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LITERATURA MARANENSE: Frei José Mojica: do Cinema para o Convento*

Frei Francisco Jesus Mojica de Guadalupe

Lá pelos idos de 1955, “bons tempos aqueles / quando o Reino era cristão”, como diz Gonçalves Dias, e éramos meninos e felizes, chegava a São Luís, o até ontem artista de cinema e cantor José Mojica, agora Frei José Francisco Jesus Mojica de Guadalupe, Frade da Ordem Menor dos Franciscanos, nascido em San Gabriel, México, em 14 de abril de 1896 e falecido em Lima, Peru, em 20 de setembro de 1974.

Antes de colocá-lo no cenário do velho Colégio  Marista, eis algumas notas sobre a vida artística do famoso frade, para melhor ilustrá-lo neste comentário. Mojica começou estudando agronomia, mas abandonou para se dedicar a música, passando a cantar, sendo que vai viver em Nova York (EUA), começando como lavador de pratos. Volta, em 1917, ao México e é contratado pela Companhia de espetáculos Cultos S.A., fazendo o papel de Rodrigo, em “Otelo” de Verdi, apresentando-se no Teatro Abreu. Depois, apresenta-se no Opera de Chicago, onde faz papéis pequenos. Até que, em 1921, consegue um papel em “El Amor por três laranjas” [Um Amor por Três Laranjas], de Prokofiev e Pelléas et Mélisande ao lado da atriz Mary Garden.

Faz um enorme sucesso, sendo contratado pela Century FOX, tornando-se estrela a fazer vários filmes: “One Mad Kiss”, “The Yellow Ticket”, “Hay que Casar al Príncipe”, “El Rey de los Gitanos”, “Mi Último Amor” e “La Melodia Prohibida”. Volta, em 1938, ao México onde faz os filmes: “El capitán Aventurero” e “Caminos de Nueva na España”. Em 1939, grava “La Canción del Milagro”. Em 1942, volta ao Opera de Chicago para fazer o papel de Fenton em “Falstaff” de Verdi. No ano seguinte, abandona a posição de galã e passa a viver na Ordem Franciscana no Peru. Inicialmente, recebe a ordem de irmão leigo, depois se torna presbítero e recebe o nome de Frei José Francisco Jesus Mojica de Guadalupe.

Posteriormente, volta a cantar em participações especiais, a compor tangos e boleros famosos mundialmente, como “Dos Sapatios”, “Solamente Una Vez” e “Besame”, que fez grande sucesso na época e até hoje tida como um clássico da música latino-americana.

E, na Ilha do Amor, o ilustre frade foi hóspede de honra do Colégio Marista!

Depois dessa apresentação, tenho de, numa leve pincelada, acertar a rosa dos ventos, para dizer o que nos contam alguns historiadores: O Colégio Maranhense São Francisco de Paula [esse é seu nome por extenso], conhecido apenas por Colégio Marista. Abro, aqui, um parêntesis para estes esclarecimentos: Esta instituição chegou a São Luís em 1908, instalando-se no próprio prédio da Arquidiocese, sendo, depois, erguido em uma grande área na “Quinta do Barão”, conhecida anteriormente por “Quinta das Laranjeiras”, que pertenceu ao Morgado José Gonçalves da Silva, cognominado o “Barateiro”, tido como o homem mais rico do Maranhão, tanto que ajudou o governo da rainha D. Maria I na guerra contra a Espanha, no fim do século XVIII, com mantimentos e dinheiro, cujo altruísmo monetário estendia-se diretamente às capitanias do Maranhão, do Ceará e do Pará. Era um benemérito da pátria, respeitado e querido em toda a cidade. Talvez por isso, o bispo diocesano de São Luís, dom Santino Maria da Silva Coutinho ordenou que, naquele ano de 1811, se passasse portaria em forma de estilo, com vistas ao requerimento do proprietário, para que pudesse erigir um Oratório público com uma porta para a Rua da “Quinta das Laranjeiras”, no Caminho Grande, surgindo, assim, a Capela de São José das Laranjeiras, até hoje existente, tendo sido muito frequentada pela sociedade católica de São Luís.

A “Quinta das Laranjeiras” perdeu o nome para “Quinta do Barão”, em virtude de uma filha de José Gonçalves da Silva, “O Barateiro”, ter-se casado com o 2º Barão de Bagé, Paulo José da Silva Gama, sucessor do pai, que também era Barão de Bagé, e a senhorial área tomou como nome o seu título — e ficou como “Quinta do Barão”, com início na Rua Grande, a ostentar o belo portão, sendo bordados os estuques em volta, a tomar no caixilho as armas do Barão de Bagé, terminando a propriedade com uma cerca na Rua do Apicum, à sombra de velhos tamarineiros...

Era lá, repito, que se erguia solene o prédio e toda a área do Colégio Maranhense São Francisco de Paula, dos Irmãos Maristas, onde agora, neste dedo de prosa, se encontra o Frei Mojica, aproveitando a noite daquela sexta-feira e do sábado, para apresentar-se no Teatro Artur Azevedo, onde, sob grandes aplausos, cantou suas canções e óperas, a angariar fundos para sua Obra Missionária.

No domingo, pela manhã, ele celebrou a Santa Missa na Capela do Colégio, Consagrada a Nossa Senhora do Rosário, em cuja homilia contou aos irmãos Maristas e alunado presente, internos e externos, pedaços de sua vida artística, e como aconteceu seu chamado por Deus, em dizendo, por fim, que não era mais o artista que ali estava, mas um humilde servidor de Jesus Cristo, e, por conseguinte, um filho Seráfico de Francisco de Assis.

Nessa tarde de domingo, aplicada às práticas esportivas,  e na véspera de ir embora, Frei Mojica, numa das salas de recreação, chamou quase todos os alunos ali presentes, botando-os em fila, juntamente com mais alguns Irmãos professores, e se pôs a jogar sinuca... a ganhar de todos... Será que “amarelaram” os “sparrings” do padre, ou foi mesmo seu senso profissional, acostumado nos grandes cassinos e salões de jogos do mundo?

Num desses intervalos, eu o encontrei no brônzeo silêncio dos corredores do colégio, a caminhar juntamente com o Irmão Máximo António, professor de música e regente do canto orfeônico; desinibi-me ante sua figura descontraída e bonachã e  lhe pedi um autógrafo, oportunidade que lhe perguntei por que tinha deixado a vida artística; e ele, ao entregar-me o cartão assinado, pelo qual agradeci, respondeu-me afavelmente: “Penso que o meu talento artístico foi-me dado como missão a cumprir, em obediência a um tempo certo para acontecer... Não só como está dito ‘n’O Eclesiastes’, mas também como sentencia Santo Isidoro!”

...  E a olhar sorrindo para o Irmão Máximo António, continuaram a caminhar, desaparecendo rumo ao refeitório.

* Fernando Braga, in “Conversas Vadias” [toda prosa], antologia de textos do autor.