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O plenário da Câmara dos Deputados deve iniciar, nesta segunda-feira (20), a votação da proposta de emenda à Constituição que torna o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) permanente (PEC 15/15). A sessão virtual que analisará a matéria está prevista para começar às 15h.

Em discussão há cinco anos, a proposta prevê 12,5% de complementação em 2021, 15% em 2022, 16,5% em 2023, 18% em 2024, 19% em 2025 e 20% em 2026. Atualmente, o governo federal aporta no Fundeb 10% da contribuição total dos Estados e municípios.

Inicialmente, discutia-se a elevação do índice para 15% a partir de 2021 e o aumento de forma escalonada, até 2026, a 20%. No entanto, o percentual foi alterado em razão da diminuição das receitas de Estados e municípios provocada pela pandemia de covid-19.

De acordo com a relatora, deputada Professora Dorinha (DEM-TO), em 2019, os recursos do Fundeb equivaleram a cerca de R$ 156,3 bilhões, provenientes, predominantemente do tesouro dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios, que contribuem com 90% desse valor.

A proposta também modifica a destinação dos recursos “carimbados” para pagamento dos profissionais da educação, de 60% dos recursos do fundo para, no mínimo, 70%. Pelo texto da relatora, esse recurso não poderá ser usado para o pagamento de aposentadorias e pensões de profissionais do magistério.

A matéria conta com o apoio do presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), e é defendida por parlamentares da bancada da educação, já que o fundo criado em 2006 tem validade até 31 de dezembro e ainda não há financiamento alternativo para a educação brasileira caso a proposta não seja aprovada.

Composição

Segundo Professora Dorinha, o aumento da participação da União para 20% escalonado pelos próximos seis anos é uma forma de garantir o equilíbrio de “oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade”.

O Fundeb é a principal fonte de recursos da educação básica, respondendo por mais de 60% do financiamento de todo o ensino básico do país, etapa que vai do infantil ao ensino médio. O fundo é composto por percentuais das receitas de vários impostos. Atualmente, cerca de 40 milhões de estudantes da rede pública são atendidos pelos recursos do financiamento. “O Fundeb é a expressão do Pacto Federativo na educação”, afirma a relatora.

A distribuição é feita levando em consideração o desenvolvimento social e econômico das regiões - a complementação do recurso aplicado pela União é direcionada às regiões nas quais o investimento por aluno seja inferior ao valor mínimo fixado para cada ano.

A destinação do orçamento é feita de acordo com o número de alunos da educação básica, com base em dados do censo escolar do ano anterior. O acompanhamento e o controle social sobre a distribuição, a transferência e a aplicação dos recursos do programa são realizados em escalas federal, estadual e municipal por conselhos específicos.

Pandemia

De acordo com o presidente da comissão especial do Fundeb, deputado Bacelar (Podemos-BA), consultoria da Câmara dos Deputados calcula que, com a pandemia, as perdas da educação em 2020 podem ser de R$ 7 bilhões a R$ 31 bilhões. “As receitas estão caindo. De 2016 a 2018, nós perdemos na educação R$ 18 bilhões. Em 2019, já no governo Bolsonaro, o Ministério da Educação só conseguiu aplicar 45% do seu orçamento”, afirmou.

“Isso, paralelamente aos choques educacionais que essa pandemia traz. O primeiro é o aumento das desigualdades educacionais – o filho de classe média tem o seu computador, o filho do trabalhador não tem acesso às aulas remotas e ensino a distância. Um está aprendendo, o outro não. Vai aumentar a taxa de abandono escolar – esse adolescente que não queria ir à escola e foi, por muito esforço dos pais, da sociedade e da escola, agora está há 120 dias sem aula, nunca mais vai voltar”, completou.

Para a relatora da proposta, deputada Dorinha, o valor por aluno que o Brasil gasta para escola pública ainda é muito pequeno. De acordo com o relatório, com a complementação de 20% da União, os recursos podem chegar a 23 Estados. Atualmente, apenas nove são atendidos: Amazonas, Pará, Alagoas, Bahia, Ceará, Maranhão, Paraíba, Pernambuco e Piauí.

“Nós queremos garantir que os municípios mais pobres possam receber mais recursos. A complementação da União que nunca chegou a mais de nove Estados – sete Estados no Nordeste e dois da Região Norte – possa olhar agora o Brasil como um todo e chegar aos municípios mais pobres”, avalia a deputada.

Segundo ela, os recursos do Fundeb estabilizaram-se em torno de 2,3% do Produto Interno Bruto (PIB) e a complementação da União em 0,2% do PIB. Para o Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), a aprovação é urgente para equilibrar o orçamento da educação em Estados e municípios.

“Somente devido à crise sanitária, os Estados já investiram, aproximadamente, R$ 1,9 bilhão de recursos próprios, não previstos em ações, para garantir a continuidade do processo de aprendizagem. Além disso, terão que investir um montante considerável de recursos para a garantia da execução dos protocolos de retorno às aulas”, argumentou o Consed.

Proposta do governo

No último sábado (18), uma proposta alternativa de ajuste à PEC foi enviada pelo governo aos líderes partidários, sugerindo a modificação de trechos da proposta. O texto sugere que a PEC só entre em vigor a partir de 2022. Apesar de propor a modificação na data de início do novo fundo, não há indicação de financiamento para a educação em todo o ano de 2021.

Entre as propostas, está a mudança do trecho referente ao pagamento de professores, limitando o percentual em até 70%, incluindo pagamento de aposentadorias e pensões. A medida sugere também a transferência direta de 5% da complementação da União para famílias com crianças em idade escolar que se encontrem em situação de pobreza ou extrema pobreza, incluindo ações relacionadas à primeira infância e ao auxílio creche.

O texto ainda propõe, durante os três primeiros anos após a promulgação da PEC, usar matrículas da rede privada do ensino infantil para registro do Fundeb, com o propósito de assegurar o alcance das metas de universalização e ampliação da oferta de vagas na pré-escola e na creche.

Para o presidente da União Nacional de Dirigentes Municipais de Educação (Undime), Luiz Miguel Martins Garcia, a medida desfigura o Fundeb. “Essa proposta do governo nos pegou de absoluta surpresa. Não faltou oportunidade para que o governo pudesse contribuir com o projeto. Entendemos que é um processo que inviabiliza o funcionamento do Fundeb”, afirmou Garcia, em entrevista à Agência Brasil.

Para ele, a proposta pode tirar o foco de deputados e senadores do Fundeb permanente por trazer a discussão de questões que não são relevantes. Garcia disse considerar que a proposta pode trazer um cenário de caos para a educação ao inviabilizar os recursos para a área em 2021.

“Não há alternativa para o financiamento com uma descontinuidade abrupta. Gera um grande caos a essa altura, a menos de seis meses para o término do atual Fundeb. Não temos plano B. Dessa forma, é possível que haja a paralisação de muitos serviços e ofertas, como educação em tempo integral, por exemplo”.

Em nota, a Undime reitera que a proposta apresenta aspectos inconstitucionais, além de desconstruir a estrutura do Novo Fundeb. De acordo com a instituição, essas medidas são incompatíveis com a atual conjuntura educacional.

O Consed também se manifestou contrário à proposta do governo. Para a instituição, as mudanças ameaçam alguns dos principais pontos do texto da PEC.

