mendes de texto (e ideias) de autoria de um filósofo de que ele era seguidor, Auguste Comte.

Claro que há distinções, diferenciações na textualização de “Ordem e Progresso”: Gonçalves Dias escrevia um romance; Auguste Comte defendia uma causa, queria instituir uma nova religião, por ele considerada a “religião da humanidade”, o Positivismo.

Assim, a palavra “ordem” e a palavra “progresso”, isoladamente ou em conjunto, permeiam os livros, os textos do autor francês, inclusive mesmo antes de sua obra de 1852, considerada a obra-fonte da frase que inspirou o caxiense, maranhense e brasileiro Teixeira Mendes na elaboração da Bandeira de seu país.

Gonçalves Dias dominava o francês, conhecia Paris. Poderia ter tido acesso à obra comtiana? Sim, poderia. Por sua vez, Teixeira Mendes – que conhecia Comte, que conhecia a França e sabia francês – TAMBÉM conhecia seu conterrâneo, o igualmente caxiense, o talqualmente maranhense e patrioticamente brasileiro Gonçalves Dias.

Não tenho dúvidas de que Teixeira Mendes verdadeiramente bebeu na frase de Auguste Comte.

Também não tenho dúvidas de que, consideradas as datas das obras do francês Comte (“Sistema de Política Positiva”) e do caxiense Gonçalves Dias (“Meditação”), este, no mínimo, tem uma certa anterioridade na construção frasal, acrescida de complemento explicativo.

Evidentemente, ninguém tem domínio de tudo o que se escreve e já se escreveu em nosso planeta, nos diversos idiomas, existentes e já extintos. Registros estatísticos nos informam que surge 1 livro novo a cada 30 segundos. Que em UM ANO são UM MILHÃO (1.000.000) de livros, os quais precisariam de 20 quilômetros de estantes para acomodá-los. Tristemente se registra que, para cada livro que um ser humano lesse em 1 dia, ele teria de não ler outros QUATRO MIL livros (4.000).

Desse modo, é quase impossível não haver construções frasais iguais ou assemelhadas nos livros e literaturas deste mundo. Como já escrevi, nós humanos temos de ser ilimitados em nossos limites: temos, em caracteres latinos, apenas 26 letras para escrevermos todos os poemas de amor – e mesmo as declarações de guerra;...

... temos apenas 10 algarismos para com ele calcularmos todas as distâncias astronômicas e medirmos as variadas dimensões microscópicas;

... temos apenas 7 notas musicais, para com elas elaborarmos a sinfonia mais enlevadora e a música brega mais rasgada...

Enfim, somos incontidos em nossas contenções. Somos superposições.

Somos humanos – buscando uma ORDEM no caos ético e o PROGRESSO ante desigualdades sociais.

Somos humanos.

* EDMILSON SANCHES

Ilustrações:
Retratos do francês Auguste Comte e dos caxienses Teixeira Mendes e Gonçalves Dias. Folha de rosto do "Testament d'Auguste Comte", edição de 1892, e registros do "site" do jornal francês "Le Monde".

As inscrições para a Rede Nacional de Certificadores (RNC), a fim de atuação em atividades de certificação dos procedimentos do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2020, começam na próxima quarta-feira (9) e vão até o dia 29 deste mês. O cadastramento destina-se a servidores públicos federais e professores das redes públicas estaduais e municipais.

O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) publicou na última sexta-feira (4), no “Diário Oficial da União”, o Edital nº 64 de chamada pública. As inscrições podem ser feitas no seguinte endereço na “internet”: certificadores.inep.gov.br ou no aplicativo móvel, disponível nas principais lojas de aplicativos.

“Para realizar a inscrição, o candidato deverá atender aos requisitos descritos no edital, como: ser servidor público, efetivo e em exercício, do Executivo Federal ou ser docente, em exercício, das redes públicas de ensino estaduais e municipais e estar devidamente registrado no Censo Escolar 2019; ter formação mínima em ensino médio; não estar inscrito como participante no Enem 2020; não ter cônjuge, companheiro ou parentes de até 3º grau inscritos no Enem 2020; e possuir ‘smartphone’ ou ‘tablet’, com acesso próprio à ‘internet’ móvel”.