“Com esse projeto, o governo federal propõe que desses 10 pontos percentuais de acréscimo, 5 sejam destinados não à educação pública, mas a programas de transferência de renda, o que representa um claro desvirtuamento do propósito do Fundeb, além de uma perda de 50% dos recursos novos a serem complementados pela União no novo Fundeb”, argumenta o Consed, também em nota.

O conselho diz que a proposta do governo permite que recursos públicos da União, dos Estados e dos municípios sejam utilizados como auxílio para pagamentos nas redes privadas.

Tramitação

Por se tratar de uma proposta de emenda à Constituição (PEC), o texto precisa ser aprovado por três quintos dos deputados, o correspondente a 308 votos favoráveis, em dois turnos de votação.

A perspectiva dos parlamentares é que a análise da matéria seja concluída amanhã (21), na Câmara. Em seguida, o texto segue para apreciação do Senado, onde também deve ser analisado em dois turnos e depende da aprovação de, pelo menos, 49 senadores.

(Fonte: Agência Brasil)

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José Erasmo Dias, na noite de sua posse na AML, em 16/9/1972

Na Quinta do Val-de-lobos, na Póvoa de Santarém, em Portugal, vivia arredio Alexandre Herculano por questões de intrigas e pirraças com alguns dos seus companheiros da Torre do Tombo. Nos Apicuns, na antiga Quinta dos Frias, que prefiro chamar de Val-de-gatos, em São Luís do Maranhão, vivia acuado, junto de “krupskaia”, sua gata de estimação, José Erasmo Dias, a figura mais extraordinária que conheci na comédia humana, nesse todo de que nos recorda Balzac, apesar de sua figura representar, irremediavelmente, um protagonista das histórias de Dostoievski e das de Edgard Allan Poe, como se ele mesmo fosse “O Corvo”, ou mais alguém envolvido nos mistérios de “Crime e Castigo” ou naqueles contos tétricos da “Rua Morgue”. Era, ao mesmo tempo, este Erasmo autor e personagem. Tinha muito também do seu “alter ego”, o de Roterdã, como se fosse uma sombra que monologava no “Elogio da Loucura” contra deuses e demônios. Nasceu José, este Erasmo, em São Luís, no dia 2 de junho de 1916, e parido no ventre da geração de 30 do Maranhão. E se fez jornalista, contista, polígrafo e panfletário, abandonando o curso de Direito no terceiro ano; exercia influência literária, por ser um homem de cultura feita, e orientava aos que lhe solicitavam ajuda artística.

É este o olhar que tenho e recordo de José Erasmo Dias, a ratificar, sem mudar uma vírgula, o que escreveu Graça Aranha, em “O Meu Próprio Romance”, sobre a figura de Tobias Barreto, quando o conheceu na Congregação da Faculdade de Direito do Recife: “O mulato feio, desgracioso, transformava-se na arguição e nos debates; os seus olhos flamejavam; da sua boca escancarada, roxa, móvel, saía uma voz maravilhosa, de múltiplos timbres, a sua gesticulação transbordante, porém sempre expressiva e completando o pensamento. O que ele dizia era novo, profundo, sugestivo”.

Erasmo Dias foi um homem honesto e honrado; viveu e sofreu numa pobreza franciscana. Foi diretor do Serviço de Imprensa e Obras Gráficas do Estado, deputado estadual e prefeito interino de São Luís. Era aposentado pela Assembleia Legislativa do Estado do Maranhão, no cargo de diretor de Debates.

A grandeza de Erasmo, como político, como homem de cultura e, sobretudo, como uma figura marcante e marcada que lhe emolduraram a personalidade, quer emblemática, ou estigmatizada, ficou em todos nós ao longo de uma sofrida vida que ele fingia alegre, mas que, no íntimo, interpretou-a e se autodirigiu, inegavelmente sem nenhum retoque, mas com a legitimação, por exemplo, estampada no seu à Pirandello, “O Roubo dos Personagens”, que, em síntese, é ele, por ele mesmo.

Sobre essa figura singular, atentemos para o que escreveu a pena abalizada de Lago Burnett: “Erasmo Dias era contagiante. Intimava, empolgava, comprometia. Era difícil ouvi-lo sem um arrebatamento. Suas atividades convergiam para um só mecanismo propulsor e detonador de eventos. Erasmo, o escritor engajado, o polemista, era o elemento catalisador que impulsionava toda uma geração e fazia crescer o fermento do seu entusiasmo pelos grandes temas contemporâneos. Jornalista, foi no panfleto, na folha vibrante e desaforada dos grandes duelos políticos, que encontrou as melhores oportunidades para realizar-se, dizendo, com bravura e malícia, o que a patuleia perplexa mal conseguia traduzir em sentimentos, quanto mais em palavras”.

Nessa esteira de análise, Carlos Cunha, no seu livro de memórias “Caçador da Estrela Verde”, disse sentimentalmente: “Não era do hábito de Erasmo Dias sentar-se à mesa para ensinar os iniciantes da arte. A conversa, com ele, ajudava-nos a aprender as coisas, ver uma luz no fundo do túnel. [...] Como político, alçou voo alto, tão brilhante quanto o intelectual e boêmio. Na tribuna da Assembleia Legislativa, Erasmo Dias fazia discursos brilhantes e eloquentes, arrebatando aplausos, fazendo as galerias delirarem. Com o seu dom para a ironia, conseguia, com rara sensibilidade, levar os interlocutores, deputados, ao ridículo. Sua passagem na política foi como a trajetória de um cometa, perdendo-se na vastidão de sua inteligência. Defendia as causas dos humildes e dos desvalidos. Era político oposicionista de autenticidade. Admirado pelos adversários”.

Confesso que em minhas incursões pela casa de Erasmo, direcionado sempre ao foco de curiosidades, que era uma velha cômoda de jacarandá, estilo Luís XVI, achei, certa vez, um bilhete de cunho histórico e sentimental que o ilustre médico e escritor Clarindo Santiago o presenteara pelo seu cunho jocoso e lírico. Pois bem, esse bilhete fora escrito pelo intelectual Luso Torres que era general do Exército e também tinha sido Interventor do Maranhão em tempos difíceis, e que numa noite, acometido de uma crise de hemoptise, precisou do socorro profissional de Clarindo Santiago... Eis o bilhete:

“Compadre Clarindo, estou a precisar com urgência dos teus cuidados. Vem depressa aqui em casa, pois estou botando todinho em um penico o sangue que um dia jurei derramar pela Pátria. Do teu de sempre, Luso Torres

Quis surrupiar esse pedacinho histórico de papel. Ele me flagrou e arrebatou-me das mãos. O desmazelo, sem dúvida, deve tê-lo destruído. Que pena! Eu, modéstia à parte, teria dado melhor destino àquela lembrança...

Ali, naquela cômoda, ele dizia guardar também, envolto em pano de linho cru, os originais de “O Gasômetro”, um seu romance inacabado, uma sua visão íntima de São Luís, a pedir-me que, se por ventura o olhasse com olhos de malsinar, não o tocasse; mas só achei alguns papéis anotados com tais referências; o que achei mesmo, e de arrepiar a emoção, foi “A Rapsódia das muitas Teresas”, anotações dispersas de um conto, quase novela, que acredito ter sido um dos maiores que já se escrevera pelos nossos Maranhões, tendo ficado, pela incúria e desmazelo do próprio autor, na vala do ineditismo e se perdido na inexorabilidade do tempo. Era simplesmente um monólogo, onde um feto a se contorcer, narrava, dentro do tempo devido, sua infeliz fecundação, a lembrar-nos lances de “Coração revelador”, de Edgar Allan Poe, cujas miragens de alucinação e efeitos de terror, pareciam ter transpostos uma arte diferente, em meio àquelas lâminas agitadas, a erguer-se serena e calma, numa figura de melancolia, numa atitude acabrunhada e triste.

Para minha alegria, presenciei Erasmo, na varanda de sua casa, escrever a lápis, em folhas de papel soltas e sem pautas, com sua letra firme e bem talhada, a novela “Maria Arcângela”, pausando de vez em quando, para a natural e devida leitura e para um gole reparador de aguardente. “Maria Arcângela” é uma das maiores novelas já escritas para o Cancioneiro Maranhense, onde se encontra, pela grandeza do estilo, ressonâncias de “A Peste”, de Albert Camus, vez que “Maria Arcângela” fora escrita para um cenário da epidêmica varíola que um dia assolou São Luís. O texto é digno de estar enfeixado em antologias dos melhores contos ou novelas brasileiros.

Charles Baudelaire, o tradutor em francês do poeta Edgard Allan Poe, nos diz em um belo ensaio sobre o autor de “Histórias Extraordinárias” “... “Que as notas, os costumes, os hábitos, o físico dos artistas e dos escritores sempre suscitou uma curiosidade bem legitima”, e era essa, bem se sabe, a intenção do poeta e médico Fernando Viana em fazer a caricatura em versos do nosso Erasmo, a qual foi publicada no Jornal “A Tarde”, de Salvador, depois publicado no seu “Passarela e outros perfis”:

“Este, em São Luís, é o que se ufana / com seu timbre de voz desconcertante, / de em casa possuir toda uma estante / sobre literatura americana. / Na Imprensa Oficial, onde é mandante, / percebe, mensalmente, gorda grana, / e, ali, como num plácido nirvana, / vai meditando e lendo para diante. / Desengonçado, anêmico, disforme, / no contraste do corpo, a cara enorme / dá-lhe a ambígua aparência de boi manso... / Tem talento e cultura. É inteligente / e escreve muito bem – principalmente / quando na vida alheia dá balanço...”.

Erasmo, não o de Roterdã, mas o dos Apicuns, era um homem de apurado senso estético, orientador literário de quem o procurava nesse espinhento caminho; orador de peças memoráveis, panfletário e editorialista de artigos imorredouros, como “Boi marrequeiro”, “Algodão de capoeira”, “Areias de aluvião” e outros muitos; como escritor deixou legado à história literária do Maranhão, “Páginas de crítica”, um livro de ensaios, onde comenta com vigor e técnica extraordinários, os estilos e características de James Joyce, Romain Rolland, Ernest Hemingway, Hermann Hesse, Thomas Mann e outros gênios da Literatura Universal.

Foi eleito para a Academia Maranhense de Letras, ao suceder o professor Silvestre Fernandes na Cadeira nº 15, patroneada pelo humanista Manuel Odorico Mendes, em cujo discurso de posse transcendeu à eloquência ao falar do tradutor de Virgílio

Morreu José Erasmo [de Fontoura e Esteves] Dias, em São Luís, no dia 14 de maio de 1981, por ironia, numa segunda-feira, à luz do sol das onze horas, sem conseguir serenar-se com a madrugada, como gostaria; morreu sem aquele grito de “Quincas Berro d’água”, mas serenamente; seu corpo foi sepultado no velho cemitério do Gavião, debaixo de um cajueiro em flor, sem a cruz, como símbolo do cristianismo, mas com a Estrela de Davi, ou Signo de Salomão, já que se dizia judeu, a luzir à cabeceira de sua consciência, agora verdadeiramente imortal...

* Fernando Braga

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Nascimento Morais Filho em noite de lançamento de “Clamor da hora presente” (4ª ed.), em junho de 1992

Este ano, relembramos o aniversário do poeta maranhense Nascimento Morais Filho (1922-2009), que, se estivesse vivo, celebraria, na última quarta-feira (15/7), seus 98 anos. Durante a maior parte de sua vida, meu avô se dedicou à literatura, às lutas sociais e à pesquisa literária, realizando um movimento constante e incansável em prol da cultura maranhense. Em minha curta convivência com ele, da década de 1980 até os anos 2000, pude presenciar e absorver toda sua coerência, inteligência e ativismo político – e, quando escrevo “político”, falo no sentido de uma pessoa que sabia muito bem não só “ser” humano mas também “existir” como ser humano, não só para sua família como também para seus amigos, alunos e admiradores.

O poeta era filho de outro nome bastante conhecido das letras maranhenses, o meu bisavô José Nascimento Morais, jornalista, contista e romancista. Mas o Filho enveredou por outro caminho que não foi o do pai, o da prosa literária, pois pertenceu à geração que iniciou efetivamente o Modernismo na poesia do Maranhão chamada pelo crítico Assis Brasil** de “Geração de Bandeira Tribuzzi”. O movimento modernista, aqui no Estado, buscava desgarrar-se de um cheiro persistente da “tradição romântico-parnasiano-simbolista”, atualizando, enfim, as conquistas estéticas datadas da Semana de Arte Moderna (1922). Surgindo em fins da década de 1940 para consolidar-se em 1950, o Modernismo poético maranhense revela nomes tão importantes quanto o de Bandeira Tribuzzi, considerado o iniciador desse movimento com a publicação de seu livro “Alguma existência” (1948): ao lado de José Chagas, Nauro Machado, Bernardo Almeida, Manuel Lopes, Dagmar Desterro, Ferro do Lago, Tobias Pinheiro, Clóvis Ramos, José Sarney, Lago Burnett e Ferreira Gullar, está Nascimento Morais Filho. Todos esses poetas publicam, de uma forma ou de outra, seus escritos ao longo da década de 1950 e nas décadas posteriores, seja em livros ou em periódicos (jornais e revistas) como também testemunharão publicações de novos autores, como José Maria Nascimento, Manuel Caetano Bandeira de Melo, Lucy Teixeira, Carlos Cunha, Lauro Leite, Venúsia Neiva, Fernando Braga, Raimundo Fontenele e Ribamar Feitosa, para citar apenas alguns nomes.

Em pleno ativismo ecológico, com integrantes do Comitê de Defesa da Ilha de São Luís

Outro ponto catalisador do Modernismo no Maranhão foi a fundação do Centro Cultural Gonçalves Dias em 1945, que muito mais do que combater um determinado “passadismo literário”, como disse o autor Rossini Corrêa, pretendia tirar o cenário intelectual da época de um marasmo, retomando mesmo uma atividade literária mais pungente e atuante. Conforme Corrêa (1989)***, o CCGD foi uma sociedade cultural que agregava tanto intelectuais de outrora (como Luso Torres, Manoel Sobrinho, Bacelar Portela, Clodoaldo Cardoso e Nascimento Morais, pai) quanto a mocidade ávida por novas discussões e participações, dentre eles Nascimento Morais Filho, Vera Cruz Santana, Reginaldo Telles, Agnor Lincoln da Costa, Antônio Augusto Rodrigues, José Bento Nogueira Neves e Haroldo Lisboa Olímpio Tavares e outros nomes. Como essência, o CCGD era mais um movimento cultural do que um movimento de escola literária e, por isso, promovia discussões e leituras, chegando a editar dois números de uma revista literária do grêmio, abrindo espaço para publicações de novos autores. Tudo isso contribuiu para agitar realmente o cenário intelectual local.