Entre as atribuições, os servidores vinculados à RNC deverão certificar “in loco”, sob demanda do Inep, a efetiva e correta realização dos procedimentos de aplicação nos dias de realização do exame; registrar, em sistema eletrônico, as informações coletadas com base em sua atuação; e informar ao instituto possíveis inconsistências identificadas. Segundo o Inep, o cadastramento prévio não garante a inscrição para atuação como certificador no Enem 2020.

Os convocados deverão participar de uma capacitação a distância promovida pelo Inep para divulgação de normas, procedimentos e critérios técnicos da RNC. Eles só serão considerados aptos somente após a participação e a aprovação nas atividades desenvolvidas no curso de capacitação, com no mínimo 70% de aproveitamento.

A atividade desenvolvida pelo certificador terá o valor de R$ 342 por dia. A remuneração se enquadra em atividade prevista no anexo do Decreto nº 6.092, de 2007 (elaboração de estudos, análises estatísticas ou relatórios científicos de avaliação), equiparando-se ao valor da hora do servidor público do Poder Executivo Federal, de R$ 28,50.

De acordo com o cronograma previsto no edital, o resultado da chamada pública e o endereço eletrônico com a relação da homologação das inscrições e dos colaboradores convocados para realizar o curso de capacitação serão divulgados no “Diário Oficial da União”, no dia 14 de outubro.

O documento estabelece, ainda, que os certificadores selecionados deverão, obrigatoriamente, nos dias de atuação, portar álcool em gel e usar máscaras para proteção contra a covid-19. As máscaras poderão ser artesanais ou industriais e deverão ser utilizadas ao longo da aplicação e trocadas quando ficarem úmidas ou a cada quatro horas. Será proibida a entrada do certificador no local de aplicação sem a máscara de proteção facial. O Enem impresso está marcado para os dias 17 e 24 de janeiro de 2021.

(Fonte: Agência Brasil)

No dia em que o “Hino Nacional”, como conhecemos hoje, completa 98 anos, desde que foi oficializado, em 6 de setembro de 1922, a Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional Claudio Santoro (OSTNCS) entrega, de presente, um vídeo com a execução instrumental da marcha triunfal, gravada durante o isolamento social.

“A ideia é celebrar a Semana da Pátria e, ao mesmo tempo, ter esse material que vai servir constantemente em solenidades, ou celebrações, onde poderá ser usado como uma gravação oficial do “Hino Nacional”, independentemente de ter um grupo ao vivo, tocando presencialmente”, disse Claudio Cohen, regente da OSTNCS.

Foram mais de 20 dias e um esforço grande dos 72 músicos para que os vídeos, gravados em celulares, saíssem dentro do que era necessário para reunir todos os instrumentos, gravados de forma isolada e em ambientes diferentes, a partir de uma guia para orientação.

O maestro disse que, desde o início da pandemia e do isolamento social, os músicos têm realizado esse tipo de gravação, como uma forma de manter viva a conexão com o público “Nós percebemos que, durante esse período, precisaríamos aguçar a criatividade e buscar um público por meio dessas ferramentas, que nos permitem avançar nesse sentido”.

Desde o mês de março, as redes sociais da OSTNCS são atualizadas semanalmente com vídeos novos, ou resgatados de gravações realizadas em apresentações anteriores à pandemia. “São vídeos inéditos nesse ambiente virtual, já que só quem estava nos teatros pôde ver essas apresentações”, afirma.

A versão do “Hino Nacional” gravada pela orquestra de Brasília tem 2 minutos e 19 segundos de duração e é sem a letra, apenas a melodia executada sem a repetição usual da versão cantada.

História do Hino Nacional do Brasil

A marcha triunfal do “Hino Nacional” é muito anterior a letra que cantamos atualmente em cerimônias e honrarias a nossa bandeira. Ela foi concebida ainda no Império, em 1831, pelo maestro Francisco Manoel da Silva.