Meu objeto de estudo e pesquisa é a obra de Nascimento Morais Filho, mas, como percebemos, estudar seus escritos e sua trajetória literária é também pesquisar sobre os primórdios da poesia modernista no Maranhão, sua recepção crítica e sua consolidação por meio de obras de outros grandes autores e desbravadores. Sendo assim, é importante lembrar que, como poeta, Nascimento Morais Filho escreveu três obras: “Clamor da hora presente” (1955), “Azulejos” (1963 – minha obra favorita e fruto de minha dissertação de Mestrado em 2016 intitulada “A poética modernista em Azulejos de Nascimento Morais Filho” e publicada em livro em 2019 – e “Esfinge do azul” (1972). Para o meu doutorado, o qual ainda está em curso, realizo um estudo crítico de todo esse conjunto poético, partindo do conceito de liberdade, fio condutor perceptível na escrita de Nascimento Morais Filho.

Para além de sua produção autoral, é sempre bom destacar o trabalho incansável de Nascimento Morais Filho na pesquisa literária com o sentido de resgatar nomes que, por um motivo ou outro, foram esquecidos (para não dizer excluídos) das antologias e seleções literárias, como é o caso de Estevão Rafael de Carvalho e sua “A metafísica da contabilidade comercial” (1837; reeditada em 1987) e a nossa Maria Firmina dos Reis, a primeira mulher brasileira a escrever um romance, “Úrsula” (1859; reeditado em 1975). A pesquisa que resultou na obra “Maria Firmina – fragmentos de uma vida”, publicada em 1975, até hoje serve de referência bibliográfica inicial para quem quiser realizar algum tipo de estudo de fato fundamentado sobre a autora, como foi o caso recente do sociólogo paulistano Rafael Balseiro Zin e seu livro “Maria Firmina dos Reis: a trajetória intelectual de uma escritora afrodescendente no Brasil oitocentista” (2019). Se hoje eu e tanto outros professores podem discutir com seus alunos os poemas de “Cantos à beira-mar”, os contos “A escrava” e “Gupeva” e o romance “Úrsula”, devemos, certamente, ao resgate de meu avô-pesquisador.

No canto esquerdo, ao lado de Jomar Moraes, José Sarney e do jornalista e poeta Paulo Nascimento Moraes (irmão)

Mas Nascimento Morais Filho fez muito mais: de suas viagens pelo interior do Maranhão como fiscal de Renda do Estado (sua profissão oficial) e também de suas pesquisas na Biblioteca Pública Benedito Leite, resultaram três obras cujo cerne é o folclore, quais sejam “Pé de conversa” (1957), “Esperando a Missa do Galo” (1973) e “Cancioneiro Geral do Maranhão” (1976). A primeira reúne quadras populares, comumente presentes nos falares do povo; a segunda traz contos natalinos de autores maranhenses, percorrendo um período de 150 anos; e a terceira resgata algo em torno de 2.800 trovas colhidas nos jornais do Maranhão dos séculos XIX e XX.

Com toda essa dedicação às letras e à cultura maranhenses, Nascimento Morais Filho foi homenageado e reconhecido em vida sim: integrou a Academia Maranhense de Letras (cadeira número 37) e recebeu a Medalha da Ordem dos Timbiras em 2008 – esta última a mais alta comenda ofertada pelo Poder Executivo estadual. Além disso, em vida, o poeta recebeu inúmeras visitas em sua famosa casa no Beco do Couto, 57, Centro, de pessoas das mais variadas estirpes sociais que ansiavam por suas conversas e conselhos e por absorver, assim como eu, de todo seu amplo conhecimento e de suas histórias de tempos passados.

E, ainda, havia a Ecologia, luta que ele abraçou em fins da década de 1970 e continuou até o fim de sua vida. A causa ecológica resultou na fundação do Comitê de Defesa da Ilha de São Luís em 1981 (a qual agregou personalidades representativas da vida cultural e social do Maranhão, até mesmo religiosas), em inúmeros programas veiculados pela Rádio Educadora do Maranhão, em várias trocas de correspondências com ambientalistas como Raul Ximenes Galvão, além de novas homenagens como a da ONG Greenpeace, por ter sido um dos primeiros defensores dessa causa tão nobre em nosso Estado e no Brasil. Eu vi tudo isso e vivenciei seus princípios e seu amor pelo coletivo e pelas artes em geral. É por causa de todo o legado de grande valor que Nascimento Morais Filho deixou ao Maranhão que a memória de seus feitos ainda reverbera em nós.

* Natércia Moraes Garrido é doutoranda em Literatura e Crítica Literária pela PUC-SP; é autora do livro “A poética modernista em Azulejos de Nascimento Morais Filho” (Goiânia, GO: Ed. Espaço Acadêmico, 2019); é professora assistente do curso de Letras da Universidade Estadual do Maranhão e do Instituto Federal do Maranhão; é crítica literária, exercendo o ofício no Blog e no canal do YouTube, ambos intitulados “A Beletrista”; é neta e pesquisadora do legado de Nascimento Morais Filho.

** “A poesia maranhense no século XX: antologia”. Organização, introdução e notas de Assis Brasil. Rio de Janeiro: Imago Ed.; São Luís, MA: Sioge, 1994.

*** CORRÊA, Rossini. “O Modernismo no Maranhão”. Brasília: Corrêa e Corrêa Editores, 1989.

À memória do poeta Jamerson Lemos

 

Estás livre como um pássaro
na superfície do vento nômade.

Tens uma rosa como bússola
e um sábado árido para gastá-lo.

Estás livre como um pássaro
e sabes aonde deverás pousar
quando te faltar o fôlego.

Há um azul no teu caminho
e uma paz branca de anjo
a vaguear em tua paisagem.

Estás livre como um pássaro
entre o horizonte e o sonho
no raiar duma nova claridade
sem dor alguma por tua culpa.

Hoje terás teu pão sem agonia!...

* Fernando Braga, in “O Puro longe”, 2012.

Em uma “live”, a Rádio MEC apresentou, nesse sábado (18), as 100 músicas semifinalistas da 12ª edição do festival da emissora e também abriu para votação do público. Foram, ao todo, 1.029 trabalhos inscritos. Nas categorias de música clássica e música instrumental, 17 trabalhos se classificaram em cada uma. Entre as músicas infantis, ficaram 16 concorrentes. Na categoria de música popular, há 50 obras na disputa. O público pode ouvir as músicas e votar em cada uma das categorias: Música Popular, Música Infantil, Música Instrumental e Música Clássica.

“Live” em diferentes ritmos

Piano, violão, misturas de ritmos, expectativas e interação com o público. Até o resultado com os semifinalistas, o ritmo da “live” foi de homenagem à arte brasileira. O evento foi marcado por quatro atrações musicais, de diferentes gêneros. Eram artistas premiados em outras edições que trouxeram trabalhos já reconhecidos. Eles também explicaram que a cultura é fundamental para a convivência nesse momento de pandemia. A transmissão teve início com uma apresentação da pianista Deborah Levy com a música “Isolamento e cura”, que integra o projeto Nossa Melhor Visão de Mundo, feito sob inspiração dos tempos de pandemia.

Deborah venceu em 2018, na categoria de Melhor Intérprete de Música Instrumental com a música “Back to life”. “O meu prêmio está em local especial na minha casa, em cima do piano”. A musicista, que é produtora e realizadora do CD “Apimentada”, apresentou na “live” a música vencedora do festival.

Deborah Levy lembrou que o trabalho foi composto quando resolveu voltar ao Brasil para retomar a carreira. Ela vivia nos Estados Unidos e também trabalhava como musicista em um navio. A pianista explicou que estar em isolamento produz ansiedade e, também, reflexão. “Produzir nos ajuda a lidar com essa ansiedade. Estou fazendo ‘lives’ nesse período. Nesse projeto, temos trabalhado com esse tema”.

Na sequência, o violonista Hamilton Catette, que é especializado em música infantil, tocou “Pezinho de maracujá”, canção vencedora da edição de 2018 do festival. Na apresentação, ele recordou a felicidade de estar entre os finalistas e, depois, quando soube que havia ganhado. “Eu separei sementes de maracujá para trazer aos meus colegas músicos que também estavam concorrendo. Quando soube que eu ganhei, eu pulei muito”. O músico, que também é professor e tem cinco discos, valorizou a importância da possibilidade de difusão instantânea da arte. Catette também cantou a música “Tomatinho vermelho”, que foi gravada por uma ex-aluna dele, Luiza Possi. “Fazer música é de uma responsabilidade muito grande. Precisa ser educativa, e as crianças são verdadeiras quando ouvem uma canção”.

De norte a sul

O terceiro a se apresentar foi o músico Eduardo Camenietzki, vencedor em 2019, na categoria Música Clássica, tocou, nesse sábado, obras com inspirações de diferentes partes do país. O primeiro trabalho que ele apresentou no violão foi “Prelúdio em tempo de axé”. Camenietzki tem 37 anos de carreira e mais de 400 composições. “Eu crio desde que me entendo por gente. Vivi sempre das minhas músicas. Eu compunha antes de tocar instrumento”.

Entre as criações, o músico ressaltou que fez até músicas para aberturas de telejornais, documentários de cinema e séries de TV. Entre os trabalhos, a música “Suíte gaúcha” foi crida para “O Tempo e o Vento”, exibida pela TV Globo, em 1985, a convite do ator e diretor Paulo José. Camenietzki recorda que também ensinou para o ator Tarcísio Meira, intérprete do personagem Capitão Rodrigo, parte da música para que fosse incorporada nas cenas. A música já foi gravada também pelo músico Yamandu Costa. “Fiquei honrado que ele tocou ‘Suíte gaúcha’. Ele é um dos grandes que já surgiram no violão brasileiro”. Camenietzki explica que o instrumento de corda necessita de bastante energia. "Eu fico relaxado quando toco, mas descobri que os batimentos cardíacos aumentam bastante”.

O último a se apresentar foi o violonista Raphael Gemal. O músico trouxe a ode a misturas de ritmos (como carimbó e maracatu) em “Feira Livre”. Logo depois, ele tocou a música “Chamada”, de autoria dele e de Ricardo Szpilman. Em 2015, a canção teve interpretação premiada de Valéria Lobão, no Festival da Rádio MEC. O artista ainda tocou “Tema de Hipólita”, finalista no ano passado.

(Fonte: Agência Brasil)

Vamos, neste domingo, lembrar um assunto bem interessante (espero!): o uso dos ARTIGOS.

Será que os ARTIGOS são necessários?

Dicas gramaticais
Uso dos ARTIGOS
Nas chamadas, a tendência do jornalismo é suprimir os artigos, sobretudo os definidos. Há situações, entretanto, em que os artigos definidos são obrigatórios:

1 – Mudança de sentido:
“Foi flagrado em prédio da Prefeitura de São Luís” é diferente de “Foi flagrado no prédio da Prefeitura de São Luís”. No primeiro caso, a prefeitura tem, pelo menos, dois prédios; no segundo, apenas um.

2 – Nomes de pessoas:
Embora seja um caso facultativo, o melhor é evitar o uso do artigo: “A carreira de Neymar está ameaçada” (e não “do Neymar”); “A administração de Roseana...” (e não “da Roseana”). A presença do artigo definido antes dos nomes de pessoas dá um caráter de intimidade.

3 – Nomes de cidades:
São poucos os que exigem artigo: o Rio de Janeiro, o Porto, o Cairo, o Havre... Quando o nome da cidade é caracterizado por alguma expressão, o artigo se torna obrigatório: “O apresentador passou a infância na pacata Dois Córregos”. Com Recife, o artigo é optativo: “Choveu muito em/no Recife”.

4 – Nomes de Estados brasileiro:
Os que não admitem artigo são: Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pernambuco, Rondônia, Roraima, Santa Catarina, São Paulo e Sergipe. Com Alagoas e Minas Gerais, o artigo é optativo, mas o melhor é usar sem artigo. Os demais Estados brasileiros exigem o artigo.

5 – Nomes de países:
Em geral, pedem artigo: o Peru, a Itália, o Brasil, a Argentina, o Chile, a Venezuela, o Uruguai, a Bolívia, o Paraguai, a Espanha, o Gabão, a Alemanha etc. Mas não são poucos os que rejeitam o artigo: Cuba, Marrocos, Israel, Angola, Moçambique, Andorra, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Portugal, São Marino etc.

6 – Pronomes possessivos:
O artigo é optativo. Em textos jornalísticos, prefere-se sua omissão: “O governador afirmou que a questão está na mão de seus assessores”; “O treinador disse que seu esquema tático depende do adversário”.

Atenção:
No caso de frases comparativas, em que se subentende a segunda ocorrência do substantivo, o artigo é obrigatório antes do pronome possessivo: “O esquema tático dos argentinos foi melhor do que o nosso”.

7 – Enumerações de substantivos que exigem artigo:
O artigo é obrigatoriamente repetido: “Neste semestre, o presidente visitará a Espanha, a Itália, o Peru e o Chile”; “O Flamengo precisa derrotar o Vasco, o Palmeiras e o Corinthians”.

8 – Adjetivo no superlativo:
O artigo é obrigatório: “A atriz será operada por Ivo Pitanguy, o cirurgião plástico brasileiro mais conhecido no exterior” (e não “Pitanguy, cirurgião plástico brasileiro mais conhecido no exterior”).

9 – Com horário:
O artigo é obrigatório: “As lojas do ‘shopping’ ficam abertas das 10h às 22h” (e não “de 10h a 22h”). A ausência do artigo muda o sentido. No segundo caso, acaba-se informando o número de horas de funcionamento das lojas.

10 – Uso exagerado do artigo indefinido:
O artigo indefinido muitas vezes é usado inutilmente: “O prefeito afirmou que no mês que vem encaminhará à Câmara um outro projeto de lei”; “Para ficar no Flamengo, o técnico exigiu um aumento salarial”. Basta dizer que o prefeito apresentará outro projeto de lei e que o técnico exigiu aumento salarial. Uma boa maneira de evitar esse abuso é verificar como fica a frase sem o artigo indefinido. Se não fizer falta, deve ser eliminado.

Teste da semana:
Assinale a opção que completa, corretamente, a frase abaixo:
“Ainda __________ furiosa, mas com __________ violência, proferia injúrias __________ para escandalizar os mais arrojados”.
(a) meia / menas / bastantes;
(b) meia / menos / bastante;
(c)meio / menos / bastante;
(d) meio / menos / bastantes;
(e) meio / menas / bastantes.