Já os versos foram compostos pelo poeta Joaquim Osório Duque-Estrada, em 1909, e são a terceira versão de letra que acompanha a marcha triunfal. A primeira letra contava a história da abdicação de dom Pedro I, e a segunda exaltava dom Pedro II.

Entre a segunda e a terceira versão, o hino passou quase cem anos sendo executado sem letra, após manifestações populares contrárias à adoção do novo hino escolhido para representar a, então, nova República, por meio de um concurso.

O presidente da República, à época, Deodoro da Fonseca, estabeleceu que seria mantida a música do hino anterior sem uma letra e que a composição com poema de Medeiros e Albuquerque e arranjo de Leopoldo Miguez, vencedora da disputa, passaria a ser o “Hino da Proclamação República” e não substituiria o Nacional.

A letra que permanece até hoje foi oficializada às vésperas do centenário da Independência, em 6 de setembro de 1922, por meio de uma lei criada pelo então presidente Epitácio Pessoa.

Para o professor de História da Música e História da Música Brasileira da Universidade Federal de Brasília (UnB), Adeilton Bairral, o passo mais importante para que a composição fosse preservada foi dado por uma comissão dirigida pelo maestro Heitor Villa-Lobos, na Era Vargas. O grupo de caráter técnico, determinou a adoção da versão para piano do maestro cearense Alberto Nepomuceno, como referência melódica para a unificação da versão oficial.

Na época, Villa-Lobos viu a necessidade da criação de um Conservatório Nacional de Canto Orfeônico para capacitar professores de música a ensinarem os hinos pátrios nas escolas de todo do país. Segundo Adeilton, também foram estabelecidas duas versões possíveis de serem tocadas: uma com canto em Fá e composta por duas estrofes, além de uma versão instrumental, em Si Bemol, apenas com uma estrofe.

“Com o tempo, a didática musical mudou muito e, hoje, o Hino Nacional já não é mais ensinado nas escolas. Então, percebe-se adaptações sutis na melodia para facilitar o canto”, conclui o professor.

Ações

Fundada em março de 1979, pelo maestro e compositor Claudio Santoro, a OSTNCS desempenha papel fundamental na educação musical e difusão da música clássica e erudita. Em mais de 40 anos de atuação, o corpo de músicos manteve apresentações regulares e gratuitas à disposição de quem vive ou visita Brasília.

Dentre as ações recentes destacadas pelo maestro Claudio Cohen, estão os Concertos Didáticos, para crianças; Concertos para Saúde, em hospitais, os Concertos Sociais, que já ocorreram em todas as Regiões Administrativas do Distrito Federal, além dos concertos internacionais, nas embaixadas.

Para saber mais, siga as redes sociais da Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional Claudio Santoro: no Instagram, no Facebook e no YouTube.

(Fonte: Agência Brasil)

Falaremos, neste domingo, sobre...

Palavras homônimas e parônimas

“Homo” (do grego) significa “igual”. São palavras iguais. O nosso problema, na realidade, são as palavras homônimas homófonas (= som igual, escrita diferente e significados diferentes). É o caso de “conserto” e “concerto”. Quando falamos, não se percebe a diferença, pois a pronúncia é a mesma. A dúvida surge na hora de escrever: é com “s” ou “c”? Aí depende do sentido.

Todo “concerto” musical se escreve com “c”. E “conserto” do verbo “consertar” (= reparar, corrigir) é com “s”. É bom tomar cuidado.

Há uma história... Alguns dizem ser verdadeira... Não acredito, mas... Em todo caso, contaremos...
Certo empresário escreveu um cartaz e afixou na porta do seu restaurante:

“Aos meus empregados. A partir de hoje, quero as nossas portas serradas às 23h”.

Foi atendido. Ao voltar ao restaurante no dia seguinte, encontrou todas as portas pela metade.
Se a ficha não caiu, anote:

CERRAR significa “fechar”; SERRAR significa “cortar”.

E palavras parônimas?
São aquelas palavras parecidas na forma, mas bem diferentes quanto ao significado.