Resposta do teste: Letra (d).
A palavra MEIO, quando se refere a um adjetivo (= furiosa) e significa “mais ou menos, um tanto”, é advérbio de intensidade. Isso significa que é invariável: “Ela estava MEIO furiosa”. A forma “menos” não existe, por isso “MENOS violência”. E a palavra BASTANTE, quando significa “suficiente”, é adjetivo e deve concordar com o substantivo a que se refere: “injúrias bastantes” = injúrias suficientes.

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Em teu casulo
me acasalo
me encapsulo.

Nele, dentro,
me movimento
– ele me entende
e se distende
completamente;
(me) move
– comove –
fortemente
(me) envolve
profundamente

até que cio e selva
sejam só céu e relva

e saia o arado
e fique a leiva
e em mim saciado
brote a seiva

e eu homem me transmuto em rio
e sobre você mulher margens e leito
corro
percorro
escorro

liquefeito.

Em teu casulo
me acasalo
me encapsulo:
nele sou mais
quanto mais
me anulo...

* EDMILSON SANCHES

Cursos de capacitação, oficinas e eventos fazem parte do apoio que será prestado pelo Sistema Nacional de Orquestras Sociais (Sinos) a projetos sociais que se dedicam ao ensino de música no país. A iniciativa foi lançada, esta semana, pela Fundação Nacional de Artes (Funarte) e pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), prevendo apenas atividades “on-line” durante o período da pandemia. A ideia é que o projeto também terá atividades presenciais nas cinco regiões do país quando houver condições para tal.

O sistema foi criado para fornecer apoio a projetos que já existem, valorizando iniciativas que formam músicos por meio da capacitação de regentes, instrumentistas, compositores e educadores musicais. O lançamento foi realizado na última quarta-feira (15), em uma “live” transmitida pelo canal Arte de Toda Gente no YouTube.

Ao apresentar o projeto na transmissão, o professor e ex-diretor da Escola de Música da UFRJ André Cardoso disse que a proposta é apoiar quem já está em campo formando novos talentos musicais no país. “Ao invés de se pensar em algum projeto novo e oferecer uma ideia de cima para baixo, a ideia foi apoiar quem está na ponta, com a mão na massa, e trabalhando com as crianças diretamente”.

No “site” do projeto é possível acessar opções de cursos e atividades gratuitas que também devem apoiar a formação de orquestras-escola em todo o país. Apesar das ações estarem previstas inicialmente até 2021, o diretor do Centro de Música da Funarte, Bernardo Guerra, ressaltou no lançamento que a ideia é que a iniciativa de apoio à formação musical seja contínua.

As ações previstas no Sinos incluem curso de capacitação pedagógica para o ensino de instrumentos de corda, cursos livres para jovens músicos de orquestras e bandas de projetos sociais e vídeo-oficinas para jovens regentes dessas orquestras e profissionais de ópera.

Em 2021, o Sinos dará apoio a festivais de música e, entre outras ações, está previsto também o Projeto Orquestra, com oficinas de capacitação intensiva de uma semana com músicos reconhecidos no país. O projeto fará, ao menos, dois concertos por onde passar, o que deve incluir as capitais Belém, Belo Horizonte, João Pessoa, Natal, Porto Alegre, Rio de Janeiro, Salvador e Brasília.

O conteúdo de apoio também será transmitido em “lives” na “internet”, além de ser disponibilizado em material pedagógico que inclui apostilas e partituras.

(Fonte: Agência Brasil)

A Escola Sesc do ensino médio, no Rio de Janeiro, vai oferecer um programa de tutoria educacional gratuita para mais de 800 alunos do país, com foco em uma educação “humanizada e personalizada”, anunciou a instituição.

Os participantes do Programa de Tutoria Educacional a Distância (Pted) receberão apoio nas disciplinas curriculares por meio de videoaulas e com acompanhamento direto de educadores especializados, bem como apoio específico voltado ao Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), tudo por meio de uma plataforma digital. O apoio será prestado durante os três anos do ensino médio, informou a escola.

Aprendizagem

“Esse é um programa que busca aprendizagem mediada pela tecnologia, mas a partir de uma educação humanizada e personalizada, para que esses jovens atendidos tenham educadores apaixonados por ensinar à disposição deles, trabalhando juntos para realizar sonhos”, disse o diretor da Escola Sesc, Luiz Fernando Barros, em comunicado sobre a iniciativa.

As inscrições para a tutoria começam em 18 de agosto, no “site” da Escola Sesc, e alunos de escolas públicas e de menor renda familiar terão prioridade na seleção.

(Fonte: Agência Brasil)

Rogaciano Leite

O Rio Pajeú passa por diversos municípios no Estado de Pernambuco. Só na microrregião do Pajeú, são uns 17. Mal comparando, o rio parece um espesso fio líquido (e incerto, já que sazonal) unindo cidades como se fossem contas ou camândulas em um imenso terço ou rosário.

Praticamente bem no centro do Estado, na parte norte, na divisa com a Paraíba, está o município de Flores, por onde, neste leriado, começamos a construir a resposta para a pergunta-título deste texto.

Flores é velha que nem pé de serra. O início de sua história remonta ao século XVI, lá pelas metades do ano de 1589. Nesse ano, chegou a uma aldeia, nas terras da hoje Flores, pelo Rio Pajeú, uma expedição de portugueses e índios escravizados, uma das muitas expedições que o administrador colonial lusitano Garcia d’Ávila enviava para colonizar regiões e ampliar seu latifúndio, que chegou a 800.000 quilômetros quadrados de área, 40 vezes o tamanho de um país como Israel.

O que a expedição luso-indígena não contava é que, quando ela aportou no hoje Alto das Flores, tiveram todos os expedicionários aprisionados pelos índios tapuias, que, exatamente naquele dia, estavam em festas, homenageando um chefe índio da aldeia da Baixa Verde, nas terras do hoje município de Triunfo, dali das vizinhanças, digamos assim.

Os expedicionários foram mortos, exceto duas meninas, cuidadas pelos tapuias como pequenas deusas. Aracê e Moema, foram os nomes indígenas que as meninas receberam. As meninas ensinaram a língua portuguesa para índios e os ajudaram a ser mais tolerantes com os ditos brancos. Cerca de 15 anos depois, em 1603, apareceu nova expedição, mas aí o tratamento foi outro. Novas e melhores habitações foram construídas – transferência de tecnologia...

E a história de Flores se foi fazendo... Em 1783, era oficialmente distrito. Em 1810, vila – extinta em 1851 e recriada em 1858. E, finalmente, em 1º de julho (dia e mês em que o poeta e jornalista Rogaciano Leite nasceu...) de 1909, Flores ganha sua autonomia, transformando-se em município e cidade-sede.

Igreja Matriz de São José, em São José do Egito

Como diz o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), órgão do governo federal, “o município de Flores, outrora, compreendia uma vasta região que iniciava onde hoje se situa o município de São José do Egito, indo até o atual município de Tacaratu”.

Pois bem. Todos que tentam puxar a naturalidade de Rogaciano Leite para São José do Egito ou para Itapetim saibam uma coisa: as terras de diversos municípios aí na região são endodivisões (divisões internas), são áreas, nacos, pedaços dos chãos da antiga Flores.

E como é que a naturalidade (local de nascimento) de Rogaciano Bezerra Leite entra na história?