Imagine que um amigo seu tenha sido demitido por ter cometido vários erros. Você é designado para o lugar dele. No seu primeiro relatório, escreve: “Ratifico os erros do meu antigo companheiro”. Que vai acontecer? Você “vai pra rua” também. Ratificar erros é ignorância dupla. RATIFICAR é “confirmar”. Erros nós retificamos.

Se você não lembrava, anote:
RATIFICAR significa “confirmar”; RETIFICAR significa “corrigir”.

Resumindo:
HOMÔNIMAS HOMÓFONAS: palavras com a mesma pronúncia, com alguma diferença gráfica e com diferentes significados;

PARÔNIMAS: palavras parecidas na forma, com diferentes significados.

Dicas

1. ACENDER ou ASCENDER
Acender = pôr fogo, ligar:
Ele foi acender a vela.

Ascender = subir, elevar-se:
Ele quer ascender de posto.

2. ACENTO ou ASSENTO
Acento = intensidade, sinal gráfico:
Coloque o acento na sílaba tônica.

Assento = lugar onde se senta:
Saiu, e eu ocupei seu assento.

3. ACIDENTE ou INCIDENTE
Acidente = desastre, acontecimento com consequências mais graves:
Houve um acidente na Via Expressa.

Incidente = desentendimento, ocorrência com consequências menores:
Perdoe-me pelo incidente de ontem.

4. ACONDICIONAR ou CONDICIONAR
Acondicionar = preservar, guardar:
É necessário acondicionar melhor estes aparelhos.

Condicionar = regular, tornar dependente de condição:
Vai condicionar sua permanência ao seu esforço.

5. AFERIR ou AUFERIR
Aferir = conferir pesos, medidas…:
É preciso aferir os taxímetros.

Auferir = obter, colher:
Só vai auferir algum lucro no fim do ano.

Teste da semana
Que opção completa, corretamente, a frase abaixo?
“__________ meio-dia e __________; no céu, __________ as trovoadas de verão”?
(a) era / meia / anunciava-se;
(b) eram / meio / anunciavam-se;
(c) era / meio / anunciava-se;
(d) era / meia / anunciavam-se;
(e) eram / meia / anunciavam-se.

Resposta do teste: letra (d)
O verbo SER fica no singular para concordar com “meio-dia”, que é singular: “ERA meio-dia e MEIA”, porque é “MEIA hora”. A palavra MEIO, quando significa “metade”, é numeral fracionário e deve concordar: “meio litro”, “meia garrafa”, “meio limão”, “meia laranja”. No caso da terceira lacuna, temos a partícula apassivadora “se”. O sujeito do verbo ANUNCIAR é “as trovoadas de verão”, que está no plural. Portanto, o correto é “anunciavam-se as trovoadas de verão”, ou seja, “as trovoadas de verão ERAM ANUNCIADAS”.

1

E há um sol lá fora clareando tudo, iluminando. Um sol escaldante, um sol no deslumbramento dos reflexos, filtrando-se pela paisagem da Natureza em festa. Um sol que queima e que tem carícias para um sentido de posse absoluta. Um sol vitalizador. Um sol que é Vida, mas que também é Morte. Mas predominando todo um despertar de energias vivificadoras, estimulante de emoções fortes, exuberante de seivas reprodutoras doutras vidas e doutras emoções. Um sol que alimenta, que vitaliza, que tonifica as reações mais amedrontadoras. Um sol exuberante no milagre da fertilização da terra, da terra que ele aquece, que ele queima. Da terra que ele escalda, mas que ele beneficia com a doçura da sua condição de um galã sentimental e romântico! Um sol que, por vezes, tem o afrouxamento das sombras e das quietudes. Que tem momentos duma rebeldia desesperadora que se faz sentir profundamente, desgraçadamente, até na tormenta da seca. Da seca que diziam, que mata, que abre rachaduras no solo, que provoca o fenômeno social dos flagelados do Nordeste. Que tem ímpetos duma ferocidade tremenda abrindo ciladas no solo pedregoso, às vezes para a destruição duma rês que se distanciou da manada, que se afastou da pressão duma hostilidade natural para precipitar-se para os lugares menos quentes e menos secos. Que tem uma multiplicidade de obrigações para com a Vida, a Vida que tem nele uma fonte de nutrições apreciáveis, que tem nele as próprias reações doutros fatores de existência. Que existe por si. Que tem vida própria. Que ilumina a vibrante evolução dos planetas numa sequência admirável dos anos que se sucedem com a valorização dominadora do Tempo. Uma eternidade de sol, de luz na abundância, nos desperdícios. Espalha esta enormidade como boêmio extravagante e perdulário. Um esbanjador das impressões mais diversas. Confunde a Vida que lhe é eterna com a Morte que lhe é aparente. Uma ilusão de sombra num cair de tarde. Há rebentação de luz na fixação de sua grandeza perene, imorredoura. Ilusionista dum talento inigualável. Nascendo uma vez, impressiona num quadro doloroso de agonia. Nasce num DIA que é Manhã, numa paisagem de cores que deslumbra, que extasia e morre num Dia que é Tarde na representação trágica e fascinante que tem sombras de agonia. Um artista da tragédia e da comédia. Vem de caminhadas distantes... Surge sob a apoteose sugestiva de um milagre de aparição fantástica. Depois, agoniza numa suavidade de cores fascinantes e até parece que murmura numa sinfonia de sons noturnos um poema de preces e orações.

Adormece quando a Noite chega. Acorda quando a Noite desaparece. Mas ressurge sempre. Irrompe dos aguaceiros, filtrando-se por entre as nuvens ainda densas, pesadas. Rebrilha nos intervalos que o inverno lhe oferece. E, às vezes, tem a mesma intensidade de luz, de domínio, de força numa constante sucessividade, de fixidez impressionante. Galvaniza. Fascina. Eletriza os pensamentos. Iluminação da ideia. Da Vida que é a própria Vida que nele existe. Incessante. Inalterável. É uma síntese de tudo que é Vida, de tudo que é energia criadora. Mas também é uma expressão de vida na agonia de um sonho, num desfalecimento dessas mesmas energias.

E há um sol lá fora clareando tudo, iluminando, Um sol que se desfaz em sol, que esmaece numa representação trágica de sombras em ocaso.

E aí está mais uma página arrancada do baú velho das nossas recordações. Uma folha pregada, agora, numa das páginas deste álbum que se chama Vida. Sim, lá fora há um sol na iluminação do dia e de outros sóis na iluminação da noite.

* Paulo Nascimento Moraes. “A Volta do Boêmio” (inétido) – “Jornal do Dia”, 23 de junho de 1963 (domingo)

Daqui, longe o vejo: um expectante leitor,
que, sim, espera mais uma poesia, consciente
de que, tendo presente essoutra cria do autor,
dispense a presença do poeta, sempre ausente...

Posso ao leitor, acho, dar-lhe mais um poema
que sirva p’ra seu deleite e, quem sabe, amor.
... Mas a meu leitor não posso dizer, que pena!,
que, daquilo que lê, a matéria-prima é ... a dor.

* EDMILSON SANCHES

2

Poema de amor a São Luís

Vejo agora vejo e não estou sonhando
que Dom João, o Rei 4º, e bem-andante,
não terá o encoberto de Dom Fernando
que tem ferro e ferrão sem ser infante.
Não é aqui definitivamente o Quinto Império
da prédica do Bandarra, sapateiro profeta e profano,

nem tampouco é aqui a Corte de Queluz
que submergiu nos encantos...
porque a amplidão dos Lençóis
é maior que os campos de Alcácer-Quibir.

Não há mais na Ilha vinho para os vivos
e flores para os mortos,
e nem canoas para as travessias.
Somente o Sol liberta-se de seu claustro
a cair vermelho por detrás da tarde,
ante meus olhos desarmados
e atracados nos cais de minh'alma.
O promontório não cresce mais no verão
e apodrece num montão de pedras a beijar
entulhos e mirantes,
e telhados verdes de chuvas.

Homens e paralelepípedos despencam
dos becos e vielas
por cumeeiras sem escápulas, territórios de artistas
e pensadores que secam as vísceras ao sol do meio-dia.

Todos são poetas até prova em contrário, e nada mais existe
escrito a carvão, ou a caco de telhas,
nos muros e nos planos das calçadas.