Você conhece o provérbio que diz que “o futuro a Deus pertence”. Uma pessoa que nasce e é registrada no seu município não tem qualquer condição de saber se, mais tarde, tempos depois, anos, décadas ou séculos adiante o território de um município vai ser desmembrado.

Digamos, só por hipótese, que a menina Aracê, a mais velha daquelas duas que os índios adotaram na antiga terra de Flores, em 1589, transformou-se em uma escritora famosa. Ainda no terreno da hipótese, Aracê foi registrada como filha de Flores – portanto, era florense. Flores é município independente desde 26 de maio de 1858, confirmado por lei de 3 de agosto de 1892.

Igreja Matriz de São Pedro, em Itapetim

Em 1º de julho de 1909, Afogados de Ingazeira, por sua vez, torna-se município (era distrito desde 1836), desmembrado do território de Flores. Digamos que as terras de Aracê estivessem na parte que ficou para o município de Afogados de Ingazeira. E agora, o registro de nascimento de Aracê tem de ser mudado, para substituir Flores por Afogados de Ingazeira?

Mas a história anda... São José do Egito (que era distrito desde 21 de março de 1872) torna-se município independente, desmembrado de Afogados de Ingazeira. As terras de Aracê ficaram com São José do Egito. E aí? Nossa personagem Aracê, que inicialmente era de Flores, depois se mudou para Afogados de Ingazeira, agora terá de registrar-se como filha de São José do Egito...

Por fim, das terras de São José do Egito sai a área territorial de Itapetim, transformado em município em 29 de dezembro de 1953... e a parte do antigo território de Aracê ficou com Itapetim. Afinal, qual a naturalidade dessa moça Aracê? Ela foi transformada em trânsfuga de sua própria terra, com um novo registro de nascimento a cada desmembramento territorial, a cada divisão municipal que inclua o pedaço de chão onde ela se criou...

Percebe-se que isso não faz sentido. Do mesmo modo com Rogaciano Leite. E se o Sítio Cacimba Nova, o chão onde ele nasceu viesse a compor o território de um novo município, desmembrado de Itapetim, qual seria a cidade de nascimento de Rogaciano? E quem assegura que o futuro não reserve outras divisões municipais? Basta ver o tamanho das comunas, cidades ou o que corresponda a município em diversos países da Europa – lugares pequenos com pouquíssimos milhares, senão centenas, de moradores e uns poucos quilômetros de área.

Acham que isso é impossível? Nasci na mesma terra de Gonçalves Dias e Coelho Netto: Caxias, Maranhão. O sítio onde Gonçalves Dias nasceu atualmente faz parte de outro município, ali vizinho a Caxias. Agora, imagine se o pai de Gonçalves Dias, um português, para evitar o clima “pesado” contra os lusitanos, tivesse ido com a esposa grávida para as matas do hoje município maranhense de Itinga do Maranhão, cujas terras integravam o território da antiga Caxias. Ora, Itinga saiu de Açailândia, que saiu de Imperatriz, que saiu de Grajaú, que saiu de Pastos Bons, que saiu de Caxias. Então, o poeta Gonçalves Dias, que nascera caxiense, teria de mudar a certidão e tornar-se pastos-bonense, depois grajauense, depois imperatrizense, depois açailandense e, por fim, itinguense?

São José do Egito, embaixo, à esquerda, e Itapetim, no alto, à direita: pontos de união, ligadas por rio, rodovia

Decididamente, não faz sentido. Rogaciano Leite nasceu em 1920, quando a terra em que respirou pela primeira vez era parte do município de São José do Egito, e assim deve constar de sua certidão de nascimento. Quando Rogaciano morreu no Rio de Janeiro (RJ), em 7 de outubro de 1969, Itapetim, tornado município em 29 de dezembro de 1953, tinha completado 16 anos...

Câmara Cascudo, em sua apresentação ao livro “Carne e Alma”, de Rogaciano Leite, publicado em 1950, diz, com data de 10 de junho de 1948, que “Rogaciano revive as florestas de Gonçalves Dias”. Pois a menção ao meu conterrâneo caxiense lembra-me do quanto Gonçalves Dias, em seus poemas, cantou Caxias. Se não bastasse a certidão de nascimento, poemas de Gonçalves Dias atestariam sua naturalidade...

Assim também com Rogaciano Leite. Ele cantou a sua terra. No longo “Poema de Minha Terra”, depois de declarar que “nasceu num recanto do meu sertão – que amo tanto!”, que se criou “lá na Fazenda”, Rogaciano não se faz de rogado e, como em uma rogação, ao final da poesia, data: “São José do Egito – Pernambuco, 1943”. Seis anos antes, no poema “Uma Noite na Fazenda”, dedicado a seu irmão José Bezerra Leite, Rogaciano datava assim: “Cacimba Nova – São José do Egito, 1937”. Dois anos depois, compusera “Flamboyant (Enfermo)”, para esta árvore, que morria; e na datação: “Cacimba Nova – São José do Egito, 1939”. Aqui, Rogaciano estava com 19 anos e encerra o poema, um soneto decassilábico, escrevendo que ia “morrer, talvez, com vinte e dois”.

Na “Canção de Agradecimento”, para pessoas de Santos (SP), que “concorreram para a publicação” de seu livro “Carne e Alma”, Rogaciano Leite, em décimas heptassílabas (estrofes de dez versos de sete sílabas) diz de onde vem e quem é no primeiro verso: “Venho de longe [...]”. E nas linhas iniciais da terceira estrofe: “Sou José: numa cilada / Venderam-me a Faraó!”

Essa “Canção”, datada de 13 de novembro de 1950, uma segunda-feira, não consta do livro “Carne e Alma”. Foi publicada em uma edição de domingo, 19 de novembro de 1950, do jornal “A Tribuna”, de Santos. Página inteira. Convém anotar que poesia, no mais das vezes, é uma forma “diferenciada” de dizer certas coisas. Na “Canção do Agradecimento”, os dois primeiros versos da terceira estrofe – “Sou José: numa cilada / Venderam-me a Faraó!” – também podem se referir à cidade de nascimento de Rogaciano Leite. O antropônimo “José” e o título “Faraó” podem estar evocando uma das origens do politônimo (nome de cidade) “São José do Egito”. A imagem de São José, que veio para a cidade, apresentava o santo calçado com botas, o que seria um costume do Egito. A estória pegou e terminou compondo o nome do município. Ainda por cima, classificaram-se na cidade três “dinastias” de poetas (“faraós”) nascidos em São José do Egito: a primeira seria a de Antônio Marinho do Nascimento (5/4/1887-29/9/1940), chamado “A Águia do Sertão” e considerado um dos maiores cantadores de todos os tempos; a segunda, de Rogaciano; e a terceira, de Lourival Batista Patriota, o Louro do Pajeú (6/1/1915-5/12/1992), considerado “O Rei do Trocadilho” e também um dos mais famosos poetas populares do Brasil. Todos os três “faraós” nascidos em terras de São José do Egito. Segundo o “site” da Prefeitura de São José do Egito, “esses homens, com seu lirismo, ajudaram a disseminar as sementes da poesia pelo mundo”.

Enfim, do ponto de vista legal e, sobretudo, poético-literário-cultural, Rogaciano Bezerra Leite nasceu em território do município de São José do Egito, 33 anos antes da emancipação de Itapetim. Como, pelo que se sabe, Rogaciano não tirou segunda via de seu registro de nascimento entre 1953 e 1969, quando morreu, nasceu, viveu e faleceu como egipciense.