As janelas desconjuntaram-se e as rótulas vazias
ficaram nos peitoris sem olhos e cotovelos.

As bilhas secaram como os peitos das mães de África,
e os quintais despomatizaram-se,
mas as marrecas continuam em seus baixos voos...

As portas e as janelas, sem mais postigos,
foram literalmente fechadas
e presa para sempre, lá no fundo do corredor,
por um aleijão na argamassa,
uma réstia de luz vinda do poste da praça,
antes de tudo ser, como realmente o foi, e para sempre...

Em antigas casas, de gestos portugueses,
plantaram-se às portas e às janelas,
não alecrins, e jarros com flores,
mas bugigangas do charco, e chinesices,
que nada dizem à memória dos ilustres mortos;
nas igrejas não têm mais missas
e réquiens cantados,
nem mais as homilias de Padre Mohana
nas manhãs de domingo,
e nem os cânticos de Te Deum,
e nem mais rezas à noite, e ladainhas...

Os velhos sobrados, depois de tombados,
de tantos desamores e maus-tratos,
começaram literalmente a cair,
por não poder esperar a briga dos herdeiros pelo inventário;
são esses mesmos sobrados, esburacados e enfeados,
cujos motivos lusônios,
foram todos furtados,
a trocarem os adereços de endereços,
além de serem invadidos por devassas trepadeiras,
que se acoitam pelas paredes e sacadas de ferro.

Que belíssimos jardins de inverno!
Os palacetes da média burguesia,
com jardins, e terraços, e gradis bordados,
viraram espaços de defuntos, e dores,
e, ao invés dos rasos risos do passado,
vivem hoje dos choros das carpideiras,
e do tremeluzir dos círios acesos,
e do cheiro adocicado
de cravos e de coroas de flores.
A Ilha que um dia foi rebelde,
de alma pura e corpo sujo,
hoje mais se parece uma fotografia
esquecida numa mesa de redação,
como se fosse um grande abrigo
com pátio e poço a desmanchar-se em caliça,
onde vivem indigentes,
e mais os jubilados da sorte,
e vencidos e degenerados,
personagens de histórias de ficção
e de tratados de sociologia
que resolveram sair das páginas em que viviam,
para expulsar seus autores
e levá-los ao exílio e à morte,
e se aboletarem na podre carcaça da Ilha,
como almas calcinadas;
pobres personagens sem pessoas,
aos poucos defluem como resíduos
para os muitos portos, ao redor da Ilha,
para serem diluídos no sal
e expostos ao Sol e ao céu!...

Não há mais pregões nas ruas,
nem cofos, e paus-de-carga,
nem mais comícios políticos
no velho Largo do Carmo,
e algaravias de estudantes.
Nunca mais aquelas brigas
panfletárias de morfologia e sintaxe,
e nem aqueles filólogos a discutirem
se o nome da Cidade,
provindo da variação latina de Ludovico,
seria mesmo com s, ou z.

Nunca mais bondes, vitrinas, saraus e retretas...
e pronomes bem-colocados,
e verbos conjugados certos,
no tempo da carne e no modo do vinho.
Mas sempre na Ilha há de existir
a crueza da língua viperina,
em punir com sentenças extramuros,
inocentes, principalmente,
com injúrias, calúnias, infâmias e difamações,
como se o abecedário predicado por Vieira
continuasse a explodir no tempo,
dando ênfase à letra "M".

Diz o hino libertário que “... caiu do invasor a audácia
estranha, e surgiu do direito a luz dourada...”

E a Ilha ficou sem mais ser!
E a história se fez escrita, e ficou na cidade,
na cidade que tem nome de santo,
e de rei, e de menino.

E o passado se fez de rima na poesia encardida
nos azulejos, e na saudade de tudo quanto a vista alcança,
e na lembrança do que ainda se desdobra,
e na inteligência de crânios polidos
que rolam à-toa ao rés do chão.

Morreram todos, dizem os cadeados nas cancelas!

* Fernando Braga, “Poemas do tempo comum”, São Luís, 2009.