No mundo do Direito, há expressões como “verdade registral”, “verdade biológica” e “verdade socioafetiva”. Eu acrescento outras duas: “verdade histórico-cultural” e “verdade geopolítica”. O Código Civil (Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002), diz, em seu Artigo 1.604, que “ninguém pode vindicar estado contrário ao que resulta do registro de nascimento, salvo provando-se erro ou falsidade do registro”. Forçando a interpretação (já que a Lei é ela e a interpretação dela), se o registro de Rogaciano o põe como criança nascida em São José do Egito, daqui ele é. Talvez, se ele perdesse sua certidão e fosse tirar uma segunda via após a autonomia de Itapetim, ele sairia do cartório com um registro dando-o como itapetinense, em razão de o lugar onde nasceu agora pertencer ao território de Itapetim. Mas não foi o caso.

Vencida a “verdade registral”, temos a “verdade biológica”: Rogaciano, quando nasceu (e nascer é ato biológico), nasceu em terras do município de São José do Egito.

Quanto à “verdade socioafetiva”, até os versos (como listados acima) e, quem sabe, outros textos rogacianianos mencionam São José do Egito com os elementos básicos de formação de vida de uma criança, de um menino, de um adolescente... O maior registro de nascimento é esse que se vê e não se vê na alma do ser nativo, nascidiço.

A “verdade histórico-cultural” tem muito da “verdade socioafetiva”: são os elementos da terra natal identificáveis na obra do escritor.

E a “verdade geopolítica” é a que contempla Itapetim, antigo distrito de São Pedro das Lajes, depois Itapetininga até a redução para o atual topônimo: por um ato político-administrativo, legal, o antigo distrito de Itapetim é emancipado e seu território, desmembrado do município-pai (São José do Egito), vem com o pedaço de chão (geografia) em que Rogaciano Bezerra Leite nasceu.

A “verdade geopolítica” está ao lado de Itapetim. Por exemplo: Se um turista vai a São José do Egito e diz que quer conhecer o lugar onde Rogaciano nasceu... tem de ir até Itapetim. Ponto. É a “verdade geopolítica” (um pedaço de terra que, por um ato político de redivisão municipal, passou a fazer parte da geografia do novo ente federativo municipal). Agora, se um turista for a Itapetim e pedir para ver uma cópia da certidão de nascimento... ter-se-á de apresentar aquela, e única, que foi assentada no cartório da velha São José do Egito...

Do ponto de vista legal, pode haver dupla (ou tripla etc.) nacionalidade. Mas não se sabe de dupla naturalidade. Pois a naturalidade é uma questão de vida, e a nacionalidade, uma questão de viver. Em termos de vida, só se nasce uma vez – pelo menos cada um de nós, aqui na Terra. Em termos de viver, é uma questão de modo – “modus vivendi”, uns tempos, está em um país; outros tempos, naqueloutro...).

Enfim, não se pode sair por aí alterando a certidão de nascimento de todo filho ilustre que nasceu em lugares que foram assumidos por novos municípios. Se olharmos detidamente a genealogia dos Estados e de muitos municípios, constatar-se-á o quanto em muitos deles ocorreram endodivisões, bipartições, tripartições, multipartições. Um nascituro e seus pais não têm controle sobre isso. A cidade de quem nasce é a cidade onde ele nasceu. Claro, há a possibilidade legal de, por meio da Justiça, adequar-se a uma nova realidade geopolítica, desde que isso seja uma expressão de vontade do indivíduo ou uma determinação judicial mandatória, imperativa, obrigatória.

Quem compulsar e pesquisar biografias poderá, sem muito esforço, com algumas averiguações, confirmar diversas situações de pessoas ilustres que nasceram em um determinado lugar que, depois, passou a território de outro – e nem por isso se está deblaterando ou requerendo a naturalidade legal forçada dos filhos ilustres. Outros tempos e outros grandes filhos poderão nascer nos dias que hão de vir...

Portanto, em uma só oração, ou frase: Rogaciano Bezerra Leite é egipciense nascido em terras atualmente itapetinenses.

A propósito, o IBGE grafa “egipsiense”, o que é evidente lapso. Por outro lado, tenho que a formação correta do gentílico para quem nasce em São José do Egito deveria ser “egitense”, por vir de “Egito”, ou, se quisesse, “são-joseense”, designativo para habitantes de, pelo menos, 14 municípios no Brasil. Por outro lado, pode-se argumentar que “egípcio” é “relativo ao Egito”; assim, de “egípcio” faz-se “egipciense”, o que se constitui em uma evidente “terceirização” na formação de adjetivo gentílico, já que a palavra “egípcio” não consta do nome. Em favor dos egipcienses, também se pode dizer que as palavras “soteropolitano” e “ludovicense” não derivam de palavras que estejam na composição do nome Salvador (BA) ou de São Luís (MA) – apenas são, “terceirizadamente”, gentílicos provindos da forma grega de “Salvador” (“sotérion”) e da forma latina de “Luís” (“Ludovicus”). Melhor ficar quieto...

Encerrando, transcrevo o que já escrevi sobre assunto idêntico, acerca da naturalidade de Gonçalves Dias, que nasceu em Caxias mas seu chão de nascimento agora está no município de Aldeias Altas, como dito lá pelos começos deste texto:

“[...] O debate é válido. E, claro, tenho minha própria opinião, se é que ela vale algo”.

Minha opinião até agora é a de que não parece ser justo o querer transferir-se uma naturalidade em razão de endodivisões geográficas ou repartições internas de um território. Se isso vingasse, ocorreriam inúmeras situações de sucessivas “atualizações” de certidões de nascimento de uma mesma pessoa.

Será lógico, racional, nascermos em um município e não termos segurança histórica e legal de que não nos mudarão a naturalidade, pelo simples fato de que não podemos antever como as divisões e redivisões de um dado território acontecerão ao longo do tempo?

E como ficaria a situação ou a certidão de nascimento de pessoas que nasceram em terras de diversos Estados que, em séculos passados, pertenceram e, depois, "despertenceram" a outros Estados. São Paulo já pertenceu ao território do Rio de Janeiro, a cujo governo “ficou sujeito, tanto administrativamente como no Judiciário”, como anotou Ildefonso Escobar. Mais: São Paulo já foi também do território da Bahia, de cujo governo “ficou dependente”.

Por sua vez, o Paraná já pertenceu ao Estado de São Paulo.

Partes dos territórios de Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso já foram de São Paulo.

A capital paranaense, Curitiba, e o Estado de Santa Catarina já foram paulistas.

São Paulo também já foi e “desfoi” do território do Rio de Janeiro, em um puxa-encolhe que, como sanfona, resfolegou, veio e voltou do século XVI ao século XVIII.

Isto posto – e é só uma amostra... –, dever-se-ia aplicar a lógica das sucessivas mudanças de naturalidade ao sabor e ao longo desses processos de redivisão e endodivisão? Faz sentido isso? Ora!... Uma hora determinado território é de município ou Estado ou país “X”, outra hora passa (ou pode passar) a pertencer a município, Estado ou país “Y”.

Então, ninguém está seguro de sua naturalidade. Haja tempo, esforço e outros recursos para a revisão de certidões de nascimento e atestados de óbito...

É... Pelo visto, corre-se o risco de não sabermos em que terra nascemos.

E, pior, não teremos nem onde cair mortos...”

* EDMILSON SANCHES